domingo, setembro 05, 2010

FERREIRA GULLAR

Vamos errar de novo?

FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/09/10
Ao chegar à Presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio

FAZ MUITOS ANOS já que não pertenço a nenhum partido político, muito embora me preocupe todo o tempo com os problemas do país e, na medida do possível, procure contribuir para o entendimento do que ocorre. Em função disso, formulo opiniões sobre os políticos e os partidos, buscando sempre examinar os fatos com objetividade.
Minha história com o PT é indicativa desse esforço por ver as coisas objetivamente. Na época em que se discutia o nascimento desse novo partido, alguns companheiros do Partido Comunista opunham-se drasticamente à sua criação, enquanto eu argumentava a favor, por considerar positivo um novo partido de trabalhadores. Alegava eu que, se nós, comunas, não havíamos conseguido ganhar a adesão da classe operária, devíamos apoiar o novo partido que pretendia fazê-lo e, quem sabe, o conseguiria.
Lembro-me do entusiasmo de Mário Pedrosa por Lula, em quem via o renascer da luta proletária, paixão de sua juventude. Durante a campanha pela Frente Ampla, numa reunião no Teatro Casa Grande, pela primeira vez pude ver e ouvir Lula discursar.
Não gostei muito do tom raivoso do seu discurso e, especialmente, por ter acusado "essa gente de Ipanema" de dar força à ditadura militar, quando os organizadores daquela manifestação -como grande parte da intelectualidade que lutava contra o regime militar- ou moravam em Ipanema ou frequentavam sua praia e seus bares. Pouco depois, o torneiro mecânico do ABC passou a namorar uma jovem senhora da alta burguesia carioca.
Não foi isso, porém, que me fez mudar de opinião sobre o PT, mas o que veio depois: negar-se a assinar a Constituição de 1988, opor-se ferozmente a todos os governos que se seguiram ao fim da ditadura -o de Sarney, o de Collor, o de Itamar, o de FHC. Os poucos petistas que votaram pela eleição de Tancredo foram punidos. Erundina, por ter aceito o convite de Itamar para integrar seu ministério, foi expulsa.
Durante o governo FHC, a coisa se tornou ainda pior: Lula denunciou o Plano Real como uma mera jogada eleitoreira e orientou seu partido para votar contra todas as propostas que introduziam importantes mudanças na vida do país. Os petistas votaram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao perderem no Congresso, entraram com uma ação no Supremo a fim de anulá-la. As privatizações foram satanizadas, inclusive a da Telefônica, graças à qual hoje todo cidadão brasileiro possui telefone. E tudo isso em nome de um esquerdismo vazio e ultrapassado, já que programa de governo o PT nunca teve.
Ao chegar à presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio. Não obstante, para espanto meu e de muita gente, conquistou enorme popularidade e, agora, ameaça eleger para governar o país uma senhora, até bem pouco desconhecida de todos, que nada realizou ao longo de sua obscura carreira política.
No polo oposto da disputa está José Serra, homem público, de todos conhecido por seu desempenho ao longo das décadas e por capacidade realizadora comprovada. Enquanto ele apresenta ao eleitor uma ampla lista de realizações indiscutivelmente importantes, no plano da educação, da saúde, da ampliação dos direitos do trabalhador e da cidadania, Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo que sabe muito bem enganar a plateia.
A possibilidade da eleição dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa sobre a competência e a dedicação à coisa pública. Foi Serra quem introduziu no Brasil o medicamento genérico; tornou amplo e efetivo o tratamento das pessoas contaminadas pelo vírus da Aids, o que lhe valeu o reconhecimento internacional. Suas realizações, como prefeito e governador, são provas de indiscutível competência. E Dilma, o que a habilita a exercer a Presidência da República? Nada, a não ser a palavra de Lula, que, por razões óbvias, não merece crédito.
O povo nem sempre acerta. Por duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada -Jânio e Collor. O resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?

SERRA PRESIDENTE


DANUZA LEÃO

Viagens, países

DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/09/10
É fundamental ir para um lugar com o qual você já se identifica por alguma razão; música, por exemplo

