sexta-feira, agosto 12, 2011

BARBARA GANCIA - Não adianta chamar a Supernanny

Não adianta chamar a Supernanny
BARBARA GANCIA 
FOLHA DE SP - 12/08/11

Já imaginou se houvesse redes como Facebook e Twitter a serviço dos "hooligans" dos anos 80?


NÃO DEVE SER coincidência os substantivos "bully" e "hooligan" terem adquirido tamanha popularidade na língua inglesa.
Neste ano, a Inglaterra está experimentando um verão particularmente agradável com temperaturas que convidam a ficar fora de casa até mais tarde.
O grito "o Egito é aqui" vai encontrando eco em tudo que é esquina de poeira batida ou esburacada do mundo. Tem sido ouvido de Salamanca a Punta Arenas e a gente vai aplaudindo e sabendo que os benefícios das mudanças que começam a ser colocadas em prática (nesta semana) em Damasco um dia chegarão ao Capão Redondo.
As três pessoas mortas na Inglaterra tentando defender o seu comércio da ação de vândalos nos dão uma pista, porém, de que os distúrbios ocorridos em Londres nos últimos dias têm quase nada das boas intenções do suicídio de um estudante como Jan Palach, o jovem tcheco que se imolou em praça pública em agosto de 1968 para protestar contra a invasão soviética. Mártires, sabe-se, raras vezes carregam no bolso "headphones" da Bose que foram saqueados de lojas.
Eu me pergunto o que teria ocorrido se existissem à disposição dos "hooligans" do futebol inglês dos anos 80 redes sociais como Twitter e Facebook. Em vez de 39 mortos na tragédia de Heysel, na Bélgica, no jogo entre Juventus e Liverpool pela Copa dos Campeões, quantos mais poderiam ter sido emboscados?
No próximo domingo, celebramos o Dia dos Pais e, por algum motivo, talvez por ser o primeiro que irei passar sem o meu, lembrei-me daquele discurso fortíssimo do presidente Obama, em que ele conclamava os negros norte-americanos a assumir a paternidade dos filhos tidos fora do casamento. Talvez a gente consiga começar a entender o problema por aí.
Há um paternalismo enraizado na Grã-Bretanha. Estado, rei, Exército, igreja: tudo é instituição e obediência cega a leis e tradições. O sistema de castas que dividia o Parlamento entre lordes e plebeus servia para reforçar o padrão. Bem, isso veio abaixo.
Hoje, as regras são mais frouxas: o colégio interno que formava a elite inglesa, do tipo de Eton, em que imperava a disciplina, virou coisa de Harry Potter e até a família inglesa agora deu para ser regida pelo afeto. O pai? Ora, ele foi ver se o Mr. Bean está na esquina.
Como pode o homem vestir as calças dentro de casa se, especialmente nos países mais avançados, houve uma androginização de papéis?
Para combater a tal "Melancolia" que Lars von Trier afirma ser o mal do nosso tempo, existem algumas formuletas básicas. O sexo é uma delas, o consumo é outra, manter-se em movimento constante é mais uma. Só que o efeito dessas atividades se extingue com a rapidez da pedra de crack, e o tédio volta na forma de desespero. Negócio então é sair quebrando tudo.
Nós aqui, os sem-saneamento básico, temos dificuldade em entender por que alguém queima o quarteirão em vez de curtir sua "pale ale" no pub em pleno verãozão londrino.
Ora, o indivíduo que não foi exigido na sua formação dificilmente terá conseguido construir o seu desejo. Ele está condenado à insatisfação. Daí a sair pilhando e ateando fogo em nome de um time de futebol, ou por outro motivo irrelevante, é um clique. E nem adianta chamar a Supernanny para resolver a parada, que essa oportunidade se foi. Vamos torcer para o outono chegar logo.

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