sexta-feira, janeiro 21, 2011

RUY CASTRO

Símbolos nacionais
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/01/11

RIO DE JANEIRO - A imagem de uma bandeira brasileira gigante atrás da cambaleante Amy Winehouse, num palco, outro dia, me lembrou uma tarde de praia em Ipanema, num dia de semana, no remoto verão de 1971. Um adolescente carioca, aprendiz de flauta doce, tentava tirar no instrumento o Hino Nacional, baixinho, em meio à areia vazia. Um homem ouviu aquilo e não gostou. Deu-lhe uma bronca, acusou-o de achincalhar um símbolo nacional, ameaçou-o de prisão e se identificou: general fulano, do Exército brasileiro.
O garoto, alienadíssimo, escutou aquilo sem entender. Era fã dos Beatles, gostara do Hino ao ouvi-lo durante a Copa do Mundo do México, no ano anterior, não sabia que era proibido tocá-lo na praia.
Na verdade, ninguém sabia, nem isso estava escrito em lugar nenhum. Mas, para os plenos poderes de então -os militares-, quando o povo se interessava pela bandeira ou pelo Hino, só podia ser deboche ou subversão. Nessa mesma época, em Woodstock, Jimi Hendrix torturava o "Star Spangled Banner" na guitarra, jovens quase nus se enrolavam juntos na bandeira dos EUA e ninguém se ofendia.
No Brasil, levamos décadas para liberar nossos símbolos. Hoje a bandeira brasileira está nas cangas, nas toalhas de praia e no bumbum dos biquínis; em alguns Estados, por sorte poucos, o Virumdu ficou obrigatório antes de qualquer competição esportiva, mesmo a mais reles pelada. Ninguém se sente desrespeitado, ninguém deixa de amar nossas cores por causa disso.
Mas, na época, Horacio, o menino da flautinha e que só vim a conhecer muito depois, não gostou de ser agredido. Trocou a flauta por uma prancha, tornou-se surfista e se mandou para o Havaí. Só voltou dali a 20 anos, casado e pai de filhos americanos. Culpa do tal general que, se vivo em nossos dias, deve ter parido gatos ao ver a bandeira atrás de Amy, essa bem zuzu.

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