VIAJAR NÃO É SIMPLES, sobretudo quando se vai para um destino desconhecido -e às vezes por influência de outra pessoa; cuidado.
Depois de passar pelas torturas normais -longas consultas pela internet para saber qual companhia oferece o melhor preço para a passagem, reservar o hotel e tomar as providências para deixar a vida em ordem, sem esquecer da ração do gato-, chega enfim o dia da partida. Uma viagem começa muito antes de se entrar no avião.
Vou repetir: viajar (bem) não é simples; aliás, é bem complicado. Mesmo com os cartões de crédito, saúde perfeita, o astral lá em cima, pode acontecer de não funcionar. São os riscos, e para evitar que isso aconteça, é preciso tomar muitas precauções.
É fundamental ir para um lugar com o qual você já se identifica por alguma razão; a música, por exemplo. Quando entro num avião para Buenos Aires, já vou ouvindo (na memória, não no iPod) Gardel cantando "Mi Buenos Aires Querido" e outros tangos cujas letras sei de cor.
Adoro Evita, adoro Maradona, adoro a elegância démodé dos argentinos, os jardins de Palermo, adoro saber que não existe nenhum argentino analfabeto. Nenhuma coisa tem a ver com a outra, mas o conjunto me faz adorar a cidade. Às vezes alguém me pergunta se já estive num determinado país, e eu tenho que fazer um esforço de memória para lembrar, olha que absurdo.
É que passei por lá sem saber de nada antes, e não ter procurado me informar -naquelas viagens de pula-pula para depois dizer que sou viajada, que estive em oito países e aí, claro, não me ficou uma só recordação. Adiantou ter ido? Claro que não. Se duas pessoas forem juntas visitar o Coliseu, uma conhecendo a história, a outra não tendo noção, para qual vai ser melhor?
Não tenho a menor vontade de conhecer a Venezuela, mas se for, já sei que não vou achar nada, porque o país não me atrai; então, só para ter mais um carimbo no passaporte, fico na minha casa.
É preciso falar com pessoas que já estiveram na cidade para onde você vai, saber dos passeios, dos restaurantes, das coisas imperdíveis, mas é fundamental que haja uma grande afinidade entre você e quem está dando essas informações. Aliás, mais do que afinidade: sensibilidade. Talvez seja necessário conversar com várias, pois o que é bom para um é péssimo para o outro, e afinidades existem em diferentes níveis: na arte, na gastronomia, nas lindas paisagens, nos lugares mais animados, e por aí vai.
Eu não iria a um restaurante indicado por quem só gosta dos lugares da moda -onde tem gente bonita, como eles dizem; também não perguntaria a um grande amigo que só pensa em futebol qual o melhor endereço para as compras, nada a ver.
É preciso estar identificado com o lugar para onde se vai já antes de ir. Se um sueco for a Salvador tendo lido Jorge Amado, não vai aproveitar muito mais a viagem?
Ninguém pode curtir Lisboa verdadeiramente sem ter lido Eça. Até pode, mas não deve, pois seria uma viagem mais pobre, da qual ficariam apenas algumas lembranças, todas superficiais; para isso, basta olhar uns cartões postais.
Pergunte, se informe, procure saber de tudo, leia autores locais, ouça para que tudo valha a pena e que a viagem se torne algo que você vai guardar para o resto da vida, bem dentro do coração. Só assim seus olhos vão ver coisas preciosas que nunca veriam, pois as cidades, como as pessoas, têm alma, e, sem ela, é o nada.

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

O fantasma da unanimidade
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
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MAÍLSON DA NÓBREGA

Rumo ao passado ( e além)
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FELIPE PATURY

HOLOFOTE
FELIPE PATURY
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CLAUDIO DE MOURA CASTRO

O livro dos porquês
CLAUDIO DE MOURA CASTRO
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FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Democracia virtual

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO 
O Estado de S.Paulo - 05/09/10


Vivemos uma fase de democracia virtual. Não no sentido da utilização dos meios eletrônicos e da web como sucedâneos dos processos diretos, mas no sentido que atribui à palavra "virtual" o dicionário do Aurélio: algo que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual. Faz tempo que eu insisto: o edifício da democracia, e mesmo o de muitas instituições econômicas e sociais, está feito no Brasil. A arquitetura é bela, mas quando alguém bate à porta a monumentalidade das formas institucionais se desfaz num eco que indica estar a casa vazia por dentro.




Ainda agora a devassa da privacidade fiscal de tucanos e de outras pessoas mais mostra a vacuidade das leis diante da prática cotidiana. Com a maior desfaçatez do mundo, altos funcionários, tentando elidir a questão política - como se estivessem tratando com um povo de parvos -, proclamam que "não foi nada, não; apenas um balcão de venda de dados..." E fica o dito pelo não dito, com a mídia denunciando, os interessados protestando e buscando socorro no Judiciário, até que o tempo passe e nada aconteça.

Não tem sido assim com tudo mais? O que aconteceu com o "dossiê" contra mim e minha mulher feito na Casa Civil da Presidência da República, misturando dados para fazer crer que também nós nos fartávamos em usar recursos públicos para fins privados? E os gastos da atual Presidência não se transformaram em "secretos" em nome da segurança nacional? E o que aconteceu de prático? Nada. Estamos todos felizes no embalo de uma sensação de bonança que deriva de uma boa conjuntura econômica e da solidez das reformas do governo anterior.

No momento do exercício máximo da soberania popular, o desrespeito ocorre sob a batuta presidencial. Nas democracias é lógico e saudável que os presidentes e altos dirigentes eleitos tomem partido e se manifestem em eleições. Mas é escandalosa a reiteração diária de posturas político-partidárias, dando ao povo a impressão de que o chefe da Nação é chefe de uma facção em guerra para arrasar as outras correntes políticas. Há um abismo entre o legítimo apoio aos partidários e o abuso da utilização do prestígio do presidente, que, além de pessoal, é também institucional, na pugna política diária. Chama a atenção que nenhum procurador da República - nem mesmo candidatos ou partidos - haja pedido o cancelamento das candidaturas beneficiadas, se não para obtê-lo, ao menos para refrear o abuso. Por que não se faz? Porque pouco a pouco nos estamos acostumando a que é assim mesmo.


Na marcha em que vamos, na hipótese de vitória governista - que ainda dá para evitar - incorremos no risco futuro de vivermos uma simulação política ao estilo do Partido Revolucionário Institucional (PRI) mexicano - se o PT conseguir a proeza de ser "hegemônico" - ou do peronismo, se, mais do que a força de um partido, preponderar a figura do líder. Dadas as características da cultura política brasileira, de leniência com a transgressão e criatividade para simular, o jogo pluripartidário pode ser mantido na aparência, enquanto na essência se venha a ter um partido para valer e outro(s) para sempre se opor, como durante o autoritarismo militar.


Pior ainda, com a massificação da propaganda oficial e o caudilhismo renascente, poderá até haver a anuência do povo e a cumplicidade das elites para com essa forma de democracia quase plebiscitária. Aceitação pelas massas na medida em que se beneficiem das políticas econômico-sociais, e das elites porque estas sabem que nesse tipo de regime o que vale mesmo é uma boa ligação com quem manda. O "dirigismo à brasileira", mesmo na economia, não é tão mau assim para os amigos do rei ou da rainha.


