terça-feira, fevereiro 22, 2011

LUIZ GARCIA

Bora, Bora, Bora
Luiz Garcia
O Globo - 22/02/2011

Mandato, diz o infalível Houaiss, é "concessão de poderes para o exercício de uma missão". Mais do que implícito, está óbvio que é indispensável uma relação direta e óbvia entre os poderes e a missão. Se o cidadão recebe, para usar um exemplo simples e humilde, a missão de varrer uma rua, é indispensável que lhe seja concedido o poder de brava e eficientemente empunhar uma vassoura.

No caso de parlamentares, pelo menos no Brasil, é facultado o direito ao carro oficial. Presume-se que seja indispensável ao contato com o eleitorado, para melhor servi-lo. Mas, curiosamente - ou confortavelmente para eles -, não há distinção entre a época de sessões deliberativas e os recessos.

Também não se leva em conta, pelo menos no caso da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a distância entre o plenário e o domicílio eleitoral do deputado. Ele pode ter sua base política num bairro próximo do - digamos assim, sem sombra de injusta ironia - local de trabalho, ou num município remoto: todo mês, tem direito a um crédito de 1.150 litros de combustível para o seu Bora. Nunca vi um Bora na vida, mas acredito que seja um tanto maior e mais confortável do que um modesto modelo popular.

O crédito é também inelástico: com a Assembleia funcionando ou em tempo de recesso, o Bora bebe à vontade. E se, por acaso ou distração, o deputado não gasta sua quota de combustível num mês, acumula o crédito para os meses seguintes. É muito útil em época eleitoral. No ano passado, por exemplo, no período pré-eleitoral - quando a Assembleia praticamente entrou em recesso branco - a despesa com combustível foi até maior do que nos meses de trabalho legislativo.

Nada disso é novidade. No Legislativo do Rio como em qualquer outro, inclusive na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, esse tipo de remuneração indireta tem mais a ver com a preservação dos mandatos - ou o conforto pessoal do legislador - do que com o trabalho legislativo propriamente dito.

Um dado curioso é o fato de que na atual legislatura diminuiu o número de deputados do interior do estado. Seria natural que se reduzisse a despesa com a gasolina dos Boras. Não há dados a respeito - mas quem se atreveria a apostar que a Assembleia está gastando menos dinheiro com combustível?

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