domingo, abril 03, 2011

ALAN GREENSPAN Lei Dodd-Frank não serve a esta era


Lei Dodd-Frank não serve a esta era
ALAN GREENSPAN

FOLHA DE SÃO PAULO - 03/04/11

Será que a resposta é que retornemos às práticas bancárias mais simples de meio século atrás?


AS AGÊNCIAS regulatórias dos Estados Unidos encontrarão nos próximos meses problemas devido aos efeitos adversos que surgirão quando traduzirem os princípios amplos da Lei Dodd-Frank em duas centenas de regras detalhadas.
A premissa subjacente da nova lei é a de que boa parte do que ocorreu no mercado antes da quebra do banco Lehman Brothers representou uma sucessão de excessos (o que quase ninguém nega) e que seria possível resolver esses problemas por meio das medidas que a lei contém (o que é questionável).
O sistema financeiro ao qual a Lei Dodd-Frank está sendo imposta é muito mais complexo do que os legisladores, e até mesmo a maioria dos funcionários das agências regulatórias, aparentam compreender.
Os resultados iniciais da reestruturação não são bom presságio.
Pouco depois que a lei foi aprovada, em julho de 2010, a Ford Motor Credit cancelou seus planos de emitir US$ 1 bilhão em títulos lastreados em ativos. A operação envolvia a necessidade de uma classificação de crédito, que a Ford não era capaz de obter naquele momento.
Uma das cláusulas da lei faz com que as agências de classificação de crédito possam ser responsabilizadas judicialmente por seus pareceres quanto a riscos. Para garantir a emissão dos títulos, a Securities and Exchange Commission (SEC, órgão que fiscaliza e regulamenta o mercado de valores mobiliários norte-americano) suspendeu a necessidade de uma classificação de crédito.
Mais recentemente, vem crescendo a preocupação de que, caso as instituições participantes não venham a conseguir isenção quanto à Lei Dodd-Frank, proporção significativa do mercado de derivativos de câmbio deixaria os Estados Unidos.
Muitas das regras quanto a sistemas exclusivos de transação, por exemplo, se aplicam aos bancos norte-americanos em todo o mundo. Mas as filiais de instituições estrangeiras concorrentes poderiam transferir esse tipo de transação a bancos europeus e asiáticos.
Para levar o processo adiante, as autoridades regulatórias terão a responsabilidade de prever, e presumivelmente prevenir, todas as repercussões indesejáveis que possam surgir no mercado quando as condições de regulamentação sofrem mudança importante.
O problema é que as autoridades regulatórias, e na verdade qualquer outra pessoa, obtêm, no máximo, um vislumbre quanto ao funcionamento interno até do mais simples dos sistemas financeiros modernos.
Os mercados competitivos hoje são propelidos por uma versão internacional da "mão invisível" de Adam Smith. Com raras e notáveis exceções (por exemplo 2008), a "mão invisível mundial" criou taxas de câmbio, taxas de juros, preços e salários relativamente estáveis.
Mesmo nos mais regulamentados mercados financeiros, a maior parte das transações jamais é visível. É esse o motivo para que a interpretação do moderno comportamento dos mercados financeiros esteja sujeita a tão ampla variedade de "explicações".
Será que a resposta à complexidade das finanças modernas é que retornemos às práticas bancárias mais simples de meio século atrás?
Isso pode não ser possível se desejamos manter os níveis de produtividade e os padrões de vida atuais. Nos anos do pós-Guerra, o grau de complexidade das finanças parece ter crescido em companhia dos avanços na divisão do trabalho, da globalização e da tecnologia.
Uma medida dessa complexidade, a proporção do PIB dedicada às finanças e seguros cresceu dramaticamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, subiu de 2,4% em 1947 para 7,4% em 2008, e ainda mais durante a contração severa de 2009, quando atingiu 7,9%.
A questão espinhosa que as autoridades regulatórias precisam responder é se essa alta na porção financeira do PIB foi uma condição necessária ao crescimento das últimas cinco décadas ou se representou apenas uma coincidência. Ao levarmos adiante os reparos do sistema regulatório, talvez tenhamos de lidar com a conexão ainda não comprovada entre o grau de complexidade financeira e a alta nos padrões de vida.

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