sábado, agosto 06, 2011

ZUENIR VENTURA - O direito à preguiça


O direito à preguiça 
ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 06/08/11

Desde o início, ela jamais gozou de boa reputação, e a culpa foi do Criador, que deu o exemplo. Se em vez de trabalhar seis dias e descansar apenas um tivesse feito o inverso, a preguiça seria hoje uma virtude e não um pecado tão estigmatizado pela religião e pela economia. No entanto, esse nosso
mundo apressado, de ritmo vertiginoso e estressante está precisando mais de ócio do que de negócio. Ainda mais que, além do descanso, foram banidos da nossa vida pelo celular o silêncio, a meditação e o devaneio. O homem moderno não se suporta mais. Ele tem sempre que estar ocupado, falando com alguém — na rua, nos restaurantes, na cama e, quando deixam, no cinema e no teatro. Até no banheiro, que era o único lugar onde ele ia sozinho, vai agora acompanhado do inseparável "telemóvel", como é chamado com mais propriedade em Portugal.

Pensando nisso é que Adauto Novaes organizou mais um de seus inteligentes ciclos temáticos, "Elogio à preguiça" (do próximo dia 11 a 27 de outubro, no Rio, BH, SP e Brasília). Uma síntese das conferências foi publicada num livro-catálogo, reunindo os cerca de 20 autores — sociólogos, filósofos, professores, críticos — que fazem uma erudita e agradável viagem pelo tema, vindo da reflexão filosófica até os boêmios e malandros cantados pelo cancioneiro popular. É uma apologia, mas não irrestrita. Como diz um deles, "um idiota preguiçoso permanece idiota". Mas não é deste que se trata, e sim dos que usam o ócio com inteligência, como fonte de lazer, criação e prazer lúdico, a exemplo dos gregos antigos que, em vez de ralar, privilegiavam os jogos e o culto do corpo. Ou como Rousseau, que dizia: "Nada fazer é a mais forte das paixões."

A preguiça é exaltada também politicamente por valores positivos como a atitude de resistência à exploração do trabalho excessivo e como oposição ao progresso técnico a qualquer custo, o que, para alguns, é "o começo do fim da humanidade". Em suma, o trabalho é uma necessidade produtiva que beneficia o capital, mas que sem moderação faz mal à saúde e cansa. Fiquei com preguiça de ler todos os ensaios, como devia, mas os que li me foram suficientes para recomendar o livro e o ciclo, fazendo minhas as palavras do grande preguiçoso Rubem Braga: "A gente não tem que fazer tudo o que a gente tem que fazer."

Antes, para desdizer o que se disse, alegava- se distorção. "Minhas palavras foram distorcidas." Agora, quando alguém se arrepende do texto, usa o contexto. "Tiraram do contexto", dizem o político que fez uma declaração inconveniente ou a cantora que afirmou: "É possível ter prazer anal." Neste caso, não vou discutir o texto porque não entendo do assunto, mas defendo o contexto.

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