sábado, maio 08, 2010

MÔNICA BERGAMO

Capítulo final
MÔNICA BERGAMO
folha de são paulo - - 08/05/10

Batido o martelo: o novo presidente do conselho da Fundação Padre Anchieta, que controla a TV Cultura, será o professor Moacyr Expedido Vaz Guimarães. Decano do colegiado, "mais antigo até do que eu", diz o atual presidente, Jorge da Cunha Lima, o professor foi o primeiro a assinar um manifesto contra Paulo Maluf quando ele, governador de São Paulo nos anos 70, tentou destituir o conselho da instituição. "Estamos fazendo uma homenagem", diz Cunha Lima. Gabriel Jorge Ferreira, ex-presidente da Febraban, também cotado para o cargo, não quis concorrer.
LIVRE 
A eleição é na próxima segunda-feira. "Ela será muito importante porque, desta vez, o governo [de São Paulo] não interferiu na escolha do conselho. Pelo menos esse cargo poderemos indicar livremente", diz Cunha Lima. O governador Alberto Goldman (PSDB-SP) teria deixado o colegiado da fundação "absolutamente à vontade" para eleger o próximo presidente. Já João Sayad, que comandará a TV Cultura, foi indicação direta do Bandeirantes, alinhado com o presidenciável José Serra (PSDB-SP).
MODELO 
E Cunha Lima será homenageado na próxima semana, em Sevilha, pela Associação das TVs Educativas e Culturais Ibero-Americanas por sua contribuição à discussão sobre gestão e modelo de TV pública cultural no Brasil e no mundo.
O PADRINHO NÃO QUER 
A notícia divulgada nesta semana de que o cantor Frank Aguiar (PTB-SP), vice-prefeito de São Bernardo do Campo, se colocou "à disposição" para ser vice de Aloizio Mercadante, numa pouco provável aliança PT-PTB para o governo de São Paulo, não parece seduzir a direção de sua legenda. "O Frank é meu afilhado de casamento, meu irmão, e tem o direito de fazer as tratativas que quiser, mas nosso apoio ao Geraldo [Alckmin] é irreversível", diz o deputado estadual Campos Machado, presidente do PTB em SP. Machado, no entanto, tinha reunião marcada para ontem com o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT-SP).
FOCAS 
A MTV negocia a produção de um programa jornalístico voltado ao público jovem com a Endemol, dona dos formatos "1 Contra 100", do SBT, e "Extreme Makeover Social", que estreia em julho na Record. Se o negócio for fechado, deve estrear ainda neste ano.
CANTO E DANÇO 
Dentre as 27 candidatas que disputarão hoje o título de Miss Brasil, em São Paulo, cinco dizem que são também cantoras.
VIRADA CHILENA 
Uma festa com 53 horas de duração em prol das vítimas do terremoto no Chile acontece a partir da próxima sexta-feira, no Club A, em São Paulo. O evento, organizado por empresários argentinos e chilenos radicados no Brasil, terá campeonato de pôquer, shows, DJs de música eletrônica, 15 modelos trabalhando como garçonetes e a apresentadora russa Lola Melnick como embaixadora da noite. Os organizadores pretendem arrecadar R$ 1 milhão em doações. Os ingressos custam de R$ 100 a R$ 600.
FRIO 
Além de Buenos Aires, a diretora Sandra Werneck ("Sonhos Roubados") vai filmar na Patagônia, na Argentina, parte de seu novo filme, "O Lugar do Desejo", com estreia prevista para o próximo ano.

O longa contará a história de duas mulheres maduras que desejam viver uma a vida da outra. A primeira é dona de casa e cuida dos filhos; a segunda privilegiou a carreira.
Padrinhos do Solar
Um fim de semana na suíte Deluxe do hotel Fasano Rio, obras de Vik Muniz, Adriana Varejão e Ernesto Neto e uma poltrona Diz, de Sérgio Rodrigues, serão leiloados na terça-feira em um jantar beneficente no restaurante Fasano Al Mare.
O evento tem por objetivo arrecadar recursos para a ONG Solar Meninos de Luz (http://www.meninosdeluz.org.br), que atende 400 crianças e jovens nos morros do Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, no Rio de Janeiro, com programas de educação formal em horário integral. No jantar, com cardápio especial preparado pelo chef Luca Gozzani, será também lançada a campanha Padrinho do Coração.
A ideia é conquistar novos doadores que ajudem, com contribuições mensais a partir de R$ 8, a manter o Solar. Os convites para o jantar custam R$ 1.200. Yolanda Maltaroli, fundadora do Solar, acredita que, com isso, poderá unir "colaboradores sensíveis a uma forma humanista de educar crianças marcadas por um ambiente hostil".
CURTO-CIRCUITO 
A BANDA Sua Mãe, do ator Wagner Moura, faz show hoje, às 23h, no Studio SP. Classificação etária: 18 anos.
A MOSTRA "Fotorama", do fotógrafo Marcelo Tinoco, será inaugurada hoje, às 11h, na galeria Nuvem, em Pinheiros.
O MAM-SP promove hoje, às 15h, mesa-redonda sobre design com mediação de Adélia Borges.
A LOJA MICASA apresenta a mostra "Caçamba SP" hoje, das 14h às 17h, na rua Estados Unidos, nos Jardins.
O TÉCNICO Mario Sérgio Andrade Silva realiza hoje, às 13h, o evento Pizza Solidária, no Quintal do Bráz, com renda revertida para a Associação Esporte Solidário.
A FESTA Sambacana acontece hoje, às 23h, com os DJs Black Broder e Thiago Guimarães, na Livraria da Esquina. 18 anos.

