sábado, julho 02, 2011

CLÓVIS ROSSI - Como levar um país ao suicídio

Como levar um país ao suicídio
CLÓVIS ROSSI 
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/07/11

Em vez de tomar decisões que reduzissem a tensão econômica decorrente da crise , o governo grego resolveu dobrar a aposta


ATENAS - O ministro grego da Saúde, Andreas Loverdos, deixou escapar na sessão do Parlamento em que se discutia o segundo -e brutal- pacote de ajuste fiscal que o número de suicídios aumentou 40% no país do ano passado para este. Exatamente o período de vigência do primeiro pacote de austeridade.
O ministro não chegou a fazer uma vinculação direta entre a crise e o aumento de suicídios mas estava implícita, na medida em que a pergunta de um deputado independente era precisamente sobre a crescente pressão que a recessão coloca sobre a sociedade.
De resto, outro dado demonstra o aumento do desespero: quadruplicaram as chamadas ao número 1018, de uma organização de suporte a sem-teto e deprimidos.
Diante de evidências tão contundentes, o governo se sensibilizou e resolveu tomar decisões que reduzam a tensão econômica decorrente da crise, certo? Errado. O governo simplesmente dobrou a aposta, ao fazer aprovar um segundo e colossal pacote de austeridade, no valor total de € 78 bilhões, mais ou menos 30% do PIB grego. No Brasil, seriam, portanto, R$ 900 bilhões, pouco mais ou menos.
O que é notável, além do valor em si, é o fato de que liberais e esquerdistas coincidem em que só vai piorar as coisas.
À esquerda, Mark Weisbrot, diretor do Centro para Pesquisa Econômica e Política, dos Estados Unidos, chega a dizer que, "se nossos dirigentes [os norte-americanos] fossem suficientemente idiotas para praticar cortes claros nas despesas públicas e aumentar os impostos em plena recessão, seriam substituídos".
Já a liberal revista "The Economist" prevê desde já o fracasso do novo pacote, porque "vai apertar demais os gregos, com novos impostos, cortes de gastos e um apressado esquema de privatização. E quase certamente condenará a Grécia à recessão, a conflitos e a um eventual calote da dívida".
Outro que prevê o fracasso do plano é David Rothkopf, pesquisador visitante do centro Carnegie para a Paz Internacional, que aponta 15 razões para sua previsão, uma delas com o dedo na direção do sistema financeiro: os planos de ajuda à Grécia (e a outros países encalacrados) "não enfrentam as falhas sistêmicas que permitiram a grandes instituições financeiras estimularem a prodigalidade enquanto fecham os olhos à verdadeira credibilidade creditícia de seus clientes, põem no bolso os cheques das comissões e depois trabalham para fazer dinheiro com a confusão que ajudaram a criar".
Vale para a Grécia, vale para o mundo: o recente relatório anual do BIS (Banco de Compensações Internacionais, uma espécie de banco central dos bancos centrais) demonstra que não foi resolvido nenhum dos problemas que contribuíram para a crise financeira de 2008/2009, entre eles o tamanho superdimensionado do setor financeiro, aliás ainda substancialmente desregulado.
Comentário lateral do "Financial Times", "embora o BIS não o diga, o sistema financeiro global bem pode estar em seu estado mais precário desde os anos 30".
Mais suicídios à vista, enquanto os agentes financeiros "põem no bolso os cheques"?

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