quarta-feira, setembro 21, 2011

EDITORIAL O ESTADÃO - O nó das escolhas políticas


O nó das escolhas políticas
EDITORIAL 
O ESTADÃO - 21/09/11


Não podem ser subestimadas as dificuldades de toda natureza que a presidente Dilma Rousseff tem para conviver com, e administrar, o arranjo político-partidário que dá sustentação parlamentar a seu governo. Mas gradativamente se acentua a impressão de que ela poderia - na verdade, deveria - fazer mais para impedir que a face perversa da "governabilidade" comprometa tanto a moralidade quanto a eficácia de sua administração. Na semana passada, durante a posse do novo ministro do Turismo, com a evidente intenção de fazer um afago no PMDB, que acumulou muitas contrariedades nos episódios das duas últimas demissões ministeriais, Dilma prestou uma homenagem ao óbvio: "Escolhas políticas não desmerecem nenhum governo". Sob aplausos, ainda se deu ao trabalho de explicar: "É com políticos e com partidos políticos, com técnicos e com especialistas, que se governa um país tão complexo como o Brasil".

Talvez para não melindrar a plateia, Dilma evitou cuidadosamente mencionar outras condições que, em qualquer tempo e lugar, são indispensáveis no perfil de administradores públicos: honestidade e zelo no trato da coisa pública. Pode haver quem diga que a omissão é natural e compreensível, na medida em que honestidade é, mais do que atributo, obrigação. E o mesmo se pode dizer de preparo e aptidão técnica. Ocorre que, por uma série complexa de fatores - inclusive a dificuldade da própria presidente para lidar com a questão -, são alarmantes tanto a falta de honestidade quanto a de competência técnica de pessoas nomeadas para os altos cargos da administração federal.

No que se refere à moralidade, os fatos falam por si. As substituições em cadeia dos ministros da Casa Civil, dos Transportes, da Agricultura e do Turismo foram todas motivadas pela mesma razão: improbidade. Desses ministros mandados para casa, três foram herdados do governo anterior e o quarto era apadrinhado do senador José Sarney, o que dá no mesmo. São nomes que, à exceção de Antonio Palocci, tudo indica não terem sido escolha pessoal da presidente e certamente não eram os de sua preferência. Mas ninguém em Brasília compraria um carro usado de qualquer dos quatro, o que pode significar que, na melhor das hipóteses, Dilma deu chance para o azar. Parece que agora está um pouco mais preocupada com a delicada questão dos antecedentes.

Já no que diz respeito à questão da aptidão técnica, o problema certamente não é menor e tem, no geral, a mesma raiz: o loteamento partidário. O noticiário cotidiano está repleto de exemplos de falhas no planejamento e execução de obras públicas - exemplos gritantes, para mencionar apenas os relacionados com a Copa de 2014 e a Olimpíada - que traem o despreparo e a incompetência de seus gestores. É claro que em muitos casos a corrupção responde solidariamente pelos trambiques, mas o desempenho das muitas pessoas, de todos os escalões, até mesmo as honestas, que estão nos cargos exclusivamente por indicação política é talvez a principal razão do mau funcionamento da máquina governamental.

Na edição do Estado da última segunda-feira (19), matéria do repórter Roldão Arruda revela um exemplo escandaloso de notória incompetência para o desempenho, não de uma função subalterna qualquer da administração federal, mas no posto de ministro de Estado. Nomeado para preencher cota de cargos loteados entre as várias tendências do PT, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, está praticamente alijado das decisões relativas a sua área porque "não é do ramo". As questões políticas da reforma agrária e dos assentamentos de terra são tratadas pelo secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. As de caráter técnico são entregues ao presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Celso Lisboa Lacerda. Em recente reunião de ministros com a presidente no Palácio do Planalto, Florence teve uma intervenção interrompida por Dilma, porque os dados que estava expondo não coincidiam com aqueles de que a Presidência dispunha.

Escolhas políticas, tudo bem. Mas por que não de gente honesta e competente?

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