PARA COMEMORAR o Dia das Mães, o spa Unique Garden, em Mairiporã, permitirá a entrada de crianças amanhã.
A 2ª ETAPA do circuito de hipismo Mitsubishi Sportv RidersCup acontece hoje na Hípica Porto Alegrense, em Porto Alegre.
com DIÓGENES CAMPANHALEANDRO NOMURA e LÍGIA MESQUITA

MERVAL PEREIRA

Lula alimenta sua lenda
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 08/05/10


O presidente Lula está claramente tentando adiar o começo do período “pós-Lula”, prolongando sua permanência no poder com a expectativa de continuidade através da candidata Dilma, ou de uma atuação política comandando a oposição. Ao dizer que Dilma não cresce nas pesquisas porque ele ainda não subiu nos palanques com ela para pedir votos, Lula alimenta sua lenda para evitar a debandada dos aliados.
Enquanto isso, o candidato tucano, José Serra, está levando longe demais a estratégia de se colocar como o “pós-Lula”, figura que o exgovernador de Minas Aécio Neves criou quando ainda disputava a candidatura com Serra dentro do PSDB.

De tanto se esforçar para demonstrar que não é um adversário de Lula, o candidato tucano chegou ao cúmulo de dar um cheque em branco ao presidente no caso do reajuste dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo, apoiando de antemão qualquer que seja a decisão do presidente.

Quando um não quer, dois não brigam, é esse recado que Serra está enviando diariamente a Lula, dificultando a estratégia oficial de transformálo no “anti-Lula”.

Embora esteja dando certo, a estratégia tem que ser bem calibrada, para não transformar Serra em um candidato sem forma nem conteúdo.

A terça parte do eleitorado que vota naturalmente no PSDB pode estar achando até graça na estratégia, mas a outra terça parte, que não é nem tucana nem petista, e está esperando as propostas dos candidatos para se definir, pode ficar confusa com o malabarismo de Serra.

Numa coisa, no entanto, ele está certo: no lançamento da proposta de governo de união nacional em torno de um projeto de país.

Houve diversos momentos nos últimos anos em que PT e PSDB, os dois partidos que dominaram a política nacional nos últimos 20 anos, estiveram a ponto de unir forças, mas as contingências políticas só fizeram afastá-los.

O próprio presidente Lula revelou mais de uma vez a vontade de procurar o PSDB para poder abrir mão de acordos fisiológicos no Congresso, mas as primeiras tentativas foram bloqueadas pela definição do então chefe do Gabinete Civil, José Dirceu, que considerou que a aproximação seria uma derrota.

Lula acabou convencido de que o PSDB queria ser chamado para provar a incapacidade dos petistas de governar.

O ex-presidente Fernando Henrique revelou anos depois que, ao fazer a transição de poder da maneira cordial e transparente, considerava a possibilidade de estar criando um clima político favorável à aproximação dos dois partidos, o que acabou não acontecendo.

O mensalão, em 2005, acabou se transformando em um obstáculo intransponível à aproximação, exacerbando as diferenças em vez de ressaltar as proximidades.

À medida que o modelo de Estado petista foi se revelando mais empreendedor do que indutor, e que o aparelhamento da máquina pública pelos sindicalistas do PT e seus aliados foi se transformando em uma prática política característica, estabeleceu-se uma distância difícil de superar entre os dois partidos.

A candidata do PV à Presidência, senadora Marina Silva (AC), definiu a situação ao comparar a maneira de governar do PT com a do PSDB, dizendo que os tucanos se apoiaram no que há de pior no PFL, e o PT no que há de pior no PMDB.

“Precisamos acreditar na ética dos valores. Tentamos governar sozinhos no PT, sem dialogar com PSDB e acabamos com o pior do PMDB”, definiu Marina.

A ideia de, no “pós-Lula”, conseguir um acordo com o PT, ou setores do partido, para a aprovação de reformas estruturais como a previdenciária ou a tributária, é uma tentativa de dar um passo à frente no nosso processo político.

Mas, em vez de ser uma heresia, como definiu Serra, é mesmo uma utopia difícil de ser realizada.

Ainda mais agora que Lula dá mostras de que não está à vontade no figurino de futuro ex-presidente, e já envia avisos de que continuará atuando na política nacional, coisa que ele sempre criticou no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No mais recente arroubo de índole continuísta, Lula pediu para ser convidado pelas centrais sindicais no próximo 1ode maio, “porque, se for alguém ruim, a gente vem aqui meter o pau; se for alguém bom, a gente vem aqui ajudar e aplaudir”.