É isto que está em jogo nas eleições de outubro: que forma de democracia teremos, oca por dentro ou plena de conteúdo. Tudo o mais pesará menos. Pode ter havido erros de marketing nas campanhas oposicionistas, assim como é certo que a oposição se opôs menos do que devia à usurpação de seus próprios feitos pelos atuais ocupantes do poder. Esperneou menos diante dos pequenos assassinatos das instituições que vêm sendo perpetrados há muito tempo, como no caso das quebras reiteradas de sigilo. Ainda assim, é preciso tentar impedir que os recursos financeiros, políticos e simbólicos reunidos no Grupão do Poder em formação tenham força para destruir não apenas candidaturas, mas um estilo de atuação política que repudia o personalismo como fundamento da legitimidade do poder e tem a convicção de que a democracia é o governo das leis, e não das pessoas.


Estamos no século 21, mas há valores e práticas propostos no século 18 que se foram transformando em prática política e que devem ser resguardados, embora se mostrem insuficientes para motivar as pessoas. É preciso aumentar a inclusão e ampliar a participação. É positivo se valer de meios eletrônicos para tomar decisões e validar caminhos. É inaceitável, porém, a absorção de tudo isso pela "vontade geral" encapsulada na figura do líder. Isso é qualquer coisa, menos democracia. Se o fosse, não haveria por que criticar Mussolini em seus tempos de glória, ou o Getúlio do Estado Novo (que, diga-se, não exerceu propriamente o personalismo como fator de dominação), e assim por diante. É disso que se trata no Brasil de hoje: estamos decidindo se queremos correr o risco de um retrocesso democrático em nome do personalismo paternal (e, amanhã, quem sabe, maternal). Por mais restrições que alguém possa ter ao encaminhamento das campanhas ou mesmo as características pessoais de um ou outro candidato, uma coisa é certa: o governismo tal como está posto representa um passo atrás no caminho da institucionalização democrática. Há tempo ainda para derrotá-lo. Eleição se ganha no dia.




SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

GOSTOSA

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Previsões previsíveis
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O GLOBO - 05/09/10



Na campanha eleitoral que, a despeito das aparências, transcorre no momento, tenho sentido falta de previsões de pais de santo, videntes, astrólogos e outros que enxergam o futuro.

É possível que não haja público para eles este ano, pois já se está cansado de saber quem vai ganhar. Ou então, não duvido nada, todos eles ficaram obsoletos, porque talvez baste entrar no Google, que ele já fornece os resultados das eleições. Quanto a mim, nunca fui capaz de antecipar nem que bicho vai dar, embora tenha até um certo know-how de prever destinos, adquirido durante a breve temporada em que fui leitor de mãos, amador mas afamado. Numa festa, fui brincar com uma senhora, fingindo que lia a mão dela, e nunca consegui que ela acreditasse que eu entendia tanto de quiromancia quanto de sânscrito arcaico.

O resultado foi que passei a ler mãos a torto e a direito, sempre com grande sucesso. O segredo é simples e passo-o a vocês (royalties aos cuidados da Redação, por favor). Para bem enganar enquanto quiromante, são necessárias apenas alguma imaginação, cara de pau e atenção nas reações do dono da mão ao que lhe é dito.

O começo é simples, basta elogiar caprichadamente a configuração geral da palma da mão (eu não conhecia nem os nomes das linhas, só fui aprender depois de veterano e já esqueci) e, logo em seguida, com o cenho levemente franzido, falar em obstáculos.

Um desses obstáculos - podem arriscar, que dá sempre certo - é causado por uma pessoa próxima, talvez um parente. A partir daí, a maior parte dos pacientes só falta soprar ao "quiromante" o que este deve dizer, para ser tido como infalível. Hoje penso em como perdi a chance de aproveitar a maré enchente e me profissionalizar - este negócio de ler livros, em vez de mãos, não está com nada.

Fazer previsões sobre o Brasil no futuro imediato é ainda mais fácil, porque, quando a gente pensa que alguma coisa vai mudar, não muda nada, a começar pelos mesmos, que sempre estiveram aí e, informa a experiência, sempre estarão. Saíram os que morreram ou se incapacitaram, ou passaram tudo para os herdeiros, ou preferiram uma mamata obscura, das incontáveis que no Brasil abundam e a generosa pátria criou para premiar seus filhos operosos.

A maioria engorda, uns alisam ou pintam o cabelo, outros fazem plástica, todos viajam à Europa e nenhum sai pobre, notadamente os que entraram pobres. No papel, são irrepreensíveis, mas todo mundo sabe que estão ricos. Pode-se ver, pode-se tocar, podese falar. Só não se pode provar e muito menos punir a safadagem que alicerçou o enriquecimento.

Sim, mudaram as alianças, nos últimos anos. Vivem mudando e só duram enquanto a chance de morder o filé não trocar de lado. Quando o olhão se acende, a consciência se apaga.

As alianças, em nenhum momento, tomam em consideração questões ideológicas ou mesmo interesses imediatos dos súditos. Fazem-se das maneiras mais esdrúxulas e atentatórias ao pudor, levando quem ontem xingava a hoje exaltar e quem ontem abraçava a hoje repudiar.

Os que se opõem ao sucateamento descarado de princípios e valores são desdenhosamente taxados de ingênuos, primários ou radicais, até porque suas objeções ignoram as exigências da governabilidade. Governabilidade esta que, para quem está de fora, ou seja, os governados, se resume ao preenchimento de cargos públicos e semelhantes pelos indicados por essas alianças. E, pensando melhor, para os governantes também.

