terça-feira, julho 12, 2011

ARNALDO JABOR - Queremos ser modernos ou eternos?

Queremos ser modernos ou eternos?
ARNALDO JABOR
O ESTADÃO - 12/07/11

Ando com fome de "universais". A frase é ridícula, mas ando mesmo. Não estou aguentando mais a celebração dos fragmentos, das irrelevâncias como portas da percepção para novas visões de mundo. Quero "sínteses", sim, caminhos mais claros a seguir sobre o Brasil como nos bons e velhos tempos. Ouço neste momento jovens filhos da web, os hackers da arte rindo de mim. Danem-se, twitteiros... Por isso, lembro a frase de Drummond: "cansei de ser moderno, quero ser eterno..." ("frase manjada", dirão meus inimigos...); tudo bem, mas eu quero o manjado, o óbvio, eu quero a volta do tempo em que alguma "síntese", mesmo ilusória, nos era oferecida.

No cinema então, não aguento mais ver a gostosa adesão de tantos filmes brasileiros a fórmulas cada vez mais escrotas do cinema norte-americano atual, feito de 3D, porrada, vampiros, comediazinhas românticas de bosta, tudo sempre com orquestras tocando plágios de Stravinsky e outros (quem diria, hein? Beethoven só serve hoje para musicar os "Transformers").

Falo isso porque, ontem, eu revi uma obra-prima: "Written in the Wind" (Palavras ao Vento), do Douglas Sirk, um filme de 1955 com Rock Hudson, Laureen Bacal e Dorothy Malone. Genial. E aí dá para ver como os filmes "comerciais" antigos eram muito melhores que essas bostas de hoje, pelas quais o público pós-utópico baba... "Palavras ao Vento" foi feito com o exclusivo desejo de faturar uma grana, como "Cantando na Chuva" ou "Sunset Boulevard" e tantas obras geniais.

Hoje é essa merda que está contaminando o cinema brasileiro e dividindo-o em blockbusters filhos da última safra norte-americana e em filmes que jamais serão vistos, com cineastas se enganando em pequenos festivais, na ilusão digital de que serão vistos para sempre na web - a nova forma de viver numa sociedade sem carne nem osso. Na maioria dos filmes norte-americanos de hoje, os produtores nem se preocupam mais com o babaca do diretor e não deixam sobrar nem um leve resquício de arte a invadir seus diagramas para faturar. O negócio é que minha geração sonhava com respostas para o mundo e não pode se contentar com mixarias, pequenos tweets, piadinhas inúteis e filminhos sem talento só porque estão na rede e são os arautos de um novo tempo de irrelevâncias.

Alguns intelectuais, com pânico de envelhecer, estão zelosamente garimpando besteiras e "faits divers" da cultura internacional pop, na esperança secreta de que elas encerrem uma "grande narrativa", uma revelação ainda oculta, ainda se formando de fragmentos. Talvez, talvez... mas, tenho saudades, sim, da esperança de sentido.

Por isso, me lembrei do Cinema Novo e de Glauber Rocha, que hoje não é sequer entendido por "descoladinhos", que acham a ignorância uma nova forma de ver o mundo. Lembro-me da primeira vez que vi "Deus e o Diabo na Terra do Sol", que fascinou até Buñuel e Visconti...

Às 8h30 da noite de 16 de março de 1964, eu não sabia que minha vida ia mudar. Às 9h, ia passar, pela primeira vez, o filme de Glauber. E estava ali no cinema Ópera, em Botafogo. A esquerda estava toda eufórica, achando que o socialismo ia vencer; isso, a 15 dias de sua grande derrota, com o golpe de 1964. Todos nos achávamos o "sal da terra" que venceria em breve nossa revolução imaginária. Claro que fomos esbofeteados pela verdade de uma sociedade reacionária que virou nosso sonho um pesadelo por 21 anos.

No entanto, houve, sim, uma revolução vencida ali, no cinema. Na época, as manifestações culturais importantes mexiam com nossas vidas. A cultura mudava qualitativamente e não era apenas esse labirinto de informações inúteis de hoje. "Deus e o Diabo" ficou e deu filhos como o tropicalismo, por exemplo, e dezenas de obras nossas no cinema.

Aí, o filme começou. Um plano aéreo muito alto do sertão de Cocorobó, com música de Villa Lobos. Corte súbito para um superclose do olho morto de boi, roído de sol. Nossos olhos eram feridos por imagens absolutamente novas. Não era apenas um bom filme que víamos; era um país que nascia à nossa frente. Era uma realidade já lida no "Os Sertões", em Graciliano, em Rosa, mas que, no olho, era a primeira vez.

Nosso vocabulário visual foi aprofundado nessa época: a lama, a fome, a favela, os presépios de miséria, a estupidez da classe média.

A realidade nos via. Ela nos incluía, éramos descobertos por esse mundo de secura e violência que aparecia na tela. A partir daquela noite, nós éramos personagens também de um Brasil que não estava "fora" de nós. Assim como em "Os Sertões", os miseráveis eram colocados pela primeira vez como sujeitos em nossa história; em "Deus e o Diabo", o herói era um pobre miserável e o matador não era um óbvio vilão. Bons e maus andavam num deserto metafísico, shakespeariano, em plena caatinga.

Quem partira para fazer filmes neorrealistas foi atingido pelo raio de um cinema épico. As personagens se contorciam numa danação de heróis e vítimas em uma complexidade que não conhecíamos ainda.

Nem sabíamos que essa ignorância seria a causa principal de nosso fracasso de 1º de abril de 1964. O Brasil, que analisávamos com linearidade óbvia duas horas antes, tinha virado um vórtice, um redemoinho com Deus e o diabo misturados.

Glauber fez a primeira crítica importante do pensamento fracassado da velha esquerda e por isso foi massacrado mais tarde, quando imaginou, desesperado, uma reviravolta progressista de alguns militares ligados a Golbery.

Depois, veio 1964, veio 1968, veio a luta suicida. Três anos depois, em "Terra em Transe", ele ataca a burrice dessas mesmas esquerdas. Passaram muitas ilusões, mas "Deus e o Diabo" não era ilusão. Aquela ficção era a realidade. Sérgio Augusto, na época, lembro-me, disse que precisávamos de algo que trouxesse de volta a ideia de "grandeza". Hoje, precisamos disso mesmo: de "grandeza" e de um novo filme como "Deus e o Diabo na Terra do Sol".

Aluguem em vídeo e vejam o que deveria ser o futuro de nosso cinema.

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