Aos poucos, Lula vai definindo seu papel político no futuro, agora que parece que sua carreira internacional, com a aproximação com o Irã e tropeços em relação aos direitos humanos, já não tem aquela mesma perspectiva exitosa anteriormente avistada por seus assessores.

Nesse ponto pode estar o erro de cálculo da oposição na estratégia do “pós-Lula”.

Há quem considere um erro político definir sua saída do governo como o início da era pós-Lula, pois sua influência na política brasileira continuará grande, a exemplo da de Getulio Vargas.

Na crise do mensalão, quando parecia que Lula não se recuperaria, o expresidente Fernando Henrique Cardoso orientava a oposição a não pressionar em busca do impeachment por duas razões: o receio de uma reação dos chamados “movimentos sociais”, e a possibilidade de, destituído, Lula se transformar em um “Getulio vivo”, numa alusão à morte de Getulio, que provocou uma comoção nacional.

Na atual situação, Lula será na verdade um “Getulio vivo”, controlando o “lulismo”.

Para que esse cenário se realize, Lula precisa de uma radicalização política, não pode deixar que se instale no imaginário do eleitor brasileiro a ideia de que seu governo é um desdobramento do de FHC, e que, portanto, Serra pode ser também a continuidade.

Tem que vender a falsa ilusão de que é justamente o inverso, e que, se o vitorioso for Serra, estará dado o sinal para um retrocesso social e econômico do país.

Isso acontecendo, Lula estará no palanque da CUT no próximo 1ode maio “metendo o pau” no governo tucano, preparando o terreno para uma volta triunfal em 2014.

GOSTOSA

RUY CASTRO

Vida na rua
RUY CASTRO

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/05/10

RIO DE JANEIRO - Era uma livraria na rua Dias Ferreira, no Leblon. As bancadas dos livros tinham sido recrutadas entre os móveis e utensílios de uma tipografia de 1900, com os tipos de chumbo transbordando dos caixotins, as pilhas de clichês velhos, as amarras, as ramas, os componedores e até uma guilhotina -objetos incompreensíveis para a maioria dos clientes e, ao mesmo tempo, tão a propósito: talvez tivessem ajudado a compor e imprimir os tataravôs dos livros novos, de história, urbanismo e artes gráficas, especialidades da casa.
A dois quarteirões dali, um sebo, o mais charmoso do Rio nos últimos 20 anos, e também cheio de bossa: grande literatura em várias línguas, fotos de craques do passado nas paredes, um gato preto chamado Zulu e sempre alguém interessante folheando alguma coisa. Certa noite, ouvi quando a bonita mulher de um diretor de televisão, olhando intrigada para as estantes, comentou: "Que engraçado! Quanto livro velho!".
Já faz tempo que nenhum dos dois existe mais. A livraria é hoje um laboratório de análises químicas, campeão em biópsias e exames de urina. O sebo tornou-se uma butique ou confecção -uma grife. O inconveniente é que, enquanto a livraria e o sebo ficavam abertos até tarde, acolhendo os livrescos notívagos e solitários, seus sucessores encerram às 6, com dia claro, e condenam boa parte de seus quarteirões ao escuro e ao nada.
O mesmo acontece quando fecha um cinema de rua e, com ele, evaporam-se da calçada o pipoqueiro, a fila, a paquera bem-sucedida, o reencontro de amigos e a oportunidade do convívio social onde ele melhor se realiza: no amplo espaço público. Você dirá que, para cada livraria, cinema ou loja de discos que fecha, abre uma pizzaria, um sushi-viagem ou um yogoberry.
Desculpe, mas não acho que seja a mesma coisa.

PAINEL DA FOLHA

Pronto para sair
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/05/10

O projeto que cria a polêmica Comissão da Verdade, a ser enviado por Lula ao Congresso na próxima semana, destaca entre os objetivos do grupo a apuração das circunstâncias de episódios de tortura, sequestros e mortes ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985). O texto prevê colaboração com a Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo federal.
Um dos artigos diz que a Comissão da Verdade não terá caráter "prosecutório". Fica estabelecido também que ela será composta por sete membros, todos indicados pelo presidente da República, com dedicação exclusiva à tarefa e salário de R$ 11 mil.