Os partidos? Os mesmos e a mesma conversa, com a exceção dos nanicos, que aí estão apenas para compor a festa democrática. No Senado, as mesmas caras, os mesmos ares farisaicos, o mesmo Senado, com as mesmíssimas características. Na Câmara, também os mesmos, os mesmos em toda parte, os mesmos para onde quer que a gente se volte, os mesmos que ressurgem como assombrações quando alguém clama por renovação e que perduram entra ano, sai ano, vem eleição, vai eleição. E os mesmos programas, que promoverão a justiça social, investirão em saneamento básico, darão prioridade à educação e à saúde e assim por diante - ouviu um, ouviu outro.

Agora esse escândalo da Receita Federal praticamente não causou revolta em ninguém e também é facílimo prever que vai ficar tudo por isso mesmo.

Podem perguntar o que quiserem à Receita Federal, que ela é soberana e não dá satisfações e o cidadão não tem nada com isso, tem mais é que pagar, calar a boca e deixar as autoridades em paz. Não consigo imaginar país nenhum em que um descalabro desses não fosse objeto de uma indignação sem medidas e unânime, com todas as consequências disso advindas, inclusive punições, sanções e reformas enérgicas.

Aqui não. Aqui é tratado como uma fofoca de campanha, quando a avacalhação do sigilo de dados confidenciais não precisa ter nada a ver com campanha nenhuma, como comprova a venda acintosa de informações também confidenciais.

É um abuso inominável, um crime contra a credibilidade e a estabilidade das instituições, mas a carneirada dá de ombros e procura o caderno de variedades para ler, em vez da chatice que afeta sua vida. Em que confiar, em que acreditar? Grandes coisas, estas previsões, agora que as vejo aqui expostas. Qualquer um poderia fazer estas e outras, é só olhar em torno ou ligar a televisão. Mas não custa ser explícito e novamente creio que muita gente pensa como eu.

Ninguém mais, que eu saiba, duvida que d. Dilma se eleja (presidenta, segundo ela; daqui a pouco haverá gerentas de bancos e jovens adolescentas).

Acho que apenas o dr. Serra ainda bota fé no contrário. Mas ele deve é se preparar para ter o ex-presidente Lula como companheiro de oposição, uns dois anos depois da posse da presidenta.

Para prever, é só viver e ver.

É abuso inominável, um crime contra as instituições, mas a carneirada dá de ombros

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Voto na Mulher Ceasa!


JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/09/10

E o escândalo da quebra de sigilo da filha do Serra? Tem a cara do programa dele: o povo não entende!
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!
Ereções 2010! Chega de pleito! Queremos blunda! Brasileiro não gosta de pleito, gosta de blunda! Da Mulher Pêra!
  E sabe como o Corinthians vai pagar o novo estádio? Vendendo o Ronaldo. POR QUILO! Rarará.
E a frase do dia: quero quebrar o sigilo fiscal e a cara da minha sogra! Rarará!
E adorei aquele candidato baiano: "Pinto! Por uma Bahia que tem pressa". Rarará!
Na Bahia, nem pinto tem pressa! E eu tenho que trazer para o meu Partido da Genitália Nacional, o PGN, aquela mulher que faz filme pornô no centro de São Paulo: a Mulher Ceasa. Junta tudo que é mulher fruta. Já come a fruteira inteira.
E a Dilma é o novo Zagallo. "Vocês vão ter que me engolir!" Então manda ela tirar aquele laquê. Que eu não gosto de engolir nada crocante. A Dilma não tá blindada. Tá laqueada. A Dilma é um laquê ambulante. A Mulher Laquê! Rarará!
E o escândalo da quebra de sigilo da filha do Serra? Escândalo chato! Esse escândalo tem a cara do programa do Serra: o povo não entende nada.
E eu quero sexo e sangue. Eu quero saber quem comeu quem. Eu quero quebrar o sigilo da Cléo Pires!
E a Nair Bello do Twitter: "Se quebrarem o meu sigilo, vão descobrir que eu declarei que tenho Alzheimer e gota. Rarará!
E o bom do escândalo é que o Serra parou de falar de saúde. Alívio!
  E uma leitora me disse que o programa do Serra tá parecendo boletim de ocorrências!
  E sabe como se chama o diretor da Receita? Cartaxo. Esconderam tudo embaixo do Cartaxo! Vou deixar a chave e o sigilo da filha do Serra embaixo do cartaxo. Rarará!
E eu já disse que não quero saber o Imposto de Renda da filha do Serra. Eu quero saber qual foi a sua primeira reação quando viu a cara do pai. Rarará! O Serra parece rabo de cavalo, só cresce pra baixo.
E a Dilma RouCHEFE vai enfrentar um problema: não poderá botar a culpa no governo anterior!
E se o Tiririca ganhar, qual será o seu discurso no Congresso? "Abestados e abestadas!" Rarará.
Olha, a situação tá ficando psicodélica. Eu acho que o Brasil tomou um ácido no café da manhã. Eu vou votar no Oreia. Pra coisa ficar feia!
Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

SENADOR JOSÉ AGRIPINO

DORA KRAMER

Às favas com os direitos
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/09/10
Só pesquisas podem medir com alguma chance de precisão se um episódio como o da quebra reiterada de sigilo fiscal nas dependências da Receita Federal mexe com a sensibilidade do eleitorado ao ponto de fazer da preservação do Estado de Direito um dos fatores para definição de voto.
A primeira impressão é a de que não influi. Isso com base no peso que a população tem dado a questões como valores e princípios.

