segunda-feira, maio 02, 2011

RICARDO MENDONÇA - Três anos para sair da lama



Três anos para sair da lama

RICARDO MENDONÇA

Revista Época - 02/05/2011

O governo resolveu abrir as obras de aeroportos para a iniciativa privada. Mas demorou tanto que a medida poderá não surtir efeito até a Copa de 2014

A história da construção do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, município a 40 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, simboliza bem o estado atual da política aeroportuária brasileira. As ideias para o local, formuladas há cerca de 15 anos, são grandiosas. Planeja-se um complexo de cargas e passageiros capaz de suportar 11,4 milhões de pessoas por ano, o que o colocaria, hoje, como o quarto maior aeroporto do Brasil, atrás apenas de Guarulhos, Galeão e Congonhas. Em fevereiro de 2008, o governo encaminhou a operação para o Programa Nacional de Desestatização. Era a formalização da promessa de ter em Amarante o primeiro terminal brasileiro administradto pela iniciativa privada. Até hoje, porém, tudo o que há no local é o asfalto das pistas de pouso e decolagem colocado pelo Exército, conforme a foto ao lado, feita na semana passada.

Enquanto as minutas de editais eram submetidas a diversas consultas públicas e análises técnicas, nem as vias de acesso à região foram providenciadas. A estrada ainda é de terra. Também não há notícia de empresa privada interessada em explorá-lo. Especula-se que nesta semana, finalmente, saia o edital definitivo com as regras da concessão. A empresa vencedora terá três anos para concluir as obras, em troca de 25 anos de direito de exploração. Na melhor das hipóteses, o terminal de Amarante começará a operar poucos dias antes do início da Copa de 2014. Um sufoco.

Na semana passada, durante uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, anunciou que o governo também pretende entregar à iniciativa privada as obras de ampliação e reforma de três dos mais importantes aeroportos do país: Guarulhos, Brasília e Campinas. Em troca, as empresas poderão explorar, por tempo determinado, os terminais ampliados. Mais duas concessões em estudo deverão ser anunciadas em breve: Galeão e Confins, em Minas Gerais. A ideia de abrir o setor aéreo para a iniciativa privada era discutida há tempos dentro do governo federal. Mas não foi levada adiante pela gestão do ex-presidente Lula por razões que misturam interesses eleitoreiros (a iniciativa poderia enfraquecer a estratégia petista de tachar o adversário tucano de privatista durante a campanha presidencial de 2010), reações corporativas (a falta de vontade da Infraero, a estatal responsável pela administração dos aeroportos, em ceder espaço) e resistências ideológicas de setores do governo, do PT e das Forças Armadas que adotam o discurso nacional estatista.

A medida de entregar à iniciativa privada as obras de ampliação e reforma dos aeroportos demorou tanto que não há nenhuma garantia de que ela vá surtir efeito até a Copa do Mundo de 2014, apesar do otimismo propalado pelo ministro Palocci, que prometeu os primeiros editais de concessão para maio. Nos próximos meses, o governo deverá tomar outra medida de impacto para o setor: a abertura de capital da Infraero, constantemente acusada de irregularidades, ineficiência e empreguismo. O ato, defendido pela presidente Dilma Rousseff desde a campanha de 2010, não chegou a ser mencionado por Palocci, mas é aguardado com ansiedade pelo mercado.

O anúncio das três primeiras concessões parciais, bem recebido por técnicos e especialistas do setor, foi uma resposta política do governo ao aumento de uma inquietação: há muito tempo os aeroportos brasileiros não atendem ao crescimento da demanda. Desde 2003, o movimento de passageiros no país cresce 10,2% ao ano, em média. É um índice bem maior que o da infraestrutura aeroportuária, a cargo da Infraero. Os resultados são salas cada vez mais lotadas, atrasos, desconforto, desperdícios e perda de eficiência. O símbolo dessa situação de saturação foi o apagão aéreo de outubro de 2006, série de colapsos que resultou na paralisação dos principais aeroportos do país. A situação atual não é muito mais confortável. No ano passado, 14 dos 20 maiores terminais de passageiros do país operaram acima do limite.

Causou especial embaraço dentro do governo um estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que deixa explícita a dimensão dessa precariedade. De olho na Copa, o governo já havia assegurado à Infraero a disponibilidade de R$ 5,6 bilhões para investimentos em 13 aeroportos estratégicos do país até 2014. Esse montante é três vezes superior à média de investimento em aeroportos observada no período 2003-2010. O trabalho do Ipea mostrou que nem o improvável cumprimento integral desse turbinado plano de investimento seria suficiente para aliviar a situação dos aeroportos brasileiros até 2014. No atual ritmo de crescimento da demanda, o Brasil chegaria à Copa com nove dos 13 aeroportos já saturados.

O cenário descrito acima é o mais otimista. Os pesquisadores Carlos Campos Neto e Frederico de Souza também calcularam os tempos médios para elaboração de projetos de infraestrutura (12 meses), obtenção de licenças (38 meses), licitação (seis meses) e execução de obras (36 meses). Compararam esses dados com os atuais estágios de intervenção nos 13 aeroportos prioritários. Eis a conclusão “alarmante”, conforme a expressão dos próprios pesquisadores: “Se tudo ocorrer dentro dos prazos vigentes no país, nove aeroportos não terão condições de finalizar seus empreendimentos a tempo de receber o evento”.

O estudo do Ipea desconsidera eventuais interrupções de obras por suspeita de irregularidades, situação que, no Brasil, jamais poderia ser classificada como incomum. Hoje, dois importantes aeroportos vivem problemas dessa natureza. Em Vitória, as obras iniciadas em 2005 foram interrompidas em junho de 2008 depois que o Tribunal de Contas da União constatou irregularidades. Tudo permanece parado até hoje. Em Goiânia, as reformas estão congeladas desde 2007, quando se constataram projeto básico deficiente, sobrepreço acima de R$ 70 milhões e falta de projeto de engenharia atualizado. Até hoje o consórcio e a Infraero brigam na Justiça. Não é por acaso que Vitória e Goiânia lideram o ranking nacional de estrangulamento aeroportuário (leia na tabela abaixo). A Infraero diz que fez uma atualização da metodologia para calcular a capacidade dos aeroportos e trabalha com números menos alarmantes.

Apesar de várias construtoras e grupos internacionais terem manifestado interesse nas concessões parciais anunciadas por Palocci, as condições básicas para as operações privadas ainda não são conhecidas. Os investimentos privados substituirão ou se somarão aos investimentos públicos já anunciados? As empresas precisarão fazer investimentos em aeroportos menos rentáveis? Companhias aéreas poderão participar das licitações? Em que proporção? Quais serão os prazos de concessão?

A própria Casa Civil talvez não tenha respostas imediatas para boa parte desses questionamentos. Uma hora antes de falar na reunião do Conselhão, na terça-feira 26, o tema concessão de aeroporto nem sequer estava previsto para entrar no discurso de Palocci. Dilma mandou que ele fizesse o anúncio apenas meia hora antes do início de sua fala. Segundo integrantes do governo, o objetivo da presidente, nesse momento, era mais político do que técnico: demonstrar o senso de urgência e preocupação com o tema.

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