Em aberto 1. Em resposta ao périplo desta semana de José Serra pelo Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff desembarcará no Estado na próxima terça-feira para visitas, em princípio, a Rio Grande e Porto Alegre. No interior, a ex-ministra foi convidada a dar uma palestra no pólo Naval. Na capital gaúcha, participará de um jantar com integrantes de partidos que a apoiam.
Em aberto 2. A grande dúvida é se o PMDB, que deu vários sinais pró-Serra nos últimos dias no Estado, vai aparecer ou não. Quinta-feira à noite, PT, PDT, PSB e PC do B se reuniram para combinar a programação da candidata. O PMDB foi sondado para se juntar ao grupo, mas, na hora H, ninguém apareceu.
Sinceridade. Do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), pós-afagos do PMDB gaúcho a Serra: "Isso mostra que o Fogaça nunca vai assumir a campanha da Dilma".
Veja bem. Embora nunca tenha admitido tal tese publicamente, a ala do PT mais próxima ao ex-ministro e candidato Tarso Genro sempre rejeitou a ideia do palanque duplo para Dilma no Estado.
No prejuízo. Cortejado pelo PSDB nacional, que sonha com uma aliança agregadora de tempo de televisão e pensa em fazer de Francisco Dornelles o vice de José Serra, o PP gaúcho sofreu duas perdas recentes no governo da tucana Yeda Crusius. Com a reforma do secretariado para a campanha eleitoral, foi rifado da Casa Civil e da Cultura.
Ofensiva. A cúpula tucana dará início na próxima semana a um movimento nos Estados onde o PP é simpático ao PSDB. Além da região Sul, a ordem é dar atenção especial ao partido em Minas Gerais.
Segue o jogo. Frustradas as negociações com o PT, o pré-candidato ao governo do Paraná Osmar Dias (PDT) já admite sair da disputa e integrar a chapa do tucano Beto Richa. O pedetista tem o nome de seu eventual suplente ao Senado: o empresário João Elísio Ferraz de Campos.
Plano de voo 1. Bem sucedida na operação para fazer de Jarbas Vasconcelos (PMDB) candidato ao governo de Pernambuco, a cúpula tucana agora tenta convencer o ex-governador Roberto Magalhães (DEM) a aceitar a vice na chapa do peemedebista.
Plano de voo 2. Com a recusa do senador Sérgio Guerra (PSDB) em disputar a reeleição, tucanos buscam opção para acompanhar Marco Maciel (DEM) na chapa ao Senado. Entre os cotados, os deputados Raul Jungmann (PPS) e Bruno Araújo (PSDB).
Sem acordo. Após reunião tensa, Fernando Collor (PTB) e Ronaldo Lessa (PDT) decidiram lançar as duas candidaturas em Alagoas.
Em série. A bancada do PSB na Câmara vem sendo alvo de trote. Ontem, deputados do partido foram procurados por um anônimo que pedia ajuda financeira a um suposto filho do colega Fernando Coelho (PE), que na verdade nem filho tem. Na semana passada, algo semelhante ocorreu envolvendo a deputada Lídice da Mata (BA).

com SILVIO NAVARRO e GABRIELA GUERREIRO
Tiroteio 
Nem mesmo instituições como a PF e o Ministério Público convalidam as explicações da Petrobras para acobertar falcatruas. 

Do senador ÁLVARO DIAS (PSDB-PR), integrante da finada CPI da Petrobras, que acusa o governo de inviabilizar os trabalhos da comissão para encobrir, por exemplo, investigações da Polícia Federal que apontam custo adicional de R$ 1,4 bilhão em obras da estatal.
Contraponto 
Olho de sogra Durante visita na segunda passada à Expozebu, no município mineiro de Uberaba, Dilma Rousseff foi abordada pelo ex-senador Wellington Salgado, que chegou para cumprimentá-la acompanhado de duas mulheres.
-Ministra, esta é minha esposa- introduziu o peemedebista, sem indicar a qual das duas se referia.
Sorridente, Dilma dirigiu-se à mais velha:
-Muito prazer!- disse, e deu-lhe um beijo no rosto.
Salgado prontamente corrigiu:
-Ministra, esta é a minha sogra...
Desfeita a confusão, Dilma se despediu, enquanto Salgado, 52, explicava animadamente aos mais próximos:
-Minha esposa é nova, tem 30 anos, mas já tem três filhos comigo. Ela engana até a Dilma!

SAÚDE

FERNANDO RODRIGUES

A estratégia do medo
FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SÃO PAULO - 08/05/10

BRASÍLIA - O PT tem disseminado a noção de que só "uma pessoa que tenha a mesma visão de Lula" será capaz de fazer o Brasil progredir. A afirmação é do comercial petista de 30 segundos veiculado várias vezes na quinta-feira na TV.
A narrativa usa como alegoria a imagem de uma montanha-russa. Quando o carrinho sobe, trata-se de Lula e alguém com a "mesma visão" no comando. Na descida desembestada, as pessoas fazem cara de pânico -uma reação à oposição no poder. Ao final, uma inscrição peremptória: "O Brasil não pode voltar ao passado". É um marketing popular cuja estética se assemelha a obras do lendário diretor de filmes B Roger Corman ou à série de terror "Sexta-Feira 13".
Todos os petistas repetem o mantra à exaustão. "É Dilma ou a barbárie", profetizou nesta semana um jornal do partido. Ontem, Lula disse ser preciso não "deixar esse país regredir". Dilma Rousseff, por óbvio, estava ao seu lado.
Esse tipo de abordagem não é nova na política. Foi exatamente a mesma tática usada por Fernando Henrique Cardoso em 1998, ao tentar a reeleição. Deu certo. Na TV, o tucano era apresentado como "um líder com pulso firme num mundo turbulento". A crise econômica e a memória recente da inflação sepultaram as chances do PT.
Já em 2002, a tática fracassou. A atriz Regina Duarte foi à TV declarar ter medo de uma vitória do PT. Esforço inútil. Lula ganhou e seu marqueteiro inventou a frase "a esperança venceu o medo".
Na eleição seguinte, em 2006, o PT escanteou a esperança e preferiu usar o medo a seu favor. Espalhou de maneira eficaz a interpretação de que o PSDB privatizaria o país inteiro. Lula foi reeleito.
Agora, a história se repete parcialmente. Esta é a primeira eleição na qual a economia estará bem aquecida. Vai dar certo? Não se sabe. Mas há uma incrível similitude e alternância de discursos entre PT e PSDB nas últimas campanhas.

