quinta-feira, janeiro 13, 2011

GUSTAVO LOYOLA

Cautela com o "elixir universal"
Gustavo Loyola 

O Estado de S.Paulo - 13/01/11

Há poucos dias o Banco Central (BC) adotou mais uma medida de caráter macroprudencial, instituindo um novo recolhimento compulsório, desta feita sobre a posição vendida de câmbio dos bancos que exceder US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência de cada instituição. A medida é compreensível, haja vista a elevação forte de tais posições nos últimos meses, notadamente após o aumento, em dezembro, do compulsório sobre depósitos à vista e a prazo dos bancos. Porém, deve haver cautela no uso de instrumentos macroprudenciais, sob pena de os custos excederem em muito os benefícios almejados.

Como se sabe, o aspecto macroprudencial da regulação financeira se destacou após a última crise e se refere às políticas que objetivam assegurar a estabilidade de todo o sistema financeiro, contrapondo-se a uma visão microprudencial, que diz respeito à manutenção da solvência de instituições individuais. Tipicamente, os instrumentos de regulação macroprudencial visam a lidar com riscos vindos do comportamento coletivo das instituições financeiras que, mesmo agindo racional e prudentemente sob a ótica individual, podem levar a crises financeiras desestabilizadoras.

Porém, há pelo menos duas dificuldades básicas no uso dos instrumentos regulatórios macroprudenciais. A primeira diz respeito à identificação correta e tempestiva das situações que exigem intervenção do regulador. Com efeito, não existe uma regra clara que divida situações "de risco" de "normais", adicionando uma subjetividade indesejável à regulação financeira, elevando as incertezas dos agentes econômicos. A segunda - e não menor - dificuldade se refere à tentação das medidas macroprudenciais com intentos estranhos ao domínio da regulação financeira, como o de intervenção no mercado cambial para afetar a taxa de câmbio nominal.

Ademais, vale notar que medidas macroprudenciais típicas - capitais mínimos, limites de alavancagem e de exposição ao risco, recolhimentos compulsórios, etc. - provocam danos colaterais não desprezíveis na eficiência da intermediação financeira, tornando o crédito menos disponível e mais caro para os segmentos mais vulneráveis da economia, como pequenas empresas e indivíduos de menor renda. Tais problemas são ainda mais graves entre os emergentes, cujo ambiente institucional se constitui por si só em um obstáculo à maior eficiência nos mercados financeiros.

Assim, em razão dessas dificuldades e perigos, não é aconselhável a banalização no País do uso de medidas macroprudenciais, em substituição aos tradicionais instrumentos de controle da demanda agregada, que são a contenção dos gastos líquidos do governo e a elevação da taxa básica de juros.

Na atual conjuntura da economia brasileira, que combina sobreaquecimento da demanda doméstica com expressivo influxo de capitais externos, a correta resposta de política econômica deve necessariamente passar pela subida da taxa Selic e pelo aumento do superávit primário do setor público. Medidas restritivas ao crédito, como a elevação do recolhimento compulsório realizada em dezembro, podem servir de coadjuvantes no processo de controle da demanda, mas seus efeitos sobre a demanda são menos abrangentes do que a elevação dos juros e sua capacidade de gerar distorções microeconômicas é maior.

Do mesmo modo, se há preocupações com a apreciação do real, políticas mais corretas e sustentáveis devem mirar no aumento da poupança doméstica, especialmente com a redução dos gastos de custeio do setor público. Restrições quantitativas, mesmo quando positivas num olhar macroprudencial, não serão capazes de eliminar a tendência de sobrevalorização da moeda brasileira, na presença de desequilíbrios macroeconômicos mais profundos.

Em suma, medidas prudenciais não devem ser vistas como elixir universal para todos os males. O controle da demanda agregada não pode prescindir das "tradicionais" políticas de redução do gasto público e de elevação dos juros básicos pelo BC.

DOUTOR EM ECONOMIA PELA EPGE/FGV. EX-PRESIDENTE DO BC. SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA EM SÃO PAULO

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