quarta-feira, novembro 16, 2011

Braços da corrupção - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO 16/11/11

As organizações não governamentais surgiram como importante instrumento de ajuda à sociedade na implementação de políticas públicas. Livres de amarras burocráticas, elas podem atuar com mais eficiência e rapidez, com um dinamismo que falta ao Estado paquidérmico. O pressuposto de não ter ligação orgânica com o poder estabelecido, de modo a preservar a liberdade de ação e, por decorrência, os interesses dos cidadãos, tem guiado a atuação das ONGs sérias. Não poucas apresentam irretocável folha de serviços na luta contra a corrupção, na cobrança de políticas públicas que atendam a população, na fiscalização do exercício de mandatos eletivos, na melhoria da execução de programas governamentais etc.

Infelizmente, o país tem sido vítima de uma inversão desse princípio nas relações entre ONGs e governos. De organismos não governamentais, logo, desvinculadas de execuções orçamentárias oficiais, entidades se transformaram em vorazes canais de transferência ilegal de dinheiro público para bolsos privados. De tal modo que o que seria uma contradição em termos - o financiamento estatal de órgãos que, por princípio, deveriam guardar independência do braço financeiro do poder - acabou por se tornar, no lulopetismo, veículo preferencial para a prática de "malfeitos" administrativos.

A recente descoberta de contratos suspeitos e de relações perigosas (para o Erário) entre ONGs companheiras e o Ministério do Trabalho é nova fonte de evidências de que o repasse de dinheiro fácil e sem controle a entidades virou prática de governo. Comprovam isso episódios anteriores, e semelhantes, que, vindos a público, custaram os cargos aos titulares da Agricultura, do Turismo e dos Esportes.

A rota que o dinheiro do contribuinte seguiu nesses episódios (e em outros anteriores ao governo Dilma, na administração Lula, quando esta prática deletéria foi disseminada) tomou atalhos não muito distintos. Todos, invariavelmente, conduziram a contas bancárias de entidades controladas por pessoas com bom trânsito em Brasília. Em 2008, denúncias de que a Universidade de Brasília canalizava recursos para ONGs suspeitas tiveram força suficiente para influenciar na queda do então reitor. No ano seguinte, verbas repassadas a uma ONG reforçaram um esquema de favorecimento do MST, braço rural de inconfundível apoio ao PT. Pedro Novais foi abatido em voo pelo escândalo do financiamento de entidades piratas do Amapá com dinheiro do Ministério do Turismo. O ex-policial João Dias, ele mesmo beneficiário (por um duto que passava por duas organizações não governamentais que controla) de repasses do Ministério do Esporte, municiou a artilharia que derrubou Orlando Silva, do PCdoB. Por sua vez, o ministro pedetista Carlos Lupi entrou na linha de tiro por conta de movimentos financeiros heterodoxos dentro de sua Pasta.

Resta discutir o futuro das ONGs nas relações com o poder. Não se pode condenar, a princípio, a atuação dessas entidades. Depuradas de sua banda podre, elas continuam importantes forças auxiliares de ações em favor da sociedade. Compete ao poder público estabelecer critérios claros de colaboração e criar canais eficazes de fiscalização dos grupos beneficiados com dinheiro público. São pressupostos que, como se tem visto, têm passado ao largo do receituário administrativo de Brasília e de governos regionais que seguem a mesma cartilha.

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