sábado, fevereiro 26, 2011

FERNANDA TORRES

Energéticos
FERNANDA TORRES

REVISTA VEJA - RJ

Estão querendo regular o consumo de bebidas energéticas no Brasil, principalmente entre jovens menores de idade. Já não era sem tempo. Não tenho o hábito de ingeri-las, mas já fui freguesa árdua de guaraná em pó e vitamina C com aditivos. Eu era nova, fazia um teatro físico e, se não saísse do palco suando em bicas, parecia que não havia feito um bom espetáculo. Eu gostava de representar tinindo de tão acesa e me habituei a ingerir doses respeitáveis do fruto amazônico. Quando já estava chegando à fase da colher de sopa cheia de guaraná sem sentir os mesmos efeitos de outrora, adicionei vitamina C à mistura. Me lembro do dia em que o teto ficou preto assim que pus os pés na ribalta. O coração disparou e mal consegui prosseguir a rotina. Nunca mais apelei para beberagens palpitantes. Aprendi a fazer da própria personagem o meu motivo de enlevação em cena.

Em seu livro Surfando no Caos, o guru do psicodelismo da década de 60, Timothy Leary, conta que foi nos aparentemente caretérrimos anos 50 que reinou nos Estados Unidos o Doctor Feel Good, ou Doutor Bem-Estar. Era um médico de renome e com grande entrada entre os ricos e famosos. Sua especialidade consistia na administração de altas doses de anfetamina, às quais dava o inocente nome de “vitaminas”. Segundo Leary, o doutor chegou a distribuir caixas com as ampolas da alegria em larga escala para seus pacientes se injetarem em casa. Não é o caso, mas, por conta dos atuais energéticos, já vi arcadas dentárias batendo em um bruxismo descontrolado, já vi gente sem conseguir dormir ou assustada com temerárias palpitações cardíacas. O caso mais grave foi o de uma amiga que sempre gostou de tomar suas cervejas. Fascinada, descobriu que os energéticos reduziam os efeitos pastosos do álcool e ainda a faziam dançar a noite inteira. Sabendo de seu histórico coronariano, alertei-a sobre os riscos de tais bebidas para alguém com a circulação delicada. Ela ouviu, mas não deu ouvidos, as noites andavam tão animadas... Menos de duas semanas depois, a pobre baixou no hospital. O coração descarrilou em plena pista de dança. Os médicos lhe deram um belo sabão e ela nunca mais apelou para tais bálsamos.
A ingestão de cafeína, anfetamina e outras “inas” menos lícitas deve mesmo conter alertas quanto aos riscos e malefícios. Essas substâncias confundem porque, assim como o doutor Feel Good, misturam ligação com saúde. É justamente o contrário. Pior, alguns casos aliam aceleração metabólica com bebida alcoólica. Num país pré-alfabetizado como o nosso, é comum que a ignorância confunda as coisas. Soube de uma mãe que foi tachada de retrógrada porque proibiu o filho de 10 anos de ir à festinha de um colega da escola. A comemoração seria regada a um desses poderosos elixires de álcool e anfetamina sem que nenhuma outra mãe percebesse que não se tratava de refrigerante.
Um cafezinho ajuda, uma vitamina C e até um energizante em uma noite mais animada dão realmente asas a quem tem preguiça. Uma colher de guaraná antes de desfilar na avenida, por que não? Mas é preciso esclarecer que essas maravilhas artificiais não são tão virginais assim. Nem elas nem os produtos naturais. Um conhecido perdeu uns bons quilos de uma hora para outra auxiliado por um chá chinês de casca de laranja. Intrigada, uma amiga em comum, que já havia passado maus bocados por causa de um chá branco emagrecedor, enviou a casca de laranja para análise clínica. Além da fruta, uma boa dose de anfetamina nada natural causava a perda de apetite. Me lembra uma consulta médica que fiz na adolescência porque queria perder peso. O esculápio jurou de pés juntos que a pílula que me administraria era um produto natural inofensivo, feito especialmente para o meu metabolismo. Tomei para nunca mais. Junto com a fome lá se foi minha alegria. Depressão, ansiedade, taquicardia e angústia foram os principais sintomas da mezinha natureba do doutor magreza. Tenho pavor de remédio para emagrecer.
Não adianta. Fora casos extremos de obesidade mórbida e distúrbios endócrinos, os melhores aditivos são mesmo as serotoninas do esforço físico e a força de vontade. Tudo o mais tem contraindicação.

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