sábado, abril 30, 2011

RUY CASTRO - Lábios trêmulos


 Lábios trêmulos

RUY CASTRO 

FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/11

RIO DE JANEIRO - Não me dispus a madrugar para assistir ao casamento de William e Kate, ontem, em Londres, pela TV. Mas, pelo resto do dia, nas vezes em que dei uma espiada nas imagens, fiquei de olho na multidão. Pois não vi um único inglês com o "stiff upper lip" que, diz-se, é uma característica deles.
"Stiff upper lip", ou lábio superior firme, rígido, inflexível, é como os próprios ingleses descrevem o seu estoicismo diante da adversidade, a atitude imperturbável no trato das emoções, boas ou ruins. Não fica bem para um inglês ser visto, por exemplo, rindo à toa -a etiqueta recomenda um discreto pigarro antes do riso e, este, só se inevitável. Não por acaso, o humor inglês é tão refinado que, em vez de espocar em gargalhadas, provoca apenas uma leve alteração, um tremor quase imperceptível, no lábio do sujeito. Mas sempre o lábio inferior. O superior, jamais.
Bem, isso é o que os ingleses dizem de si mesmos, e bem que eles gostariam. Mas qualquer pessoa que já tenha passado algumas horas num botequim assistindo a um jogo da Inglaterra numa Copa do Mundo, ao lado de um inglês enrolado em sua bandeira e usando aquele chapéu de chifre, sabe que o "stiff upper lip" é uma lenda.
Os ingleses são impossíveis, principalmente na rua e em turma. Falam alto, mexem com as moças que passam por eles, fazem xixi na árvore e, depois do 20º caneco de cerveja morna, riem até de gol contra. Como todo mundo. E, quando se enfezam, você sabe o que acontece: os hooligans.
No passado, os ingleses tiveram muitas oportunidades -guerras, pestes, fome- para exercitar o "stiff upper lip". Agora, não. Pelo lábio trêmulo e o ar de esperança em cada rosto na TV, o casamento real parecia o prelúdio de novos tempos de prosperidade num país que, em menos de cem anos, passou de protagonista do mundo a figurante de luxo.

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