segunda-feira, setembro 26, 2011

A Sibéria de Heloísa Helena - REVISTA ÉPOCA


A Sibéria de Heloísa Helena 
 REVISTA ÉPOCA

Ela fica em Maceió. É lá, como simples vereadora, que a ex-senadora amarga o isolamento depois de ter tido 6,6 milhões de votos para a Presidência, em 2006

Angela Pinho

Há cinco anos, Heloísa Helena era uma das principais personagens da política nacional. Depois de ser expulsa do PT em 2003 por votar diversas vezes contra a orientação do governo no Senado, tornou-se candidata à Presidência da República pelo PSOL, partido do qual é fundadora, e conseguiu quase 7 milhões de votos, atrás apenas do então presidente, Lula, e do tucano Geraldo Alckmin. Em 2006, Heloísa conseguiu reunir eleitores à esquerda e à direita que se identificaram com a pregação intransigente da ética contra o "balcão de negócios" do poder.

Agora, a alagoana vive uma situação oposta. No ano passado, ela perdeu a eleição para o Senado após uma campanha agressiva dos adversários. Teve quase a metade dos votos do segundo colocado, o peemedebista Renan Calheiros, que havia passado boa parte dos últimos anos se defendendo de denúncias de corrupção. Voz dissonante em seu partido, foi derrotada pelo grupo que, internamente, apoiava a candidatura de Plínio de Arruda Sampaio para presidente. Depois de deixar a presidência do PSOL, restou a Heloísa Helena a vaga de vereadora em Maceió, que chegou a ser ameaçada por um processo de cassação. Em 2008, ela foi eleita com a maior votação da história da cidade. Arrastou consigo outro candidato do PSOL que havia recebido apenas 453 votos. Mas esse é outro motivo de decepção para Heloísa Helena. Ameaçado de expulsão do PSOL, esse vereador migrou para o PT.

Na esquerda, alguns brincam dizendo que a capital alagoana virou a Sibéria de Heloísa Helena. Sibéria é a região mais fria e distante da Rússia, local para onde eram enviados os adversários do ditador Josef Stalin. Hoje, Heloísa alterna a política e a vida acadêmica. É professora de enfermagem da Universidade Federal de Alagoas e está fazendo uma pesquisa sobre mortalidade de jovens e crianças. Na Câmara, vive o mesmo personagem que, no Senado, a tornou nacionalmente conhecida. A verborragia é igual à dos tempos em que "camarilha do Planalto" e "acordos espúrios" faziam parte de seu vocabulário básico. Sua quase cassação, aliás, foi justamente por isso. Em 2009, ela respondeu a um processo por quebra de decoro depois de chamar a colega Tereza Nelma (PSB) de "porca trapaceira" no plenário. Acabou sendo absolvida.

A denúncia dos maus costumes da política continua a ser a principal bandeira de Heloísa Helena. Logo que chegou à Câmara de Maceió, abriu mão da verba de gabinete e dos assessores a que teria direito. Denunciou uma possível fraude na votação que aumentou o número de vereadores de Maceió de 21 para 33. Internada recentemente por causa de uma mancha no cerebelo, recebeu tratamento em um hospital público. Por convicções pessoais, ela não tem plano de saúde e recusa-se a usar o do Senado. Ao receber alta, deu provas de seu restabelecimento físico com uma brincadeira no Twitter: "Quem sabe eu possa agora dar uns tabefes num malandro da política e acusar o cerebelo lesionado...".

Heloísa Helena também mantém algumas posições conservadoras que lhe desgastaram junto a setores da esquerda. Ela é contra a legalização do aborto e pesquisas com células-tronco embrionárias. "Preocupo-me até com ovo de tartaruga, como não me preocuparia com um ovo humano?", diz, para desespero de alguns colegas do PSOL. Suave quando não está participando de algum embate político, ela não perdeu o contato com alguns de seus antigos colegas de Congresso, como o tucano Arthur Virgílio e o petista Eduardo Suplicy. Atualmente, classifica como "cínica" a ideia de faxina associada às demissões de ministros promovida pela presidente Dilma Rousseff. Para Heloísa, seria apenas uma estratégia de Dilma para "preservar o sistema".

A principal ligação com a política nacional se dá por meio de articulações com Marina Silva (ex-PV), que hoje ocupa o espaço da terceira via que já foi de Heloísa. No ano passado, Heloísa Helena chegou a defender o apoio do PSOL a Marina na eleição presidencial. Plínio de Arruda Sampaio diz que foi uma disputa meramente por espaços no PSOL. "Como uma ecossocialista como a Heloísa Helena poderia fazer aliança com uma ecocapitalista como é a Marina?"

A divergência azedou o clima. Plínio não fez campanha em Alagoas, e Heloísa Helena disse não ter recebido nenhuma ajuda do partido na sua, seja em dinheiro, panfleto ou gasolina. Ela não esconde a mágoa. Quando questionada sobre seu voto no ano passado, responde: "Infelizmente, infelizmente mesmo, votei no candidato do PSOL, por uma questão de responsabilidade partidária". Também amarga é sua conclusão sobre os motivos que a levaram a perder a eleição para o Senado no ano passado. Sua campanha teve muitas dificuldades financeiras, agravadas pelo fato de ela não aceitar doações de empresários. A arrecadação total ficou em R$ 73 mil, em comparação aos R$ 5,4 milhões de Renan e aos R$ 2 milhões de Benedito Lira (PP), o primeiro colocado.

Além disso, ela teve de interromper algumas vezes a campanha para cuidar de parentes com problemas de saúde. Mas o motivo principal de sua derrota, admite, é simples: a maioria da população não quis que ela vencesse. "Perder para duas personalidades conhecidas como parte do processo apodrecido da política foi algo muito triste, mas perder eleições é fato normal na política."

Na disputa pelo Senado, seus adversários também exploraram a mudança do cenário político nacional. Criticar Lula em 2006, logo após a crise do mensalão, rendia votos. Naquele ano, Heloísa se beneficiou disso. Em 2010, porém, rendeu rejeição num Estado como Alagoas. Vídeos com discursos inflamados de Heloísa contra aquele que ela chamava de "majestade barbuda" foram divulgados pelos adversários, enquanto Lula pedia voto para Benedito Lira. Depois da eleição, Lula, vingado, declarou o seguinte em encontro com aliados: "Quero dizer que estou particularmente satisfeito com a derrota da Heloísa Helena. Alagoas para mim foi uma das eleições mais importantes".

Escanteada do cenário político nacional, Heloísa deve seguir o caminho de Marina, que articula um novo partido para se candidatar novamente à Presidência em 2014. Se não aprovar a ideia de apoiar a amiga na convenção nacional do PSOL, que acontecerá em dezembro, a alagoana deverá deixar o partido.

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