quarta-feira, setembro 28, 2011

MARTHA MEDEIROS - Sem explicação


Sem explicação 
MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 28/09/11 

Estive no cais do porto, onde estão algumas exposições da Bienal, e deparei com uma série de instalações artísticas que, sem a ajuda dos mediadores, parecem sem sentido. Algumas funcionam pelo impacto visual, mas o que querem dizer? Se a gente não pergunta para os profissionais que ali estão, instruídos para explicar cada obra, fica-se boiando. O vídeo de um homem andando de bicicleta sob uma esteira rolante, por exemplo. Ele pedala sem sair do lugar. Monótono.

Aí consultamos os monitores e descobrimos a questão filosófica que está por trás, assim como, em outra obra, a razão de tantas formigas circularem entre bandeiras feitas de areia, alterando seu desenho original. Inusitado, apenas.

Mas aí vem a explicação: é uma forma de alertar para a precariedade dos territórios em meio à crise econômica mundial. Incentiva a nos perguntarmos o que é uma nação e como ela se comporta diante das migrações. Hum. Entendi.

Muitas coisas não têm explicação. Aliás, nem precisariam, mas nos sentimos mais seguros quando sabemos o porquê, a razão, o motivo. A coisa gratuita desperta nossa fragilidade, nos coloca em estado de ignorância. Tudo o que não entendemos zomba de nós.

Assim é nas relações amorosas, que pouco se valem da racionalidade, e assim é também o mistério da existência humana, que provoca teorias diversas e nenhuma certeza absoluta. Há muitas coisas que a gente não compreende, mas que continuam existindo à revelia do nosso desconhecimento.

Toda ausência de justificativa provoca uma certa vertigem, e foi essa vertigem que senti ao ler sobre o menino de 10 anos que, depois de balear uma professora, correu para um canto da escola e atirou contra a própria cabeça.

O tiro na professora deve ter sido acidental, um erro no manejo de uma arma que jamais deveria estar em suas mãos, mas atirar contra si próprio tem um propósito – ou deveria ter. Qual? Segundo a família, os amigos, os colegas e a própria professora atingida, o garoto era tranquilo, saudável, sem distúrbios de comportamento. Por que se suicidou?

Provavelmente entrou em pânico com o próprio gesto, temeu ser castigado, ficou com vergonha e atendeu ao impulso de sumir dali, daquele lugar, daquela situação absurda e violenta demais para seus míseros 10 anos. No ápice da tensão, fez o impensado.

Outra explicação? Poderão descobrir um histórico de agressões na família, excesso de jogos de computador inadequados para sua idade, algum transtorno psicológico que nem deu tempo de ser averiguado. Haverão de furungar, de querer saber.

Mas o mais provável é que o pequeno garoto não tivesse como explicar o tiro que havia disparado contra a professora. E, mesmo tão inocente, intuiu: sem explicação, nada se sustenta.

Faltou o mediador.

2 comentários:

Kadica disse...

Desculpe, mas ela troca de arte, pra relações amorosas e o fatídico tiro do aluno, como se fosse de saco pra mala!! E quer ainda que arte seja explicada, sem ter uma mínima cultura e leitura não dá pra perceber o que está ali (por que não existe NADA por trás da arte, rsrsr), um pouco mais de sensibilidade e paciência, um pouco mais de olhar para poder ver...
Kadica

Waldemar Max disse...

Realmente de saco pra mala, a noção de contemporâneo pra ela se resume às notícias baratas e sangrentas de crimes, passionais ou não. Se é que mudar o nome do crime o faz menos crime. Mas a grande função da , acima de tudo, é fazer com que as pessoas parem pra pensar e após isso, talvez comecem a mudar pontos de vista estagnados e preconceituosos, com relação a quase tudo, principalmente sobre a evolução dos conceitos sobre o que é ou não Arte, ou se é isso que importa. Visitem a Bienal e façam os próprios julgamentos.