sábado, julho 30, 2011

ROBERTA PENNAFORT - Ney Matogrosso a olho nu

Ney Matogrosso a olho nu
ROBERTA PENNAFORT
O Estado de S.Paulo - 30/07/11


Ele faz 70 anos e não quer saber de tributos: quer é cantar, dançar, atuar e dirigir

Quase 40 anos saracoteando nos palcos, e o introspectivo Ney Matogrosso revela: é desses que não suportam Parabéns Pra Você. Sente-se constrangido. Segunda-feira, não vai soprar as 70 velinhas a que tem direito neste aniversário. Vai esperar a sexta-feira, quando recebe para jantar os amigos mais próximos. Só cedeu à festa porque pensou bem e concluiu que a idade - inacreditável - é cabalística (dez vezes o número sete).

Fabio Motta/AE
Fabio Motta/AE
Ney. 'Sou feliz com minha vida'
A carreira de quase 40 anos se mantém no topo, o público o acarinha nos shows e nas ruas do Leblon, a voz está ótima, o manequim, estacionado em 38. Não há crise. "Nos 60 anos, tive uma insegurança idiota em relação a como agir, o que vestir. Depois vi que não mudava nada, porque serei a mesma pessoa até morrer", ele contou, em entrevista em casa, há cinco dias. Nem a perda de cabelo, que o deixa cada vez mais parecido com o avô, assombra Ney, que já teve seus dias de rabo de cavalo. "Entre ficar careca e brocha, é melhor careca..."
O cantor sabia que o gancho da conversa era a data festiva, mas não se incomodou. Já homenagens... "Não gosto, fico com vergonha. Chegaram propostas mirabolantes. Sei que é uma idade que chama a atenção, especialmente porque estou chegando nela muito bem. Desde que você queira, isso é possível: se não fumar, se não comer que nem um animal... Os 70 são os novos 55."
Esta semana, antes de cantar no Festival de Inverno de Bonito, em seu Mato Grosso do Sul natal, que o homenageia nesta 12.ª edição, certificou-se de que não haveria placa comemorativa envolvida. Na abertura, entretanto, teve de subir ao palco com o governador, André Puccinelli, que o festejou: "Agora ele é Ney Mato Grosso do Sul".
Bonito assistiu ao show Beijo Bandido, que vem rodando há dois anos. Ney se surpreende com a longevidade do trabalho, de tom menos exuberante e com repertório que mistura composições de duplas como Herivelto Martins e Marino Pinto (Segredo, sucesso de Dalva de Oliveira de 1947) e Herbert Vianna e Paula Toller (Nada Por Mim, hit de Marina Lima nos anos 80).
Desde 1973, quando os Secos & Molhados chegaram para arrebatar o Brasil, com o disco que tinha Sangue Latino, O Vira e Rosa de Hiroshima, foi um CD por ano. Para o próximo, que será "mais pop", já tem escolhidas músicas de Jards Macalé, Vitor Ramil, Itamar Assumpção e do grupo carioca Tono. Como pensa sempre primeiro no espetáculo, e não no CD, quer chegar a 20 faixas antes de ir a estúdio.
O CD novo deve ficar para 2012, ano de outra efeméride: os 40 anos de vivência artística - iniciada em A Viagem, adaptação para o teatro d"Os Lusíadas. Foi durante a montagem que Ney descobriu que, além da voz rara, de tenor para contralto, e do talento como ator, tinha o pendor para a dança. Tendo "a libido como arma" contra o status quo, viraria figura central do grupo-fenômeno, que duraria só até 1974.
Filmes. A entrada em circuito do filme Luz Nas Trevas - A Volta do Bandido da Luz Vermelha, com roteiro de Rogério Sganzerla e direção de Helena Ignez e Ícaro Martins, também é esperada para 2012. A sequência de O Bandido da Luz Vermelha, com Ney como o mítico criminoso, ganhou prêmio da crítica no Festival de Locarno, ano passado.
Um pouco antes, deve vir a público o documentário Olho Nu, de Joel Pizzini, que revela seu pensamento. O Canal Brasil vai exibir uma série, com caráter mais cronológico. Ney repassou à equipe mais de 600 horas em VHS (já digitalizadas) com programas de TV, clipes, entrevistas, gravações caseiras. A pesquisa durou três anos, e incluiu varredura em arquivos de TVs.
O filme levou Ney de Souza Pereira de volta à sua pequena cidade, Bela Vista. Era para ser um presente de aniversário, mas, para finalizá-lo, falta captar mais recursos.
Uma raridade é uma entrevista rápida de 1984 dada com seu pai, hoje falecido, na saída de um show. Ney não a conhecia e se emocionou. Militar, ele não via com bons olhos o filho quase nu nos palcos. "No começo, não gostava. Não estava acostumado com um homem rebolando. Agora sou o fã número dois; a número um é minha mulher." A mãe, de 89 anos, mora no sítio do cantor, na Região dos Lagos, no Rio, e vem para o jantar dos 70 anos.
O Estado assistiu a um trecho. É saboroso rever o Ney superexótico, maquiando o rosto todo, os figurinos absurdos, o requebrado, a declamação de poesias. Saltam da tela a visão libertária, a coerência, o discurso antirrótulos - ele nunca quis ser estandarte da causa gay, por exemplo. "Brinco que ele deu uma única entrevista a vida inteira", diz Pizzini. "O filme traduz suas personas. É um artista completo. Estou evitando o tom nostálgico. Ney é supervivente."
A faceta diretor de teatro pode ser conferida no Sesc Pinheiros, onde está em cartaz até o fim de agosto Dentro da Noite, monólogo com Marcus Alvisi. 

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