terça-feira, janeiro 18, 2011

MERVAL PEREIRA

Visão de conjunto
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 18/01/11


Napoleão dizia que o máximo de subordinados que se deve comandar diretamente é sete. O governo Dilma herdou de Lula uma estrutura com nada menos que 37 ministros, consequência da necessidade de contentar uma base aliada que cada vez se amplia mais, ao mesmo tempo em que se torna mais heterogênea.

Nunca se ouviu do ex-presidente Lula uma reclamação sobre o tamanho do Ministério. Ele simplesmente não despachava com muitos de seus "ministros", e se utilizava das reuniões ministeriais para fazer política e "matar a saudade" de muitos deles.

Hoje são nada menos que dez partidos de peso político na base governista que disputam espaços na administração Dilma Rousseff - PT (88), PMDB (79), PP(41), PR (41), PSB (34), PDT (28), PTB (21), PSC (17), PCdoB (15), PRB (8).

Segundo o cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, um estudioso do assunto, é importante registrar que a cada eleição batemos recorde de fragmentação partidária.

As causas são variadas: partidos relativamente grandes, como o DEM e o PSDB, diminuíram suas bancadas, assim como o PMDB, que era o maior partido da Câmara, também se viu deslocado para o segundo lugar.

O PT cresceu, mas pouco, e outros partidos que eram pequenos, como o PSB, cresceram também. Essa tem sido a tendência dos últimos anos, segundo Octavio Amorim: os grandes ficam um pouco menores, e os pequenos, um pouco maiores.

Do ponto de vista formal, o governo Dilma tem mais força no Congresso, e poderá aprovar reformas constitucionais e barrar CPIs, ressaltando a fragilidade maior da oposição na futura Legislatura.

Na prática, a presidente sabe que não é bem assim e para não arriscar nenhuma surpresa está evitando se confrontar com o Congresso.

Adiou a escolha do segundo escalão para depois da eleição da presidência da Câmara, dando tempo para que seus aliados, especialmente o PMDB, façam seus acordos internos que não afetem a governabilidade.

E já decidiu que não apresentará ao Congresso nenhuma das reformas estruturantes que são tão necessárias quanto polêmicas, e desfazem qualquer maioria.

Portanto, a decisão de dividir os ministros em quatro grupos, que terão ministros-coordenadores, parece lógica, na impossibilidade de reduzir simplesmente o número de ministérios e secretarias com status de ministério.

O grupo de Desenvolvimento Social e Erradicação da Miséria será coordenado pela ministra Tereza Campello, de Desenvolvimento Social; o de Desenvolvimento Econômico por Guido Mantega, ministro da Fazenda; o de Gestão, Infraestrutura e PAC por Miriam Belchior, ministra do Planejamento; e o de Direitos da Cidadania e Movimentos Sociais por Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência.

Na mesma impossibilidade de despachar com todos os 37 ministros, a presidente vai participar das reuniões setoriais.

Na prática, teremos quatro superministros, além dos que, por si só, ou pelo cargo que ocupam, têm importância reconhecida: o chefe do Gabinete Civil Antonio Palocci, que reúne as duas qualidades; o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini; o Ministro-Chefe das Relações Exteriores, Antonio Patriota; o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e poucos outros.

É mais uma maneira indireta de a presidente Dilma Rousseff explicitar o que pensava, e não podia dizer, da estrutura de poder montada no governo petista, que acaba favorecendo a centralização de decisões.

Aconteceu com José Dirceu quando chefiava o Gabinete Civil, e também com Dilma quando o substituiu.

A reunião de ministérios em grupos temáticos favorece também uma visão de conjunto que falta na administração pública brasileira, falha que está sendo ressaltada agora por ocasião das trágicas enchentes no interior do estado do Rio.

Desta vez, as águas não selecionaram suas vítimas apenas entre as mais pobres, favorecendo uma compreensão mais ampla do problema, mas tudo indica que ainda não temos capacidade para uma ação conjunta dos diversos órgãos que se dedicam a questões de preservação ambiental e moradia social.

A ideia de culpar as autoridades diretamente pelas consequências do desleixo, colocando o Ministério Público à frente das providências, parece um bom começo para obrigar que medidas sejam realmente tomadas, e não apenas prometidas.

O projeto de uma espécie de Lei de Responsabilidade Social, que a OAB-RJ anunciou que vai propor em regime de urgência ao Congresso Nacional, pode ser o começo da reação, e o interessante (e dramático) é verificar quão distante está o ânimo solidário da população da prática da prevenção, que é a única maneira de minorar as consequências das tragédias provocadas por fenômenos naturais que cada vez nos atingem mais, tudo indica devido às mudanças climáticas na Terra.

Foi-se o tempo em que agradecíamos não termos nem tufões nem terremotos nem tsunamis, como se fôssemos abençoados.

Como sempre nos consideramos protegidos das intempéries, também não desenvolvemos uma cultura de prevenção desses acidentes.

Ao mesmo tempo, nossos péssimos hábitos políticos incentivam invasões e ocupações de terrenos na maioria das vezes em locais interditados para construção justamente devidos aos perigos que eles representam.

Há uma visão distorcida, muitas vezes equivocada, a maior parte, porém, oportunista e criminosa, de que permitir a instalação de pessoas carentes em áreas de risco é uma ajuda, quando na verdade é o caminho mais curto para tragédias como as que estamos vivendo no estado do Rio.

Seria preciso que esse espírito de solidariedade que existe em todas as camadas sociais fosse aproveitado para uma mudança cultural que elegesse a prevenção como prioridade.

Para que tragédias inevitáveis tenham a menor consequência possível, como aconteceu recentemente na Austrália.

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