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO
O valor real de uma obra de arte
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Uma tela pintada em apenas um dia por Pablo Picasso atordoou o mundo na terça-feira da semana passada. Não pelo nu frontal e cubista de sua segunda mulher, Marie-Thérèse. Mas pelo preço. A obra foi arrematada num leilão em Nova York por US$ 106,5 milhões, novo recorde no mercado público da arte. Levou oito minutos e seis segundos para a Christie’s bater o martelo. É possível entender o valor real, emocional e simbólico de algo que se convenciona chamar arte?
“Quando encontrei Picasso, eu tinha 17 anos, era uma garota inocente e não conhecia nada – da vida, de Picasso, de nada”, disse Marie-Thérèse em 1968 à revista Life. “Tinha ido fazer compras na Galeries Lafayette (loja de departamentos em Paris) , e ele me viu saindo do metrô. Simplesmente agarrou meu braço e disse: ‘Sou Picasso! Eu e você vamos fazer grandes coisas juntos’.”
Esse encontro na rua aconteceu nos anos 1920, quando o artista tinha passado dos 40 anos e estava infeliz no casamento com Olga, bailarina russa. A lourinha Marie-Thérèse rejuvenesceu Picasso e inspirou uma série de quadros eróticos com cores fortes. A musa curvilínea de Picasso parecia sempre entregue ao descanso pós-sexo.
A tela recordista, Nufolhas verdes e busto, foi pintada em 1932. Havia sido comprada por colecionadores americanos em 1951 por US$ 19.800 (em moeda da época).
Picasso foi comunista toda a sua vida, mesmo depois de brigar com o partido. Muitas histórias, reais ou não, cercam esse homem de muitas paixões. Uma delas aconteceu quando vivia em Paris, durante a ocupação alemã. Um oficial nazista entrou em seu ateliê e perguntou, apontando para Guernica (sua obra-prima que retrata o horror da guerra): “Foi você quem fez isso?”. “Não”, respondeu Picasso. “Foram vocês.”
No mercado de arte, os mestres são aqueles que transcendem críticas, especulações, inflações, manobras, manipulações. É natural não gostar de todas as fases de um pintor versátil e obsessivo como Picasso, que produziu mais de 43 mil trabalhos em sua vida. Mas ninguém contestará sua genialidade.
O que define quanto se paga nos leilões é algo intangível. 
Como saber se um Picasso vale mesmo tudo isso?
A realidade cotidiana é bem outra. O que define hoje o valor de um artista é algo mais intangível que o mercado. O que são os crânios cravejados de brilhantes de Damien Hirst, o artista britânico que “concebe” as obras e contrata um pequeno exército para executar suas instalações? O que se perdeu de um século a outro? O que, afinal, se ganhou?
Não se pode atribuir a Hirst nem mesmo o pioneirismo de encarar a arte como produção em massa. Andy Warhol, nos anos 60, já tinha feito o mesmo sem subterfúgios, chamando seu trabalho de A fábrica. Warhol, com sua pop art e visual louco, me parecia mais original, irônico e descarado do que os enganadores de hoje, mais performáticos, rasos e agentes de si mesmos. “A razão pela qual estou pintando desta maneira é que quero ser uma máquina”, dizia Warhol, ao retratar Mao Tsé-tung e Marilyn Monroe como produtos de consumo em série.
O recorde anterior ao da semana passada pertencia a O homem que anda, de Alberto Giacometti, arrematado em fevereiro em leilão em Londres. A brasileira Lily Safra, viúva do banqueiro Edmond Safra, pagou pela escultura US$ 104,3 milhões.
Como avaliar o verdadeiro valor de uma obra – não para os leiloeiros, mas para nós, pessoas comuns? Encontrei uma reflexão interessante num texto do ex-correspondente do New York Times em Paris Alan Riding:
“Será que posso ter o mesmo sentimento pela escultura de uma dançarina chinesa, produzida em massa para turistas e que me custou US$ 50 em Xian, e por uma pequena deusa indiana genuína, pela qual paguei US$ 7 mil há 15 anos num antiquário? Talvez a melhor maneira de medir meus sentimentos fosse perguntar: como eu me sentiria se ambas fossem roubadas? Emocionalmente, eu sentiria a mesma falta das duas esculturas, porque me acostumei a olhar para elas na estante”.
Para um colecionador, que vive a arte como um negócio, seriam perdas bem diferentes. O valor seria medido por cifras, e não pelo envolvimento emocional ou pelo prazer de olhar. Para um colecionador, que vive a arte como um negócio, seriam perdas bem diferentes. O valor seria medido por cifras, e não pelo envolvimento emocional ou pelo prazer de olhar.

