terça-feira, agosto 23, 2011

JOSÉ PAULO KUPFER - Ainda sem saída


Ainda sem saída
JOSÉ PAULO KUPFER
O ESTADÃO - 23/08/11

Uma das peculiaridades da crise atual reside na resistência a aceitá-la como um evento com potencial para jogar o mundo num longo período de baixo crescimento e instabilidades - não só econômicas, mas também políticas. Um comportamento de avestruz, que deveria preocupar mais justamente por não ser inédito na história das crises.

Cada mergulho dos mercados amplia a percepção de que este não é um capítulo trivial na rotineira história dos vales e picos que marcam a economia global pós-guerra. Mas, apesar de alguns episódios dramáticos - e da sensação de que vivemos à beira do precipício -, ainda faltam às turbulências recentes a carga demolidora do tipo de colapso que dissolve, instantaneamente, as esperanças de que desta vez será diferente - e menos grave.

As projeções para o crescimento da economia global, em especial no caso de Estados Unidos e União Europeia, têm sido, sistemática e negativamente, atropeladas pela realidade. Ainda sobrevivem, no entanto, expectativas de que, no fim das contas, o diabo que estão pintando não seja tão feio. Menções ao risco de "duplo mergulho" ou de trajetória em "W" são reveladoras da ideia de que a crise de 2008 havia sido superada e agora sobreveio outra - não de que se trataria apenas de um novo capítulo de um sombrio enredo que ainda vai longe.

Fora do pensamento mais convencional, no entanto, as mensagens são bem diversas. Ainda que não chegue a uma depressão clássica, a crise, na visão de economistas de grande prestígio, é profunda e tende a manter as economias maduras em banho-maria por longo período. O medo maior é que, em algum momento, se persistirem os déficits e as dívidas públicas, o potencial de aversão ao risco se concretize, atingindo, num efeito dominó, a saúde dos bancos.

A verdade é que a crise atual tanto mais assusta quanto mais as fórmulas para superá-la não pareçam descritas nos livros-texto. Se o tratamento convencional para as crises de dívida e déficits públicos - a contração dos gastos de governo - perdeu força, com a constatação de que mais aprofundaria do que solucionaria o problema, também as saídas heterodoxas conhecidas não estão dando conta do recado.

Em artigo recente, Nouriel Roubini, cujo pessimismo antecedente se revelou realista, observou que todos os coelhos conhecidos para reativar economias já foram tirados da cartola sem resolver os problemas. Estímulos fiscais, taxas de juros próximas de zero, "relaxamentos quantitativos", injeções diretas de liquidez em instituições financeiras promoveram uma recuperação tão rápida quanto inconsistente. O temor do "duplo mergulho" - aquele que parece ser sem ter sido, mas que agora assombra os mercados - é a prova de que todas as medidas heroicas tentadas não passaram de fogo de palha.

Além do esgotamento das receitas conhecidas já aplicadas, que produziram até aqui mais déficits, dívidas, dúvidas e pânicos, há na crise atual elementos políticos e institucionais que complicam tudo e esvaziam a potência das fórmulas conhecidas de saída das crises de superendividamento. A mais clássica delas, a da depreciação cambial, para mover a economia doméstica combalida pelo canal das exportações tem, desta vez, pelo menos dois poderosos limitadores. Um deles é a amarra do câmbio fixo nos países afetados na zona do euro. O outro é a abrangência da crise, que atinge os dois lados do Atlântico, e, portanto, não permite que todos, ao mesmo tempo, se beneficiem das políticas de desvalorização competitiva de moedas. Isso sem considerar as dúvidas sobre a capacidade chinesa de repetir o papel de locomotiva global que o país desempenhou na etapa anterior da crise.

É desse caldo indigesto como salada de pepino à meia-noite que se alimentam propostas antes impensáveis, como a do prestigioso Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do FMI e um dos maiores especialistas em crises financeiras. Em resumo grosseiro, mas fiel, para Rogoff, a saída da crise, que reflete um episódio de grande contração econômica, exigirá a produção de um certo nível de inflação, expressa em medidas fiscais e monetárias expansionistas. Pode ser que o processo leve a isso, mas como decisão de governos, já afogados em dívidas e déficits, parece tão inviável em termos políticos como a proposta do Nobel Joseph Stiglitz, que recomenda, principalmente para os EUA, uma rápida, ampla e francamente progressiva reforma tributária.

O pior dessa crise, até agora, é a falta de alternativas indiscutíveis para acabar com ela.

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