A ética foi enterrada como indigente. Em silêncio, sem choro nem vela e à grande maioria pouco se lhe dá se o Estado aumenta seu poder discricionário, invade privacidade, agride a Constituição, barbariza com o patrimônio público, usa, abusa e ainda sai dizendo que o que vem debaixo não o atinge.
Distorce a verdade para fazer o papel de vítima sabendo-se na condição de algoz.
Permite que o ministro da Fazenda assuma como normal a insegurança dos dados do contribuinte e, se alguém diz que isso é crime de responsabilidade, acusa “golpe eleitoral”.
Enquanto isso os mais pobres se alegram em poder comprar, atribuindo a bonança à ação de um homem sem compreender que é resultado de um processo; os mais ricos não querem outra vida; os mais retrógrados nunca tiveram tanto cartaz; os mais à esquerda não perdem a esperança de vir a ter; os mais conscientes percebem algo fora do lugar, mas preferem se irritar porque não têm ao seu lado também um líder carismático e sem pudor.
Em um cenário assim desenhado, convenhamos, os valores que estão em jogo soam difusos para o grosso do eleitorado: os deveres do Estado e os direitos do cidadão.
Neste Brasil de tantas necessidades é provável que, se for posto na balança de um lado o crédito farto e de outro a liberdade parca, o prato penda a favor do consumo largo.
É um debate difícil de ser feito. Quase impossível em períodos eleitorais porque sempre haverá por parte dos acusados a alegação de que são injustamente atacados por adversários “desesperados”, enquanto a essência da questão se perde: a invasão do espaço institucional por tropas de ocupação com interesses específicos. Ideo lógicos, fisiológicos ou simplesmente corruptos.
Sob a indiferença das vanguardas (onde?) e deixadas à mercê do poder da propaganda, as pessoas não conseguem ter a dimensão da gravidade.
Não atentam para o seguinte: o Estado que deixa sigilo ser quebrado, não se incomoda com propriedades privadas invadidas e insiste no controle dos meios de comunicação amanhã ou depois pode querer reduzir a liberdade alegando agir em prol do povo e do patriotismo como fator indispensável ao triunfo do Brasil.
Por isso é improvável que haja repercussão eleitoral. Se houver, terá sido por causa dos tropeções e das contradições do governo.
A naturalidade do ministro da Fazenda ao dizer que as informações do contribuinte não são invioláveis é tão escandalosa quanto a quebra de sigilo.
Nesse caso a urgência fez a imprudência. No afã de afastar de Dilma Rousseff as suspeitas de uso político da má quina pública, Guido Mantega informa ao público pagante que a Receita Federal e a casa da mãe joana são ambientes similares.
Uma confissão de incapacidade de prestar o serviço contratado pelo cidadão e a impossibilidade de cumprir a lei que se impõe a todos.
É a rendição do Estado à ação do crime.
A propósito, se era para dizer uma estultice dessa envergadura, o ministro da Fazenda estava mais bem posicionado em sua omissão diante dos fatos.
Quórum
Dos 22.561 candidatos inscritos às eleições deste ano só 55 haviam se cadastrado no site ficha limpa.org.br até a tarde de sexta-feira.
Significa dizer que 0,24% dos concorrentes a mandatos se dispuseram a firmar compromisso com a Lei da Ficha Limpa e a se manalmente prestar contas so bre as doações e os gastos nas respectivas campanhas eleitorais, apresentando também declaração de que não são alvos de processos nem renunciaram a mandatos eletivos para evitar cassações.

BAR ZIL

RENATO PACCA

Incoerência ambulante
RENATO PACCA
O GLOBO - 05/09/10



O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou os peritos do INSS que estão em greve e reivindicam redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais. Em tom irônico, disse que acha "muito engraçado" que no Brasil as pessoas queiram trabalhar menos. Segundo ele, "virou mania" querer trabalhar 30 horas e logo todos "vão querer ganhar sem trabalhar".

Ocorre que o presidente acaba de sancionar a Lei n o12.317, de 26 de agosto de 2010, fixando a duração do trabalho do assistente social em exatas 30 horas semanais, o que nos faz lembrar a época em que o Congresso Nacional votou a derrubada da CPMF e Lula buscou inspiração na obra de Raul Seixas para justificar sua súbita e apaixonada defesa da contribuição que outrora tanto criticou.

De olho nos valores que engordavam o orçamento, o presidente esqueceu todas as raivosas críticas contra a CPMF, assim como varreu para debaixo do tapete sua oposição à Lei de Responsabilidade Fiscal, ao Proer, ao Plano Real, entre outros assuntos, achando melhor se assumir como uma "metamorfose ambulante" do que ter "aquela velha opinião formada sobre tudo".

A obra do genial cantor e compositor baiano, contudo, não pregava mudanças políticas repentinas por força de interesses de ocasião. Lula se apropria das ideias de Raul Seixas para que caibam em sua própria retórica, expondo-se não como uma "metamorfose ambulante", mas antes como uma verdadeira "incoerência ambulante".

No caso dos assistentes sociais, o texto legal deixa expresso que aos profissionais com contrato de trabalho em vigor na data da publicação da lei é garantida a adequação da jornada de trabalho, vedada a redução de salário.

Quem pagará a conta? Hospitais, escolas, creches, clínicas, ONGs, entidades de beneficência em geral e todas as demais instituições do terceiro setor que empregam assistentes sociais em seus quadros e que, de um dia para o outro, sem qualquer regra de transição, foram surpreendidas pela inesperada redução da jornada de trabalho dos profissionais contratados, sem a respectiva diminuição salarial compensatória, o que poderá gerar demissões e desemprego no mercado.

Ao criticar os peritos do INSS em greve pela jornada de 30 horas semanais, cinco dias após ter sancionado a lei que garante o mesmo direito aos assistentes sociais, o presidente revela-se mais preocupado com os danos que possam ser causados à imagem de seu governo do que com a coerência de ideias.

As convicções de Raul Seixas certamente eram mais profundas.

