quarta-feira, novembro 16, 2011

A desunião europeia - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 16/11/11

Quando uma família está feliz, todo o mundo se ama, se acaricia e se ajuda. Mas quando o caldo engrossa, cada um se tranca no seu quarto, fala mal de seu primo, cospe no avô e detesta a nora. É preciso crer que a Europa vai muito mal, a julgar pela quantidade de maldades, insultos e palavrões que cruzam as fronteiras hoje em dia.

Tomemos Angela Merkel e Nicolas Sarkozy. Os outros europeus não podem nem vê-los pintados. De Londres a Atenas e a Roma, eles são ridicularizados. Um nome lhes foi atribuído, "Merkozy", dando assim uma identidade a esse indivíduo híbrido, a um só tempo gordo e magro, feminino e masculino, loiro e moreno, alemão e francês, que percorre as cúpulas europeias à toda velocidade distribuindo um tapa num grego, um chute no traseiro de um italiano, um bofetão num britânico. De passagem, essa "criatura" faz picuinha para um espanhol e mostra o dedo médio para um irlandês.

O estranho "golpe de Estado" operado pela dupla franco-alemã que se autodenominou"chefe da Europa" irrita a todo o mundo. E, antes de tudo, as autoridades oficiais da União Europeia (UE). É bem verdade que essas autoridades são lastimáveis. O presidente da Comissão Europeia, o pobre José Manuel Durão Barroso é uma nulidade e, no entanto, passa por gênio quando comparado a seus subordinados.

Os gregos, cujo primeiro-ministro, o bom Papandreou, foi "demitido" sumariamente no G-20 de Cannes por Merkozy, estão carecas de saber que Merkel e Sarkozy telefonam a todo momento para Atenas para distribuir ordens aos responsáveis gregos. O cantor Theodorakis se ergue contra "as forças de ocupação". A igreja ortodoxa fulmina contra o "diktat" franco-alemão. E os "indignados" de Atenas exibem um cartaz: uma cruz gamada formada pelas estrelas da bandeira europeia.

A Itália, colocada "sob tutela" do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE), é atormentada pelos conselhos melosos ou brutais dispensados pelo "duo" Merkozy. A tal ponto que alguns italianos recriminam Sarkozy e Merkel por terem chutado Berlusconi, o que permitiu que esse último, desprezado tanto por suas fantasias sexuais como por sua irresponsabilidade, reencontrasse uma popularidade inesperada.

O mais espantoso é ver a Grã-Bretanha se juntar ao front "anti-Merkozy". Defendendo uma UE talhada sobre o modelo não de um bloco (federal ou confederado), mas de uma rede flexível e distendida, a equipe do conservador David Cameron continua europeia, mas cada vez mais vulnerável às teses dos eurocéticos tão difundidas na Grã-Bretanha.

Das duas metades de Merkozy, é a metade francesa que mais irrita. Primeiro, Sarkozy, por sua arrogância, suas banalidades, sua irritabilidade, suas inconstâncias, é cada vez mais rebarbativo. Merkel, ao contrário, continua muito respeitada. E, sobretudo, ela está à frente de um país que avança. Ela tem o direito de falar, portanto, e, de mais a mais, não é afligida por uma perpétua "dança de São Guido".

Sarkozy comanda um navio, a França, que não sabe mais o que faz e cujas velas estão em frangalhos. Exasperado com o distribuidor de conselhos francês, o ministro britânico das Finanças, George Osborne, denunciou "o problema francês". Ele comparou a França à Grécia, Itália e Portugal. Osborne deu-se o prazer delicioso de dar à França o conselho de tomar medidas para restabelecer a economia francesa.

A flecha é assassina. Ataca o verdadeiro problema de Sarkozy: estar ao volante de um carro que se arrasta distribuindo conselhos aos carros que o ultrapassam. A França está ameaçada de se ver privada, dentro de alguns dias, de seu "triplo A" pelas agências de classificação de crédito Moody's ou Standard & Poor's, o que Sarkozy descrevia alguns dias atrás como um desastre. À espera desse prazo, Paris continua a repreender os maus alunos europeus e a pô-los de castigo - aguardando sua vez de ser posta no castigo. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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