MAURO CHAVES

Coisas das eleições

Mauro Chaves 

O Estado de S.Paulo - 08/05/10

Plano B do PT?
Enquanto parte dos tucanos comemora os sucessivos tropeços da pré-candidata presidencial petista, outra parte, cautelosa, faz a seguinte ponderação: o desgaste de Dilma Rousseff está ocorrendo cedo demais e com rapidez surpreendente. Isso não é nada bom para José Serra, porque haverá tempo, até as convenções de junho, de Lula - que já percebeu o risco do desastre - lançar um "plano B". E este é o argumento dos cautelosos: Lula sabe muito bem, porque nenhuma experiência lhe falta (ao contrário de sua candidata), que há limite na galhofa com que tem tratado a legislação e a Justiça Eleitoral. Intensificando-a, acabará provocando algo mais do que multinhas (que pede ao povo que pague), porque a Justiça Eleitoral não se deixará desmoralizar. Então, isso pode resultar numa impugnação da candidatura de Dilma. Nessa hipótese, o presidente estaria livre do constrangimento de ter de substituí-la sponte sua. E aproveitaria para explorar ao máximo a "violência" legislativo-judicial, que teria destituído da sucessão presidencial, injustamente, a competente e íntegra "mãe do PAC".
Quanto à dificuldade de encontrar alguém para substituir Dilma na sucessão, dizem os tucanos cautelosos que não será tão grande assim. O PT ainda tem bons quadros, como Marta, Suplicy, Palocci, Cardozo, Pimentel, Wagner, Genro e outros, e qualquer um destes teria experiência política suficiente para não dar vexame numa campanha eleitoral, além de condições muito melhores de se tornar receptor eficiente da recordista popularidade presidencial.
PT descarta São Paulo?
O não-comparecimento do presidente Lula ao lançamento da candidatura do senador Aloizio Mercadante para governador de São Paulo foi uma das maiores duchas frias já lançadas no espaço político-eleitoral brasileiro, nos últimos anos. O PT nasceu em São Paulo, Lula se fez em São Paulo, este é o maior colégio eleitoral do País - afora ser o Estado mais importante da Federação.
Está certo que parece uma espécie de "missão impossível" vencer Geraldo Alckmin em outubro, considerando-se a distância que o tucano já abriu nas pesquisas (Mercadante perde para ele por 53 a 13, no último Datafolha). Mas isso não justifica o fato de o presidente Lula nem se ter preocupado em explicar sua gritante ausência, quando todo o evento estava montado, ansiosamente, na expectativa de sua presença. Parece que o Planalto desprezou o cacife eleitoral de um senador que há oito anos obteve cerca de 10 milhões de votos no Estado. Dele foi tirada a oportunidade de tentar uma reeleição ao Senado e a ele foi oferecida uma pedregosa candidatura governamental de segunda escolha (a primeira era de Ciro Gomes), apenas insuflada pela duvidosa promessa de criar recall para uma eventual candidatura à Prefeitura paulistana, em 2012.
O pior, no entanto, foi o que fizeram com o senador na festa-comício do 1.º de Maio. Deixaram-no atrás da "comissão de frente" do palanque (formada por Lula, Marisa, Dilma e Marta), onde ele tentava, penosamente, juntar sua mão levantada às dos "maiorais"na frente, como se fosse um "papagaio de pirata" - aquele que sai nas fotos dos jornais com pessoas importantes, mas sem nenhuma identificação.
Realmente, o senador deveria ser tratado com maior consideração - ou, pelo menos, não ser forçado a engolir tamanha quantidade de sapos.
Ceará serrará?
Não bastasse o "pote até aqui de mágoa" em que mergulhou Ciro Gomes - logo ele, um político com a elevada autoestima própria dos originários dos "Estados Unidos de Sobral"; não bastasse a fidelidade extrema que dedicou ao presidente Lula e a todo o seu governo, defendendo-os nos momentos mais difíceis, com contundência só equiparável à da senadora Ideli Salvatti (PT-SC); não bastasse que, por insistência do presidente Lula, tivesse ele abandonado todo o seu eleitorado cearense, ao transferir seu título eleitoral para São Paulo, depois que Ciro sofreu de Lula e de seu partido, o PSB, a maior rasteira político-eleitoral já ocorrida na cena pública brasileira nas últimas décadas, pelo menos desde a que vitimou Cristiano Machado em 1950, a visita de Dilma Rousseff ao Ceará, logo após seus marcantes eventos em Minas (o do túmulo do Tancredo Neves e o da "Dilmasia"), foi, realmente, uma pesada gota d"água, da qual passou bom recibo a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), ex-mulher e fiel aliada do ex-pré-candidato presidencial cearense.
Em razão disso, o senador Tasso Jereissati, com quem seus correligionários tucanos não contavam muito na montagem de um palanque no Ceará para José Serra, graças à mágoa dos irmãos Gomes (Cid, governador e Ciro, ex-governador), tornou-se um bom palanque na terra alencarina, a ponto de já se acreditar que o Ceará serrará - pois, como diz o ditado, o ódio novo abafa o velho.
Guerra e marketing
É possível que a guerra judicial que se está travando entre as duas principais pré-candidaturas presidenciais, com o ajuizamento cada vez mais frequente e recíproco de representações e ações na Justiça Eleitoral, comece a arrefecer à medida que decisões judiciais possam deixar mais claras as exigências de uma legislação que sempre foi ambígua e confusa.
Uma coisa, porém, é certa: a iniciativa da denúncia pode favorecer o adversário. Por exemplo, quantos nem tinham ouvido falar do site "gentequemente", passando a conhecê-lo só depois que se falou tanto em denunciá-lo na Justiça Eleitoral?
Então, os partidos políticos precisam tomar cuidado para que seu anseio judicial não favoreça o anseio mercadológico dos adversários.
JORNALISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E PINTOR. 