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Café e leite
RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 05/09/10 

Em uma semana, os votos transgênicos ‘Dilmasia’ e ‘Dilmalckmin’ adotaram trajetórias inversas no Datafolha. Em Minas, cresceu de 28% para 49% a fatia do eleitorado que escolhe Antonio Anastasia (PSDB) para governador e Dilma Rousseff (PT) para presidente. Má notícia para José Serra, mas também para Hélio Costa (PMDB), em tese o parceiro local da petista. Já em São Paulo, o percentual dos que preferem Geraldo Alckmin (PSDB) e Dilma caiu de 39% para 32%. 
Os movimentos coincidem, respectivamente, com a concentração da agenda de Serra em sua base eleitoral e com a escalada de Anastasia nas pesquisas. 

Realinhamento 1 - Os problemas de saúde que impedem Orestes Quércia (PMDB) e Romeu Tuma (PTB) de fazer campanha introduziram um elemento imponderável na reta final da disputa pelo Senado em SP. 

Realinhamento 2 - O PT enxerga no novo quadro a chance da consolidação da dianteira da dupla Marta Suplicy e Netinho de Paula (PC do B). Já o PSDB avalia que Aloysio Nunes tem condições de obter apoio de quercistas e tumistas, eleitorado mais próximo do tucano. 

Um dia... - José Serra está um poço de mágoa com Guido Mantega. Semanas atrás, quando a filha do ministro da Fazenda foi envolvida numa guerra de dossiês, o tucano, para desgosto de muitos correligionários, veio a público dizer que Mantega ‘é um homem correto’. 

...depois do outro - O ministro, que chegou a ligar para Serra descartando a possibilidade de quebra de sigilo fiscal da filha do candidato, não voltou a procurá-lo quando a violação ficou caracterizada. Na sexta, Mantega afirmou em entrevista que essas coisas acontecem. 

Não é... - Há um buraco na narrativa segundo a qual a situação ‘casa da mãe Joana’ da Receita Federal se deve ao aparelhamento promovido no órgão pelo PT. 

...o que pa re ce - Para se viabilizar como substituto de Lina Vieira, uma das providências tomadas por Otacílio Cartaxo foi pedir a bênção de Everardo Maciel. Hoje, o poderoso secretário da era tucana tem gente sua instalada em postos-chave da Receita. 

Privacidade - Dilma não é grande entusiasta da ideia de exibir o neto, que deve nascer a qualquer momento, na propaganda de TV. Mas há quem tente convencê-la. Os mais próximos apostam que a petista autorizará, no máximo, a divulgação de uma foto sua com a criança. 

Forcinha - Lula gravou novo depoimento para o programa eleitoral de Osmar Dias (PDT), aliado de Dilma e segundo colocado na disputa pelo governo do Paraná. Há muitas críticas às peças levadas ao ar até agora, sobretudo pelo fato de o pedetista aparecer na televisão quase sempre sozinho. 

Testemunhal - Ciro Gomes estreia amanhã no programa do correligionário Paulo Skaf (PSB), 3% no Datafolha para o Palácio dos Bandeirantes. O ex-ministro dirá que não é ‘de pedir votos’, mas que neste caso é diferente. ‘Assino embaixo.’ 

Fala sério - A pedido da direção do PSB, Gabriel Chalita, do qual se espera grande votação para deputado federal por São Paulo, gravará uma inserção na qual pedirá ‘mais seriedade’ na campanha. Trata-se de resposta ao fenômeno Tiririca (PR), que assusta petistas e demais integrantes da coligação apoiadora da candidatura de Aloizio Mercadante (PT). 

Tiroteio





Para vir a público dizer que vazamento de dados fiscais é algo normal, era preferível que o ministro tivesse ficado em silêncio. Ao menos teria o benefício da dúvida. 

DO DEPUTADO FEDERAL WALTER FELDMAN (PSDB-SP), sobre a manifestação de Guido Mantega a respeito da violação do sigilo de Verônica Serra.


Contraponto

Ócio criativo 

Em conversa com alunos da rede Marista, Marina Silva (PV) pregava a importância do estudo para que cada um tenha a chance de decidir o próprio futuro: 
_Se eu tiver uma boa educação, posso escolher o que eu quiser ser. Se não quero ser médica, posso ser jornalista_ exemplificou a candidata, que continuou: 
_Posso até ser desocupado, mas competente: ‘Não trabalho porque não quero, mas sei fazer as coisas’. 
Os jovens, até então quietos, explodiram em palmas e gritos entusiasmados. Marina emendou com ironia: 
_Eu sei que estas palmas todas foram para a referência à competência, e não para o ‘desocupado’... 

GOSTOSA

ELIO GASPARI

Criaram o comissariado da Receita
ELIO GASPARI
O GLOBO - 05/09/10

O controle da Receita Federal pelo comissariado do Planalto ficou exposto quando o repórter Leandro Colon descobriu que durante 20 horas o Ministério da Fazenda e os companheiros do fisco sustentaram que as declarações de Imposto de Renda da filha de José Serra haviam sido solicitadas por ela. Desde as 13h42m de terça-feira a Corregedoria sabia que o contador que apresentara a “procuração” da empresária tinha quatro CPFs. Enquanto puderam, omitiram esse fato, fazendo de bobos a quem lhes deu crédito.

As violações dos sigilos fiscais de tucanos revelaram que os controles da Receita são ineptos (as operadoras de cartão de crédito avisam ao freguês quando ocorrem transações esquisitas com seu plástico) e inimputáveis (um servidor passa suas senhas a outro e continua no emprego). Essa é a porta do supermercado, mostrada em junho pelo repórter Leonardo Souza.

