sábado, fevereiro 19, 2011

RUTH DE AQUINO

A outra Martha Rocha

RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA
Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Ela tem o mesmo nome da loura que, em 1954, perdeu o título de Miss Universo por ter duas polegadas a mais nos quadris. As semelhanças param aí. A nova chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Martha Rocha, aos 51 anos, é “cheinha” – como ela diz. Com 1,52 metro de altura, não dispensa jamais os saltos altos e finos que às vezes a desequilibram. Ao lado dos quatro seguranças corpulentos que passaram a acompanhá-la à igreja e ao hortifrúti, Martha dá impressão física de fragilidade. Para quem a conhece desde os primeiros tempos de delegada, a fama é outra. Está mais para “Rocha” do que Martha.
Vai comandar 12 mil policiais. Tentará moralizar uma instituição dividida e sem credibilidade. Dos últimos chefes da Polícia Civil no Rio, três saíram acusados de crimes pesados – corrupção é o mais leve deles (leia mais). Existem alguns símbolos na escolha de seu nome para fazer a enésima faxina na polícia do Rio. Além de ser a primeira mulher a ocupar o cargo, sua biografia e sua fé não parecem comportar tolerância a desvios de conduta.
Encontrei-a no gabinete invadido pelo cheiro adocicado de flores enviadas em sua homenagem. Martha acabara de comprar em Ipanema um vestido e um par de sapatos para a cerimônia de posse. Esperava a manicure. Dito assim, pode parecer que a nova chefe da Polícia Civil é vaidosa. Não é verdade. A maquiagem é leve. “Sou uma pessoa básica, posso dizer isso?” Seu adereço essencial é um pingente de Nossa Senhora da Conceição, de quem se diz devota. “Ela representa a Anunciação, era a que vinha à frente, protegendo os outros”, diz.
Martha não tem nada dos pavões que a antecederam. É um trator. Mas trator de saia. Não usa calças compridas. “De vestido, fico mais bonitinha.” Conta que dorme no máximo seis horas por dia, não casou nem teve filhos. Diz não acreditar em horóscopo, mas já fez mapa astral. “Sou taurina mesmo; leal, pragmática.” Sua mensagem é “competência, qualificação e ética, no sentido amplo, de respeito à população que precisa encontrar nas delegacias um atendimento humanizado”. É possessiva: “Agora, são meus policiais”.
Pressionada a dar um recado à tropa, afirmou: “Eles vão ver a chefe muito mais do que imaginam. Sempre valorizei o trabalho de ponta na delegacia. Não serei chefe de gabinete, mas de campo. Como não gosto de dormir muito, quem sabe em alguma noite insone eu não chego de surpresa numa delegacia. Policiais e delegados têm de ser educados, barbeados, honestos, eficientes e gentis”.
Quem conhece a nova chefe da Polícia Civil do Rio diz que sua fama está mais para “Rocha” do que Martha
Não adianta perguntar a Martha o que ela acha do corporativismo na Polícia Civil. Um corporativismo que permite a um delegado ter carros importados e apartamentos milionários sem ser denunciado. É inútil perguntar a ela sobre a imagem esfacelada da instituição e os eternos crimes dos policiais. Caça-níquel, jogo do bicho, venda de armas e informações a traficantes, ligações com a milícia. Sua resposta é sempre um sorriso. “Crise não faz parte de meu vocabulário. A Polícia Civil terá apenas uma equipe, não haverá divisão. Não haverá jogo de vaidade porque a chefe não é vaidosa”, diz.
A tranquilidade de Martha diante do desafio e do risco parece artificial. Pergunto se toma calmante à noite. Diz que não. Filha de portugueses, é vascaína, mas só por origem. Sua última recordação do time é o Roberto Dinamite. O pai era dono de padaria no subúrbio da Penha. Foi professora primária e fez concurso para delegada em 1990. Teve dúvidas, mas o pai, “feminista sem saber”, disse: “Por que não?”. Martha conta que vai à missa todo domingo na Igreja de Bom Jesus do Calvário, no bairro da Tijuca, onde mora.
Quando o secretário de Segurança Beltrame comunicou a ela a escolha, Martha diz ter tido um momento de contrição, alguns segundos em que se abstraiu de tudo. Fez três pedidos: primeiro, um copo d’água. Água é seu maior vício. Ligou então para a mãe e para o antecessor, Allan Turnowski. Ao ser sondada, dissera a Beltrame: “Sei que você vai decidir o melhor para a Polícia Civil, e Nossa Senhora vai decidir o melhor para mim”. Talvez venha dessa fé a rocha de Martha.

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