JAPA GOSTOSA

BRASIL S/A

A dieta da crise
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 08/05/10

Quem surfou na maionese global e está firme em meio à salada grega deve fechar a boca para evitar azia


A ressurgência da crise global na Europa, agora minando a dívida soberana dos países, adiciona questões omitidas durante a chamada “grande moderação” — quando o mundo viveu uma onda de prosperidade inédita desde a 2ª Guerra Mundial —, e ainda maltratadas depois da debacle de Wall Street, atribuída sobretudo aos excessos dos mercados.

É mais que isso. Excessiva foi a complacência geral do mundo com a permissividade monetária dos EUA desde a guerra do Vietnã. E ela continua, permitindo essa espécie de taxa de senhoriagem do dólar cobrada do comércio e das transações financeiras globais que faz a economia americana ser das poucas, no mundo rico, a já percorrer o caminho de volta da crise. E isso a despeito de tê-la provocada.

Complacência excessiva também houve na Europa do euro com os seus membros mais atrasados em relação à Alemanha, a maior economia da área e base da moeda comum, e à França. Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda receberam dinheiro das economias mais fortes para com ele investir em infraestrutura e modernizar a economia.

A maioria o usou para embelezar as capitais com amplas avenidas e, graças à estabilidade desconhecida por eles trazida pela moeda forte, introduzir políticas liberais de salários e equiparar seus serviços de Estado ao padrão vigente nos vizinhos mais ricos. Viu-se que só a renda do turismo não faz a riqueza das nações.

Não se atentou para a construção de uma sólida base de produção. E quem o fez, como Irlanda e Espanha, priorizou o ramo de serviços — o outro modismo em processo de revisão pela crise. A agricultura foi praticamente largada, como se vê em Portugal. E a que continua não sobrevive sem subsídios, situação na França e Irlanda, não por acaso opositores a um tratado de livre comércio com o Mercosul que desmonte as barreiras que protegem a agropecuária nativa.

Os dois blocos o querem. Com a Europa de quatro, é difícil supor que o Brasil, sobretudo, tenha alguma vantagem nessa barganha. As uniões econômicas de países também estão questionadas pela crise.

O economista laureado com um Nobel Joseph Stiglitz afirma que o resultado é a explicitação da inviabilidade das uniões monetárias não acompanhadas de integração fiscal, com os governos nacionais abrindo mão de qualquer soberania. Teria de ser como nos EUA e no Brasil, federações de estados sem poder para emitir moeda, taxar a vizinhança e gastar como quiser. A Europa estaria pronta para tal?
Riqueza era sintética
Vai-se constatando que o maior choque atribuído à grande crise da economia global não é bem a descoberta de que a maior parte do que a fazia bombar era a riqueza financeira fabricada literalmente sem produção e sem trabalho pelo instrumento dos derivativos de ativos de crédito. Seu DNA era e é, pois não foram desarmados, sintético, sem nexo com a economia real. Servem para rodar o cassino global.

Eles continuam, mas diminuíram, o que bastou para a água baixar no oceano da economia e descobrir uma enorme capacidade ociosa em quase todos os setores industriais, do automobilístico ao têxtil.
Sem mocinho e bandido
É um problema grave, razão da tendência deflacionária na Europa, EUA, Japão. O governo Lula, que quer dar preferência comercial a países pobres, mas gigantes em produtos como têxteis, deveria se acautelar. Preocupar-se com a chegada de mais carros importados.

O mundo está como o viciado internado para curar a dependência de drogas e se descobre mais complicado do que supunha. É simplista a noção de que nesta crise há mocinhos e bandidos. Todos foram, e ainda são, uma coisa ou outra. Só depende do posto de observação.
Dependentes da crise
Hoje, muitos atacam o dólar, como virou regra nos convescotes dos Brics, de Brasil, Rússia, Índia e China. São, justamente, os países emergentes descolados do subdesenvolvimento quando a China revolve enriquecer, insinua-se aos EUA com sua mão de obra barata e ética zero com o meio ambiente e atrai as multinacionais americanas.

Atrás dela vieram os fornecedores de commodities, como o Brasil. No meio, os EUA bancados por todos, sobretudo a China, com os dólares emitidos para pagar seus deficits nesse bizarro intercâmbio.