Há outra, para os atacadistas. É a da centralização dos programas de fiscalizações. Até dezembro passado, esse serviço era capilar, e as delegacias da Receita, em torno de cem, planejavam suas fiscalizações. Com a portaria 3.324, alterada em junho pela 1.317, cada unidade deve mandar a lista de sua programação relacionada com grandes contribuintes a Brasília, de onde descerá outra, para ser cumprida. Nessa malha entram empresas com mais de R$ 20 milhões de faturamento ou folha superior a R$ 3 milhões e pessoas com renda anual acima de R$ 1 milhão. Assim, a delegacia de Araçatuba programa fiscalizar Guido, Otacílio e Henrique, mas pode receber de volta uma lista dizendo-lhe que deve fiscalizar Henrique, Guido e Armínio. Até 30 de setembro as delegacias devem mandar a Brasília os nomes das vítimas de 2011.

Outra portaria, a 1.338, determinou que todos os trabalhos “concluídos ou em andamento” relacionados a pessoas físicas com renda anual superior a R$ 1 milhão sejam enviados para a Equipe do Programação de Maiores Contribuintes, o Epmac, o BigMac do comissariado. Ficará tudo na mão de um grupo de, no máximo, dez servidores.

Sabendo-se o que se sabe, cada pessoa pode avaliar o que essa centralização provoca: 1) Melhora a fiscalização dos gatos gordos, colocandoos sob a vigilância de uma equipe especializada.

2) Cria uma butique da Receita, onde os gatos gordos receberão atendimento VIP.

3) Entrega ao comissariado o poder de incluir, excluir, aporrinhar ou seduzir gatos gordos.
Ato falho?
Lula anunciou que tem toda a confiança nas investigações da Polícia Federal e da Receita para descobrir por que e como violaram os sigilos fiscais dos tucanos.

Convém que o pessoal da PF e da Receita não se esqueça de que aquele casal que está do outro lado da calçada não está passeando. São procuradores do 
Ministério Público. Nosso Guia se esqueceu deles.
A lágrima de Blair
Em janeiro passado o governador Sérgio Cabral convidou o exprimeiroministro inglês Tony Blair para prestar serviços de consultoria ao Rio de Janeiro na preparação das Olimpíadas. Seria o tipo do dinheirinho fácil pelo qual Blair adquiriu gosto.

Talvez Cabral deva reavaliar o convite. Blair acaba de publicar um livro de memórias e nele diz o seguinte: “No dia 22 de julho [de 2005] tivemos a morte trágica do estudante brasileiro Jean Charles de Menezes, que se revelou um terrível erro, no qual eu também fiquei profundamente entristecido pelos policiais que estavam agindo de boa fé, tentando garantir a segurança do país.” O sujeito sai de casa, entra num vagão de metrô, toma sete tiros na cabeça, sem que lhe tenham feito uma só pergunta, e o consultor do governo do Rio está mais preocupado com o constrangimento dos assassinos.
Registro
Sabe-se de casos de empresários que foram procurados por sindicalistas com reivindicações de natureza política, acompanhadas de ameaças de “chamar o pessoal da Receita e da fiscalização”.

Fica apenas o registro do receio das vítimas de denunciar publicamente a chantagem.
Boa notícia, empresários amparam estudantes
Há um mês um grande empresário decidiu contribuir para formar quatro brasileiros admitidos numa prestigiosa universidade privada (caríssima). Todos tinham bom desempenho escolar e vinham de famílias às vezes dissolvidas, sempre pobres. O filantropo fez questão de proteger todas as identidades do episódio.

Publicada a notícia, veio a boa novidade.

Outro empresário resolveu acompanhar o exemplo e replicou a iniciativa, inclusive no anonimato. Pagará as anuidades de outros quatro jovens, que receberão pequenas ajudas em dinheiro e um laptop. Na primeira doação, a conta ficou em cerca de R$ 130 mil anuais.

Todos são bons alunos, dois vivem em favelas, e um mora a três horas de distância da faculdade. A renda familiar das quatro famílias vai de R$ 1.900 a R$ 2.200. Dois foram criados pela mãe. Um não tem memória do pai. São filhos de garçom, motorista de ônibus, auxiliares de cozinha e de serviços gerais e vendedora de produtos de beleza.

Uma das famílias está sob ameaça de despejo da casa onde vive. Graças aos próprios esforços e com a ajuda do empresário, em pouco tempo estarão diplomados em Direito, Engenharia, Ciências Sociais e Jornalismo.
O e-mail
De Richard.Nixon@inferno.org, a quem interessar possa: “Eu não perdi a Presidência dos Estados Unidos por ter mandado grampear o escritório dos democratas no Edifício Watergate.

Dancei porque tentei atrapalhar as investigações.

Outra coisa: logo que aqueles dois cabeludos do ‘Washington Post’ começaram a publicar coisas que eu julgava blindadas, desconfiamos do Mark Felt, que ocupara o segundo lugar na hierarquia da Polícia Federal. Depois que eu cheguei aqui é que soube que ele era o ‘Deep Throat’.

Só aqui fui descobrir que, antes do Felt, o chefe da Polícia Federal, Patrick Gray, traiu-me e deu uma pista para um repórter do ‘The New York Times’. Ele ia entrar em férias, passou a informação para a chefia, e ela frangou.

Bem feito.”
Madame Natasha
Madame Natasha tem um fraco por novidades eletrônicas e pelas palavras que elas incorporam ao vocabulário. Adora o termo “laptop” e encantou-se com “iPod”. Ela aceita até importações inexplicáveis. Quando alguém fala em “deletar” um texto, bem que poderia dizer “apagar”, mas deve-se reconhecer que o novo termo enriquece o vocabulário, incorporando ao português o “delete” do inglês. Tudo bem.

O que Natasha não entende é por que, com uma tabuleta nas mãos, alguém diz que aquilo é um “tablet”. A palavra foi pirateada pelos ingleses, que capturaram a “tablete” no patrimônio vocabular francês, um diminutivo da “tabula” latina. Não faz sentido que uma palavra existente no vocabulário português seja importada com uma nova grafia e pronúncia.

