sábado, junho 25, 2011

RUTH DE AQUINO - A ousadia do moleque

A ousadia do moleque
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Época
RUTH DE AQUINO é colunista de ÉPOCA
raquino@edglobo.com.br
Lindoooo. Mlk, arrebentaaaa. Na linguagem dos fãs no Twitter, estamos falando do “muleke” Neymar. O moicano de 19 anos que bordou nas chuteiras seu lema: ousadia num pé, alegria no outro. Com seus dribles de gênio e saltos de bailarino, esse menino de Mogi das Cruzes libertou no campo o orgulho brasileiro, contra os perdidos uruguaios. “Tu, em campo, parecias tantos, e, no entanto, que encanto! Eras um só.” Os versos são de Armando Nogueira, dedicados a Nilton Santos. Vale roubar a rima nesta semana de poesia, porque Neymar também tem Santos no sobrenome.
Neymar é “da Silva Santos” e por isso levará o nome do clube de batismo para onde for, na certidão e no passaporte. Mesmo quando for sequestrado pelos bárbaros do Norte. É Neymar da Silva Santos Júnior, mas o chamam de rei da América e do mundo. “E as palavras, eu que vivo delas, onde estão?”, perguntou Armando Nogueira ao descrever o transe da multidão em torno de Tostão, no fim da Copa de 1970. Onde estão as palavras para descrever a saudade antecipada desse garoto que reinventa o chute, desvia o trajeto lógico da bola e faz um gol tão seco e desconcertante que o goleiro do Peñarol se pergunta se seu reflexo falhou? Porque o Sosa ainda esbarrou na bola. Mas ela serpenteou com veneno divino para o canto do gol até beijar a rede por dentro.
“Estando alegre, as coisas acontecem naturalmente. Ainda mais sendo ousado, partindo para cima do adversário. Foi isso o que o nosso time fez.” Neymar disse isso em abril, quando o Santos venceu o São Paulo. Naquele jogo, não fez gols, mas ajudou Elano e Ganso a marcar. “O entrosamento é tudo. Só de olhar, já sabia onde o Ganso estava.” Agora, na final da Libertadores, no Pacaembu, os amigos deram o troco. Ganso recebeu a bola de Arouca e devolveu de letra. O volante Arouca esticou para Neymar à esquerda. O camisa 11 tinha tantas opções na cartilha dos treinadores. Poderia avançar mais em direção ao gol. Ou enfeitar. Mas, naquela fração de segundo em que o craque não pensa, só mira, ele surpreendeu a Muricy e a todos com o chute rasteiro, preciso e rápido.
Com dribles de gênio e saltos de bailarino, Neymar deu um show no campo. Dá para ele continuar como é?
Quase fez mais um, no finalzinho, aos 45, mas uma trave caprichosa tirou dele o título de artilheiro da Libertadores. Deu show para as câmeras e a torcida. Corria meio parabólico, ria, espichava os cabelos. Sem camisa, abaixou o calção e quase tirou a cueca junto. O corpo é esguio, 64 quilos em 1,74 metro, ainda não foi bombado pelo futebol europeu para aguentar o tranco de zagueiros altos. E Neymar se ajoelhou. Chorou aos soluços como só menino chora. Para ser beijado, consolado, mimado pelos adultos. Viajou no dia seguinte com estilo pop. Blazer, boné, calça justinha, brincos em profusão. “A cabeça ainda está um pouco confusa, mas é só felicidade. Já troquei o chip e agora o pensamento é só na Seleção.”
As chuteiras de Neymar não são da humildade. Mas da petulância que deixa irados os adversários com a ingrata missão de marcar seus passos no gramado. Ele foi o atleta que mais driblou e mais sofreu faltas na Libertadores.
Ah, Neymar. Não dá para pedir que você continue como é. Podemos evitar o exílio precoce? Os urubus milionários que falam estrangeiro abriram as portas para você. Os galácticos espanhóis pagam sua multa de € 45 milhões e muito mais. Mas a gente quer que você e Ganso derrotem o Barça de Messi & Cia. no Mundial dos Clubes em dezembro. A gente quer ver você por aqui até a próxima Copa. Não dá para esperar que você se comporte como Nilton Santos, que vestiu por 16 anos a camisa do Botafogo e foi eleito em 1998 para a Seleção do século por jornalistas do mundo inteiro. O mundo é outro.
Mas dá para esperar que você não seja vaiado por se fazer de morto no campo? Que você não inche seus músculos naturais, não engorde com bebida, não se renda ao apelo do cai-cai, não fique acomodado nem marrento com a fama, não vire escravo das baladas e boladas – e não se esqueça da ousadia e alegria? É pedir muito a um moleque que vai ser pai antes dos 20 anos e tem o mundo a seus pés?

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