quinta-feira, novembro 10, 2011

MARINA COLASANTI - A virilidade não é mais aquela



A virilidade não é mais aquela
MARINA COLASANTI 
O ESTADO DE MINAS - 10/11/11

Semana passada, falei brevemente da Histoire de la virilité, três volumes alentados, recém-publicados na França. Mas virilidade é assunto demais para poucas palavras. Como um tiro disparado para o alto, a palavra desperta ecos e considerações; inquieta, pede respostas. Afinal, o que é um homem?

Não é mais o que era, dizem os especialistas. Nem nunca foi exatamente o mesmo. A cada época, um homem. O cavernícola, embora a delicadeza dos desenhos que deixou nas cavernas, era bem diferente do humanista da Renascença. Este, por sua vez, pouco se assemelhou ao cínico libertino do século das luzes, que quase nada tem a ver com o macho derrotado nas trincheiras de Primeira Guerra Mundial.

Historicamente, o homem se definiu em primeiro lugar pelo corpo. Mas o corpo também muda. Houve períodos da história em que o mais importante eram os músculos, e outros em que o espírito foi mais valorizado que os bíceps. Há culturas em que o macho tem que ter peso, massa corporal. E culturas em que, como ao tempo dos menestréis medievais, os mais apreciados são os tipos elásticos e delicados.

O corpo, na verdade, não muda – ou muda muito lentamente através dos séculos. O que muda é o modelo ideal de corpo, aquele que fará sucesso entre todos, e que ficará eternizado nos retratos, nas esculturas, na literatura como se só ele tivesse existido.

Em todos os tempos, porém, a noção de virilidade esteve diretamente ligada ao poder. Se essa necessidade de dominação é componente natural do macho e antecede o nascimento, não se sabe ainda, mas tudo indica que não, ela é implantada aos poucos por meio do convívio e da educação. Noção cruel essa, porque se a virilidade é ligada ao poder e o homem mais viril é aquele que mais manda, onde os outros, os tantos que se submetem ou são obrigados a se submeter, localizam a sua virilidade?

No pênis, certamente. A ereção é uma forma de poder à qual todos os homens têm direito – todos, generalizando. Agora, então, o pênis está em destaque. Só na Renascença, quando os alemães e os ingleses passaram a acolchoar generosamente as braguilhas e a exibi-las bordadas e protuberantes, ele foi tão visível. Os jeans atuais são apertados e desbotados para indicar sua presença, a publicidade de cuecas se esmera na grandiloquência, e o nu frontal no teatro ou no cinema já não surpreende mais ninguém. O pênis poderia ter-se tornado uma banalidade não fosse a chegada do Viagra. As pílulas azuis deram ao símbolo viril por excelência um poder antes impossível: a garantia de sucesso.

“A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão ao combate e ao exercício da violência, é, antes de mais nada, um peso”, disse o sociólogo francês Pierre Bordieu. Um peso de que, pouco a pouco, os homens foram se livrando.

O homem de ontem era aquele que mandava. Mandava nas mulheres, mandava no mundo, mandava na natureza. Durou muito seu exercício de mando, e durante longo tempo foi dado como certo. O novo homem, porém, já recebeu a conta enviada pelas mulheres, está acampado nas praças para desfazer esse mundo controlado pelos poderosos, e sabe que a natureza exige mais respeito e obediência do que abuso.

O homem está à procura de uma nova maneira de ser homem.

Um comentário:

Anônimo disse...

DISCORDO. A questão não é que é o Homem que mudou.. e sim o mundo que mudou... o mundo de hoje é mais difícil de ser vivido. É um mundo que não mais se conquista pela violência e sim pelo PODER DO DINHEIRO. O Homem continua o mesmo.. o que ocorre é uma decadência de valores.. isto sim..