Desse jeito, acabarão chamando Pindorama de “Brazil”

MERVAL PEREIRA

Cidadômetro
Merval Pereira
O GLOBO - 05/09/10



Nesses dias em que predomina a percepção de que estamos fragilizados como cidadãos, impotentes diante das seguidas demonstrações de que um órgão do Estado brasileiro como a Receita Federal, que deveria ser o guardião de dados pessoais de cada um dos contribuintes, está exposto à ação de quadrilhas que compram e vendem sigilo fiscal e, sobretudo, à manipulação política, vale a pena discutir o que é possível fazer para reforçar a cidadania contra a leniência (ou cumplicidade) do Estado.

O publicitário Jorge Maranhão, dedicado à causa da cidadania e que tem o site "A voz do cidadão", onde põe em debate os direitos e os deveres de um cidadão, está planejando colocar em circulação pelas cidades do país o Cidadômetro, concebido como uma complementação do Impostômetro, que mede, em São Paulo, o quanto de impostos o cidadão paga, soma que vai bater R$ 1 trilhão antes do fim do ano.

Assim como o relógio que mede os impostos, localizado na Avenida Paulista, procura chamar a atenção do consumidor para o tamanho de nossa carga tributária, Maranhão quer fazer o que chama uma "medida de cidadania", tanto no sentido de iniciativa quanto de mensuração propriamente dita.

O projeto procura levar o debate público para a rua, para o cidadão comum, estimulando a pluralidade de opinião. Uma espécie de "Ágora ambulante", sonha Jorge Maranhão, referindose ao espaço público na Grécia Antiga, onde ocorriam discussões políticas e os tribunais populares.

A ideia é testar nas ruas se você é um cidadão tão exemplar quanto imagina.

Maranhão acha que o problema da Receita Federal "é exemplo do que acontece hoje na política brasileira, onde há um claro interesse corporativo que confunde instituições do Estado que devem servir mais aos cidadãos que pagam impostos, do que aos governantes".

É preciso, segundo ele, entender que as instituições do Estado são perenes e que "ou se constrói a democracia com instituições fortes, ou vamos deixar espaço para que venha um tirano ocupálo, tanto faz se é de direita ou de esquerda".

A própria reação dos governistas, que consideram que as quebras de sigilo fiscal ocorridas nas agências da Receita no ABC paulista não terão repercussão no eleitorado, já que a grande maioria dos eleitores nem mesmo declara o Imposto de Renda, é uma demonstração de como não se leva em conta os direitos dos cidadãos.

"O que estamos fazendo para aperfeiçoar as instituições, como a Receita Federal, para nos apropriarmos publicamente das instituições?", pergunta Maranhão.

Ele lembra que até bem pouco tempo tínhamos "aquele sensato temor em relação à Receita Federal, à Polícia Federal, que eram vistas como instituições sérias, as famosas 'carreiras' do Estado".

Hoje, o temor saudável transformou-se em receio de que essas mesmas instituições abusem de seus poderes contra qualquer cidadão que seja considerado um "adversário".

Ou que elas estejam a serviço de interesses privados criminosos, quebrando sigilos fiscais com fins comerciais ou grampeando conversas telefônicas.

Maranhão está convencido, no entanto, de que a opinião pública brasileira hoje quer mais questionar e perguntar do que "ouvir a empulhação das autoridades".

As afirmações das autoridades nesse caso da Receita não são de políticas públicas, mas de governo. Jorge Maranhão dá o processo de construção da Lei da Ficha Limpa como um exemplo de atuação da cidadania, que interferiu objetivamente na vida política nacional.

Ele se engajou na campanha da Ficha Limpa, colocando sua ONG A Voz do Cidadão ao lado de outras 50 ONGs, entidades e movimentos que atuaram formando o Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE).

"Conseguimos superar barreiras corporativas dentro do Congresso Nacional, fomos inicialmente recebidos a pedradas", lembra Maranhão.

Para ele, não é apenas a cidadania que é um valor corrompido no Brasil. São todos os valores. "A questão brasileira não é a corrupção política, mas a corrupção dos valores." Isso gera a confusão do público com o privado, do Estado com os programas de governo. O Cidadômetro pretende sair pelas ruas das cidades - inicialmente no Rio de Janeiro - para perguntar ao cidadão comum: "Você transforma sua indignação em uma arma de engajamento?"; "Você ocupa a calçada com seu carro, mas não gosta que o camelô ocupe a calçada?" A Voz do Cidadão definiu três tipos de cidadão: o "solidário", que deseja participar, mas o faz mais por caridade, convicção moral ou espírito humanitário do que imbuído de uma plena consciência de seu papel na sociedade. O "consciente", que sabe o seu papel na sociedade e tem posição crítica em relação a governantes, gestores públicos e políticos, mas não passa disso e acha que tudo se resolve com o Estado. E o "atuante", que, com base na percepção crítica que o cerca, não só pensa como age em direção à cobrança de resultados e à fiscalização de diferentes esferas de poder público, sempre estimulando os outros a fazerem o mesmo. Este seria o Cidadão Exemplar.

Jorge Maranhão sonha levar o caminhão do Cidadômetro para todos os lugares do país, inclusive Brasília. A questão da ocupação dos espaços públicos é replicável no Brasil inteiro; a demagogia no Morro do Bumba, em Niterói, construída sobre um aterro sanitário, que foi destruída nas chuvas, se reproduz em vários estados do país.

A versão completa do Cidadômetro teria ferramentas eletrônicas de interação, que divulgariam as respostas em tempo real.

Haveria também totens montados em estacionamentos de shopping centers, supermercados, campi universitários. Com base nas respostas, será montado um Índice de Consciência de Cidadania.

Tudo com o objetivo final de estimular o cidadão a agir como responsável pela fiscalização do espaço público onde vive.