domingo, julho 10, 2011

MARCELO GLEISER - Cientistas contra acusações

Cientistas contra acusações
MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 10/07/11 

Um resultado científico é válido, em uma margem de erro, até que uma nova descoberta científica seja anunciada e bem avaliada


No final de junho, bem antes do dia da independência nos EUA, a Associação Americana para o Avanço da Ciência, organização semelhante à nossa SBPC, circulou um manifesto contra os ataques que vários cientistas que pesquisam a questão do aquecimento global têm recebido, alguns até incluindo ameaças de morte.

O manifesto, que toca na liberdade acadêmica e na relação entre a pesquisa científica e o desenvolvimento de políticas governamentais, é uma análise lúcida e direta de como funciona a ciência e do que necessita para ser bem sucedida:
"A ciência avança por meio de um sistema em que resultados são divididos e avaliados criticamente por outros cientistas, e experimentos são repetidos quando necessário. Desacordos sobre a interpretação de dados, de metodologia e de descobertas são parte do discurso diário da ciência. Cientistas não deveriam ser submetidos a investigações de fraude ou serem perseguidos por gerarem resultados controversos. A maioria das desavenças científicas não está relacionada com qualquer tipo de fraude, mas é parte legítima do processo científico."
O conhecimento científico avança, mas não em linha reta. Conforme escrevi na semana passada, o resultado científico, mesmo se correto, é válido apenas em uma margem de erro. Quando uma nova descoberta é anunciada, cabe à comunidade julgar o seu valor. Quanto mais importante a descoberta, mais cuidadosa deve ser esta análise.
A pesquisa climática funciona exatamente assim. Perseguir cientistas como se fossem políticos corruptos é ridículo e inútil. Como nem todo cientista é infalível ou virtuoso (como médico, juiz, jornalista, bombeiro ou professor), o processo científico se protege dessas falhas pessoais: mais cedo ou mais tarde, dados errados ou fraudulentos são descobertos. Erros podem persistir por um tempo, mas não indefinidamente. Essa é a força da ciência.
Portanto, pergunto o que se passa na mente das pessoas que tentam denegrir cientistas que trabalham com mudanças climáticas. Acho que existem várias respostas. Uma delas é a ignorância de como a ciência funciona. Outra, é a manipulação por políticos, por membros da mídia com agendas políticas claras ou pela indústria de combustíveis fósseis, que tratam qualquer evidência sobre aquecimento global como uma ameaça.

A pior parte é que a indústria de petróleo é um dinossauro tecnológico do qual todos nos alimentamos. Mesmo que a exploração de petróleo conte com tecnologia de ponta, historicamente, combustíveis fósseis vêm alimentando o crescimento industrial da humanidade nos últimos 200 anos. Está na hora de criarmos novas alternativas.

Quando penso nos 7 bilhões de pessoas neste planeta, e na iniciativa de encontrar energias alternativas que sejam beneficiais ao planeta e à humanidade, fica difícil entender a resistência de alguns ao aquecimento global.

Mesmo se as previsões climáticas estiverem equivocadas (e não estão), o que temos a perder mudando nossos hábitos para proteger melhor nosso planeta? A Terra existia já bem antes da gente, e vai continuar a existir sem nós. Mas nós não existiremos sem ela.

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