sábado, abril 09, 2011

MARCELO ROCHA E DIEGO ESCOSTEGUY - O silêncio dos inocentes


O silêncio dos inocentes
MARCELO ROCHA E DIEGO ESCOSTEGUY
REVISTA ÉPOCA
Como entender a reação do governo Dilma a respeito das revelações do relatório da PF sobre o mensalão

No último sábado, a presidente Dilma Rousseff tirou a noite para ir ao teatro em Brasília. Assistiu ao monólogo A lua vem da Ásia, estrelado pelo ator Chico Diaz e baseado no romance do escritor Walter Campos de Carvalho, de quem a presidente é fã. Diaz incorpora Astrogildo, um louco que delira sobre os crimes que imagina ter feito ou, quem sabe, tenha mesmo chegado a fazer - mas que, sem saber ao certo nem o próprio nome, permanece preso às alucinações e às incertezas de sua mente doentia, metáfora surrealista do mundo contemporâneo que, para muitos, deixou de fazer qualquer sentido. Astrogildo recusa o absurdo do real, refugiando-se no conforto desatinado de sua alma à deriva. Dilma não poderia ter escolhido peça mais adequada para o momento. Com as revelações que vieram à luz na última edição de ÉPOCA, que envolveram um de seus principais ministros e boa parte de seu partido, a presidente viu-se diante de sua primeira crise política. Aparentemente confusa sobre como proceder em face do que aconteceu, ela parecia refugiar-se em seu próprio mundo, como Astrogildo. Escolheu a inação como tática.

A reportagem de ÉPOCA trouxe as provas do relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o caso do mensalão, maior esquema de tráfico de influência e compra de apoio político já descoberto no Brasil. O demolidor documento era mantido até então sob estrito sigilo. Assim que seu teor veio a público, detonou-se em Brasília seu imenso potencial. Ao sair do teatro, Dilma foi questionada por repórteres se comentaria as novidades do relatório. Ela preferiu o silêncio - e deu ordem a seus ministros para que fizessem o mesmo. Ninguém ousou contrariá-la. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, cujo tesoureiro de campanha recebeu R$ 247 mil do valerioduto, mandou avisar que não se pronunciaria até ler o relatório. Nenhuma palavra também do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que já admitiu publicamente a existência do esquema. Cardozo, note-se, é o responsável pela PF. A divulgação do relatório deixou ambos em situação difícil. Pimentel se queimou. Cardozo arcará com os prejuízos causados aos governistas com a publicação do relatório.

Seria mesmo difícil para eles dizer algo sobre o documento da PF. Trata-se de uma peça irrefutável. Ao cabo de seis anos de investigações, o delegado Luís Flávio Zampronha e sua equipe conseguiram produzir provas conclusivas sobre o que restava confirmar acerca do valerioduto petista. A pedido do ministro Joaquim Barbosa, relator do caso no Supremo Tribunal Federal, a equipe de Zampronha vasculhou as dezenas de contas bancárias pelas quais transitou o dinheiro do mensalão e tomou o depoimento de uma centena de testemunhas. Conforme relatou ÉPOCA, esse trabalho permitiu à PF corroborar tanto as apurações da CPI que investigou o escândalo quanto as investigações do Ministério Público Federal - além, é claro, das revelações publicadas pela imprensa no decorrer dos últimos anos. O relatório narra como os R$ 55 milhões que bancaram o mensalão vieram mesmo dos cofres públicos.

Como? Por meio dos contratos das empresas de Marcos Valério com o governo Lula, sobretudo o mais lucrativo deles, o da agência DNA com o Banco do Brasil, que rendeu R$ 68 milhões ao publicitário durante a administração petista. Valério superfaturava os serviços; em alguns casos, nem os prestava. O dinheiro "excedente", nas palavras da PF, passeava pelas contas do publicitário antes de ser entregue, limpinho, aos beneficiários da "organização criminosa". A PF qualificou esse dinheiro como "fonte primária" do mensalão. A fonte primária, ou o dinheiro de todos os brasileiros, foi parar nos bolsos de mais gente do que se pensava - e foi precisamente essa a novidade que mais incomodou o governo. Os peritos encontraram indícios de que vários políticos se envolveram, direta ou indiretamente, no esquema. O mais graduado é o ministro Pimentel. Rastreando o dinheiro desviado pela quadrilha, a PF chegou ao nome de Rodrigo Barroso Fernandes, tesoureiro da campanha vitoriosa de Pimentel à prefeitura de Belo Horizonte em 2004. Ele sacou um cheque de R$ 247 mil. Questionado pela PF, ficou em silêncio.

Houve os que não se calaram. Um deles foi o líder do governo no Senado, Romero Jucá. "Quero aqui repudiar todas essas informações. Não há meu nome no relatório", disse Jucá na tribuna do Senado. Ele tem razão. O relatório não cita seu nome, mas cita a empresa de seu irmão, Álvaro Jucá, que recebeu R$ 650 mil do esquema de Marcos Valério. Álvaro enviou à PF uma cópia do contrato de sua empresa com o Banco do Brasil e notas fiscais. Os federais, porém, não se convenceram com suas explicações. Caberá ao procurador-geral da República pedir mais investigações se julgar adequado.

Na categoria dos que abriram a boca, contudo, brilhou, como de hábito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As investigações da PF confirmaram que Freud Godoy, segurança pessoal do ex-presidente e amigo de sua família, recebeu R$ 98 mil do valerioduto. Godoy admitiu à polícia que os recursos bancaram serviços prestados a Lula durante sua campanha à Presidência.

Depois de dar uma palestra nos Estados Unidos, paga pela Microsoft, Lula respondeu secamente aos questionamentos dos repórteres. Primeiro, disse que, "por não ser advogado", não leu o relatório. Nenhuma palavra sobre Freud. Ele prosseguiu: "Não tem relatório final do mensalão. Tem uma peça que dizem que foi o relatório produzido pela Polícia Federal. Mas não se sabe se o ministro Joaquim vai receber, se aquilo vai entrar nos autos do processo". Nenhuma palavra sobre Freud. E Lula arrematou: "Se entrar (o relatório final na ação penal do mensalão), todos os advogados de defesa vão pedir prazo para julgar. Então, vai ser julgado em 2050". Fim de peroração - e nenhuma palavra sobre Freud. Astrogildo, o louco que de tudo duvida e nada sabe, ficaria confuso com tanto silêncio. Ele poderia du-vidar do mensalão - mas, se não pode mais esperar pelo Ministério Público ou pela PF, talvez sua última esperança seja esperar por Godot.

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