E surge a grande questão: como livrar-se do dólar, se vem dele o capital de giro que movimenta a economia global, que para crescer precisa de mais dólares e assim dos deficits dos EUA, e da loucura dos mercados financeiros para forjar uma demanda inexistente, caso se restaure a normalidade? Moralidade, diriam muitos. Mas e daí?
Cuidado com bagulhos
Os emergentes que surfaram na maionese global e estão firmes em meio à salada grega, que logo pode misturar bacalhau, espaguete e paella, têm mais é que fechar a boca para evitar azia. Os que usaram a fartura de liquidez fabricada pelos mercados tal como se faz salsicha para investir em fábricas e infraestrutura devem é protegê-la, e cuidar de não receber mercadorias encalhadas.

Europa, EUA e também os emergentes enricados, como a China, estão cheios de bagulho para vender. Não é aqui que devem vir. A solução é estimular a renda em casa para aumentar o consumo doméstico.É a receita que falta à Grécia pela miopia da Europa rica. O que se vê é a aldeia global, no primeiro aperto sério, se fechar em si e não querer saber dos outros. Que o Brasil não cometa bobagens.

LYA LUFT

REVISTA VEJA
Lya Luft

A canção de qualquer mãe

"Filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que esperei 
ou mereci ou imaginei ter"

Ilustração Atômica Studio

Que nossa vida, meus filhos, tecida de encontros e desencontros, como a de todo mundo, tenha por baixo um rio de águas generosas, um entendimento acima das palavras e um afeto além dos gestos – algo que só pode nascer entre nós. Que quando eu me aproxime, meu filho, você não se encolha nem um milímetro com medo de voltar a ser menino, você que já é um homem. Que quando eu a olhe, minha filha, você não se sinta criticada ou avaliada, mas simplesmente adorada, como desde o primeiro instante. 
Que, quando se lembrarem de sua infância, não recordem os dias difíceis (vocês nem sabiam), o trabalho cansativo, a saúde não tão boa, o casamento numa pequena ou grande crise, os nervos à flor da pele – aqueles dias em que, até hoje arrependida, dei um tapa que ainda agora dói em mim, ou disse uma palavra injusta. Lembrem-se dos deliciosos momentos em família, das risadas, das histórias na hora de dormir, do bolo que embatumou, mas que vocês, pequenos, comeram dizendo que estava maravilhoso. Que pensando em sua adolescência não recordem minhas distrações, minhas imperfeições e impropriedades, mas as caminhadas pela praia, o sorvete na esquina, a lição de casa na mesa de jantar, a sensação de aconchego, sentados na sala cada um com sua ocupação.
Que quando precisarem de mim, meus filhos, vocês nunca hesitem em chamar: mãe! Seja para prender um botão de camisa, ficar com uma criança, segurar a mão, tentar fazer baixar a febre, socorrer com qualquer tipo de recurso, ou apenas escutar alguma queixa ou preocupação. Não é preciso constrangerem-se de ser filhos querendo mãe, só porque vocês também já estão grisalhos, ou com filhos crescidos, com suas alegrias e dores, como eu tenho e tive as minhas. Que, independendo da hora e do lugar, a gente se sinta bem pensando no outro. Que essa consciência faça expandir-se a vida e o coração, na certeza de que aquela pessoa, seja onde for, vai saber entender; o que não entender vai absorver; e o que não absorver vai enfeitar e tornar bom.
Que quando nos afastarmos isso seja sem dilaceramento, ainda que com passageira tristeza, porque todos devem seguir seu caminho, mesmo que isso signifique alguma distância: e que todo reencontro seja de grandes abraços e boas risadas. Esse é um tipo de amor que independe de presença e tempo. Que quando estivermos juntos vocês encarem com algum bom humor e muita naturalidade se houver raízes grisalhas no meu cabelo, se eu começar a repetir histórias, e se tantas vezes só de olhar para vocês meus olhos se encherem de lágrimas: serão apenas de alegria porque vocês estão aí. Que quando pareço mais cansada vocês não tenham receio de que eu precise de mais ajuda do que vocês podem me dar: provavelmente não precisarei de mais apoio do que do seu carinho, da sua atenção natural e jamais forçada. E, se precisar de mais que isso, não se culpem se por vezes for difícil, ou trabalhoso ou tedioso, se lhes causar susto ou dor: as coisas são assim. Que, se um dia eu começar a me confundir, esse eventual efeito de um longo tempo de vida não os assuste: tentem entrar no meu novo mundo, sem drama nem culpa, mesmo quando se impacientarem. Toda a transformação do nascimento à morte é um dom da natureza, e uma forma de crescimento.
Que em qualquer momento, meus filhos, sendo eu qualquer mãe, de qualquer raça, credo, idade ou instrução, vocês possam perceber em mim, ainda que numa cintilação breve, a inapagável sensação de quando vocês foram colocados pela primeira vez nos meus braços: misto de susto, plenitude e ternura, maior e mais importante do que todas as glórias da arte e da ciência, mais sério do que as tentativas dos filósofos de explicar os enigmas da existência. A sensação que vinha do seu cheiro, da sua pele, de seu rostinho, e da consciência de que ali havia, a partir de mim e desse amor, uma nova pessoa, com seu destino e sua vida, nesta bela e complicada terra. E assim sendo, meus filhos, vocês terão sempre me dado muito mais do que esperei ou mereci ou imaginei ter.