sexta-feira, março 11, 2011

LUIZ GARCIA

Pagando o quê?
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 11/03/11

Um velho ditado ensina: quem sai aos seus não degenera. Na política nacional, uma variante desse provérbio genético talvez tivesse mais pertinência e oportunidade: quem sai aos seus não se regenera.

Poderia ser esse o caso da deputada Jaqueline Roriz, filha do famoso - o adjetivo mais apropriado talvez seja "notório", muito usado no noticiário policial - Joaquim Roriz, ex-governador de Brasília. Ela tem sobre o pai a visível vantagem de ser muito loura e muito bonita. No mais, parece autêntica portadora dos genes paternos. Outro dia, caiu numa variação do já notório conto do pacote de dinheiro. As vítimas dessa peculiar armadilha são políticos que recebem doações ilícitas - sempre em erva viva - sem desconfiarem que estão sendo filmados. No caso de Jaqueline, um vídeo registra a entrega de um pacote com R$50 mil.

Para o seu partido, o PMN, ela é quase inocente - como se existisse alguma forma de honestidade parcial - e se deixou envolver "ingênua e desnecessariamente" numa "prática nefasta". A escolha dos advérbios é curiosa: parece difícil entender que um político que se preza possa ser ingênuo a ponto de aceitar doações supostamente anônimas em dinheiro vivo. Não é um tipo de presente que costume aparecer na declaração de renda de ninguém: dinheiro em pacote é, quase por definição, dinheiro sujo. É impossível conceber circunstâncias em que seria "necessário" para a deputada botar a bolada na bolsa.

A sua reação à divulgação do vídeo em que aparece recebendo o presente foi desligar-se da Comissão de Reforma Política da Câmara, com o argumento de que "os interesses da sociedade, de um grupo político, devem prevalecer acima de qualquer interesse individual". Devem mesmo, mas certamente não era isso que estava em questão - e sim o fato óbvio de que dinheiro vivo em pacote é, invariavelmente, dinheiro sem explicação de origem ou destino, e costuma atender a interesses difíceis de explicar.

Pois é precisamente isso que precisa ser explicado. Jaqueline pode até renunciar ao seu mandato - espontaneamente, como deveria ser, ou por exigência de seu partido - mas nem isso vai poupá-la da obrigação de revelar a origem do presente e o que ela teria de fazer, ou já teria feito, para merecê-lo.

Por enquanto, o PMN teve reação tímida. Anunciou, em nota, que vai esperar "o desenrolar dos acontecimentos" - que realmente estão bastante enrolados - e afirmou que a deputada foi "envolvida". Ou seja, apressou-se a declará-la vítima ingênua. É aceitável acreditar que quem lhe deu o presente estava investindo, por assim dizer, na sua desmoralização. E isso realmente deve ser investigado.

Ainda que Jaqueline tenha sido vítima de um golpe sujo, ela continua devendo resposta a uma pergunta óbvia e indispensável: o que é mesmo que os R$50 mil estavam pagando?

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