sexta-feira, março 18, 2011

ALFREDO HALPER

O preconceito contra o obeso
 ALFREDO HALPERN
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/03/11

Para a maioria das pessoas,a obesidade não é doença e o problema é resolvido simplesmente com dieta e atividade física. Pura falácia!


Pacientes com diabetes melito e hipertensão arterial terão direito a receber alguns remédios de graça no Brasil. Sem dúvida nenhuma, isso representa um grande avanço na política de saúde do nosso país. Coisa de Primeiro Mundo!
Mas, ao mesmo tempo, a nossa Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) convoca uma consulta pública para, segundo ela, proibir a comercialização de medicamentos contra a obesidade que funcionam diminuindo o apetite.
Qual é a conexão entre as duas notícias? Simplesmente que o grande fator para hipertensão arterial e diabetes melito é o excesso de peso: mais de 80% dos hipertensos e mais de 90% dos indivíduos com diabetes do tipo 2, aquele que em geral aparece na idade adulta, e que como regra não necessita de insulina, têm excesso de peso.
A que se deve essa incoerência entre prestigiar os remédios contra as consequências (hipertensão e diabetes melito) e condenar os remédios que combatem as causas? Basicamente, a meu ver, é o preconceito contra os obesos, contra os remédios que podem tratá-los e contra os médicos que os tratam.
Venho convivendo com pacientes com excesso de peso há mais de 40 anos. Quando me formei, em 1966, não tinha tido uma única aula sobre obesidade. Só na década de 80 foi que, tendo ficando óbvio que o crescimento da obesidade vinha atingindo proporções epidêmicas, o mundo científico passou a atentar para a doença. Doença, sim!
Doença nas causas, pois é muito mais que falta de força de vontade, desleixo, falta de autoestima, etc., e sim resultado de vários fatores, desde alterações químicas no cérebro a defeitos no metabolismo energético, além de ser também causa de outras doenças (enumerá-las preencheria todo o texto...).
Não houve consideração com a sibutramina, medicamento usado há cerca de 15 anos, bastante útil em aproximadamente 50% dos casos e contraindicada para cerca de 10% dos pacientes obesos (portadores de hipertensão arterial não controlada, arritmia cardíaca, problemas coronarianos ou com história anterior de derrame cerebral. Tudo está na bula do remédio!).
O medicamento foi afastado do mercado na Europa e nos EUA. E, repito, para a maioria das pessoas, inclusive as que participam das agências reguladoras, a obesidade não é doença, é quadro psiquiátrico, não precisa de medicamentos e o problema é resolvido simplesmente com dieta e atividade física. Pura falácia!
No Hospital das Clínicas, onde contamos com um ambulatório pioneiro na América Latina, e no qual foram ou vêm sendo atendidos cerca de 10 mil pacientes, 90% deles tomam remédios. No geral, têm melhora acentuada de quadros.
Para qualquer doença, de qualquer especialidade, a tolerância com os remédios é muito maior. Por quê? Porque essas doenças são consideradas importantes. E obesidade, para boa parte das agências reguladoras, não é. Ou é, mas não necessita de medicamentos.
Enfim, militando há anos nessa área, sinto-me seguro em dizer que o obeso é discriminado e vítima de preconceitos, e que isso tem que mudar. Espero que o movimento intenso que todas as sociedades médicas vêm fazendo contra essa tentativa de abolição da sibutramina e dos anfetamínicos seja passo importante para essa mudança!

ALFREDO HALPERN é professor livre-docente de endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP.

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