segunda-feira, março 21, 2011

MARCELO DE PAIVA ABREU

Plano Trienal - fatos e fabulações
MARCELO DE PAIVA ABREU
O Estado de S. Paulo - 21/03/2011

Dilma Rousseff dedica-se agora, de novo, à sua tática de substituir ênfase por substância ao tentar convencer o País de que o governo está de fato comprometido com o combate à inflação. Em meio à reiteração de certezas, endossa a "revolucionária" tese desenvolvida no eixo Ministério da Fazenda-BNDES de que despesas de capital não são inflacionárias, pois criam capacidade... É um momento em que seria especialmente profícuo buscar lições da História. Mas para isso é preciso reportar a história tal como realmente foi, e não se dedicar a reconstruí-la com base em visão retrospectiva ou qualquer outra tradução que se prefira para hindsight.

O Centro Celso Furtado, com o apoio do BNDES e de outros órgãos públicos, tem promovido a reedição das obras de Celso Furtado. Agora foi publicado o livro O Plano Trienal e o Ministério do Planejamento (Rio de Janeiro, 2011). Inclui o texto oficial do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social 1963-1965, publicado no final de 1962, e diversos ensaios interpretativos.

Não há espaço para dúvidas: a elaboração do Plano Trienal marcou o momento crucial na vida pública de Furtado, cortada brutalmente pelo golpe militar. A publicação de Formação Econômica do Brasil, em 1959, marca o ápice de sua carreira. Furtado, a despeito de suas ideias heterodoxas sobre as causas da inflação, teve a coragem cívica de compor com Santiago Dantas a equipe de governo que tentaria implementar um plano de estabilização que pusesse em ordem os gastos públicos e contivesse a aceleração inflacionária. Era parte da "esquerda positiva", cujo marco de referência seria o discurso de Dantas de junho de 1962, quando postulou a sucessão de Tancredo Neves e enfatizava a necessidade de "orçamentação honesta das nossas possibilidades" para conter a inflação e advogava política monetária "que sirva à contenção de preços", evitando que o governo se guiasse apenas "pelo espírito de iniciativa de seus ministros".

O tratamento das reformas de base no Plano Trienal foi perfunctório. As reformas administrativa, bancária, fiscal e agrária ocupam sete páginas finais do plano de 195 páginas. São vagas, são longe de revolucionárias e não são muito diferentes das propostas apresentadas por Tancredo Neves, presidente do Conselho de Ministros, em seu longo "Programa de Governo", em setembro de 1961. E, como disse Furtado à época a deputados radicais nacionalistas: "Não me encomendaram um projeto de revolução, mas um plano de governo".

O Plano Trienal era um plano de estabilização gradualista. Considerava prioritário o controle de crédito e de gastos públicos, dedicando especial atenção à remoção de subsídios aos provedores de serviços públicos. O plano, embora gradualista, foi elaborado, como dizia Furtado, com o intuito de "não ferir a sensibilidade ideológica dos técnicos do FMI" que visitaram o Brasil nos momentos iniciais de sua implementação.

Dantas e Furtado enfrentaram enorme resistência à implementação das metas de gastos e crédito. No começo do segundo trimestre de 1963 já se desenhava o fracasso, mais explícito ainda com o aumento ao funcionalismo bem além da meta inflacionária. Todas as evidências indicam o papel crucial da resistência de líderes sindicais e das alas mais radicais do PTB e do PCB. Em suma, da "esquerda negativa", implícita no discurso de Dantas.

Uma edição comentada mais equilibrada do Plano Trienal deveria ter levado em conta contribuições adicionais relevantes, em particular as teses de doutorado de John Wells, Cambridge, 1977, e de mestrado de Mário Mesquita, PUC-Rio, 1992.

A tentação do embelezamento da obra de Furtado já se havia explicitado quando foi reeditado o seu livrinho De Nápoles a Paris - Contos da Vida Expedicionária (Rio de Janeiro, 1946), mal comparando, versão brasileira, romantizada e bem mais pobre do magnífico Nápoles 1944 de Norman Lewis (Rio de Janeiro, 2003). O título foi alterado, sobrevivendo apenas o subtítulo. E a dedicatória, que dá boa ideia do conteúdo, simplesmente desapareceu: "Às italianas. Em toda a solidão humana que foi o torvelinho da guerra, o brasileiro não estava só. Acompanhou-o sempre, gentil e terna, a mulher italiana. E corações marcados por solidão antiga houve que, na surpresa de um encontro, viram surgir para a vida uma esposa, uma irmã, uma filha e até mesmo uma mãe. De longe, desta terra encantada que Mariucha amou sem conhecer, no gesto vão de um agradecimento póstumo eu lhes envio, às italianas ternas e gentis, minhas recordações e minhas saudades".

É preciso que Furtado seja avaliado como era e como escreveu. Não há razão para a busca forçada de coerência intertemporal na sua carreira. Continuará a ser um grande brasileiro, ainda que cada um de nós o tenha em alta conta por razões distintas. Em qualquer caso, a história verdadeira do Plano Trienal deveria servir para debelar a atual propensão de setores à esquerda no espectro político, aliados a "interesses especiais", a adotar postura complacente em relação à inflação. Poderia ajudar a presidente a desconfiar da macroeconomia de fundo de quintal que lhe vem sendo oferecida. Ainda pode estar em tempo.

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