segunda-feira, março 21, 2011

JOSEPH E. STIGLITZ

O milagre das Ilhas Maurício
JOSEPH E. STIGLITZ

O GLOBO - 21/03/11

Suponha que alguém descrevesse um pequeno país que proporcionasse educação universitária grátis para todos os cidadãos, transporte para as crianças em fase escolar e saúde gratuita para todos, incluindo cirurgia cardíaca. A suspeita é que tal país seria fenomenalmente rico ou estaria aceleradamente a caminho de uma crise fiscal.

Afinal, países ricos da Europa descobrem que não são capazes de pagar pela educação universitária e estão pedindo aos jovens e a suas famílias para arcar com os custos. De sua parte, os EUA nunca tentaram prover educação gratuita para todos, e houve uma amarga batalha apenas para garantir que os americanos pobres recebam assistência médica - algo que o Partido Republicano trabalha duro para derrubar, alegando que o país não pode pagar por isso.

Mas as Ilhas Maurício, um pequeno país no Oceano Índico ao largo da costa sudeste da África, não é rico nem está a caminho da ruína orçamentária. Apesar disso, passou as últimas décadas construindo com sucesso uma economia diversificada, um sistema político democrático e uma forte rede de proteção social. Muitos países, além dos EUA, poderiam aprender com essa experiência.

Numa visita a esse arquipélago tropical com 1,3 milhão de habitantes, tive a chance de ver alguns dos saltos dados por Maurício - que podem causar perplexidade à luz do debate nos EUA e em outros países. Considerem a casa própria: enquanto os conservadores alegam que a tentativa do governo americano de tornar proprietários 70% da população foi responsável pela crise financeira de 2008, 87% dos mauricianos são donos de suas casas - sem bolha imobiliária.

Agora vem o número espantoso: o PIB das Ilhas Maurício tem crescido acima de 5% ao ano por quase 30 anos. Certamente, deve haver algum truque. Maurício deve ser rico em diamantes, petróleo ou outra commodity valiosa. Mas o país não tem recursos naturais para exportar. Na verdade, tão lúgubres eram as perspectivas do território que se aproximava de se tornar independente da Grã-Bretanha, o que ocorreu em 1968, que o economista Prêmio Nobel James Meade escreveu em 1961: "Será um grande feito se o país puder encontrar emprego produtivo para sua população sem uma séria redução do atual padrão de vida. A perspectiva de um desenvolvimento pacífico é tênue."

Como a provar que Meade estava errado, a renda per capita dos mauricianos passou de menos de US$400 na independência para US$6.700 hoje. O país progrediu da monocultura açucareira de 50 anos atrás para uma economia diversificada que inclui turismo, finanças, têxteis e, se planos correntes derem resultado, tecnologia avançada.

Durante minha visita, meu interesse era entender melhor o que levara ao que alguns chamam de milagre de Maurício, e o que outros podem aprender com ele. Há, de fato, muitas lições, algumas das quais deveriam ser levadas em conta por políticos dos EUA e de outros países, enquanto promovem suas batalhas orçamentárias.

Primeiro, a questão não é se temos condições de fornecer educação ou saúde para todos, ou garantir ampla propriedade de imóveis. Se Maurício pode, EUA e Europa - que são várias ordens de magnitude mais ricos - podem também. A questão é como organizar a sociedade. Os mauricianos escolheram um caminho que leva a níveis mais altos de coesão social, bem-estar e crescimento econômico - e níveis mais baixos de desigualdade.

Segundo, ao contrário de muitos outros pequenos países, Maurício decidiu que a maior parte dos gastos militares é desperdício. Os EUA não precisam ir tão longe: somente uma fração do dinheiro que o país gasta com armas que não funcionam contra inimigos que não existem seria muito importante para criar uma sociedade mais humana, que desse assistência médica e educação aos que não podem pagar por isso.

Terceiro, Maurício reconheceu que, sem recursos naturais, seu povo era seu único ativo. Talvez essa valorização dos recursos humanos tenha sido o que levou o país a entender que, diante das diferenças religiosas, étnicas e políticas, educação para todos era crucial para a unidade social. Da mesma forma, instituições democráticas e cooperação entre trabalhadores, governo e empresários - precisamente o oposto do tipo de dissenção e divisão que os conservadores querem criar nos EUA.

Não que Maurício não tenha problemas. Assim como outros países emergentes bem-sucedidos, a ilha enfrenta perda de competitividade na taxa de câmbio. E o problema se agrava, à medida que mais e mais países intervêm para enfraquecer suas taxas de câmbio, em reação à tentativa dos EUA de se manterem competitivos via relaxamento monetário. Quase certamente, Maurício terá que fazer o mesmo.

Além disso, como outros países, Maurício se preocupa com o custo dos alimentos importados e da energia. Responder à inflação decorrente via elevação dos juros combinaria as dificuldades dos preços altos com alto desemprego e uma taxa de câmbio ainda menos competitiva. Intervenções diretas, restrições à entrada de investimentos de curto prazo, impostos sobre ganhos de capital e regulação bancária terão de ser estudados.

O milagre de Maurício data da independência. Mas o país ainda luta com alguns de seus legados coloniais: desigualdade em terras e riqueza, assim como vulnerabilidade a alterações na alta política global. Os EUA ocupam uma das ilhas do arquipélago, Diego Garcia, com uma base naval, sem pagar indenização, já que oficialmente a alugaram do Reino Unido, que não só reteve as Ilhas Chagos, violando a lei internacional, como expulsou seus cidadãos e se recusa a deixá-los voltar.

Os EUA deveriam agir corretamente com esse país democrático e pacífico: reconhecer a propriedade de Maurício sobre Diego Garcia, renegociar o aluguel e redimir pecados anteriores via pagamento de uma quantia justa pela terra que ocuparam ilegalmente durante décadas.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista.

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