domingo, abril 11, 2010

ADRIANO PIRES E ABEL HOLTZ

''Joia da coroa'' corre risco de virar herança maldita 

O ESTADO DE SÃO PAULO -  11/04/2010


Nunca antes na história deste País um projeto gerou tanta inspiração para a desordem quanto a hidrelétrica de Belo Monte. Estudada há mais de trinta anos, veio a ser inscrita no PAC para tornar-se a sua "joia da coroa" no âmbito do setor elétrico. Tanta inspiração despertou até o cineasta canadense James Cameron, o gênio de "Avatar", que se dispôs a ir pessoalmente ao Xingu.

Agora, o que de fato não está sendo levado em conta, e aí talvez resida a razão de desistências de interessados experientes, é que, apesar da capacidade instalada de 11.600 MW, os investidores da hidrelétrica somente poderão vender 4.400 MW médios durante cada ano. Esta lógica da geração define receita e custos que deverão ser propiciados pela hidrelétrica para fazer frente aos investimentos em custos ambientais, barragens, canais, máquinas, pessoal, seguros, custos financeiros dos empréstimos, operação, transmissão da energia produzida e resultados aos seus acionistas.

Além disso, a rejeição de ambientalistas e populações locais que se acham agredidas deverá causar obstruções ao bom curso da sua implantação, com custos adicionais imprevisíveis e, possivelmente, multas por atrasos. E, o que é pior, a compra de energia ao Preço de Mercado de Curto Prazo - que os especialistas no tema indicam que deverá ser da ordem de R$ 120,00 /MWh, significando para o investidor um prejuízo de mais de 40% em relação ao valor que estará recebendo em seus contratos de venda.

Se considerarmos que a Eletrobrás, através de uma das suas empresas, poderá ficar com 40% a 49% do empreendimento, e que cerca de 10% da energia será destinada a consumidores livres, restará aos investidores não consumidores de 41% a 50% para estabelecer a viabilidade econômico-financeira da sua participação. Seguramente a tarifa de R$ 83,00/ MWh não permite a receita para fazer frente aos custos aludidos e às taxas de retorno para um empreendimento de alto risco, que somente serão amealhadas após 12 a 15 anos.

As últimas notícias indicam que o governo tenta montar uma aparente competição, arregimentando investidores e empresas com pouca ou nenhuma experiência na construção de empreendimentos desta envergadura, para formar um consórcio que participe de uma competição montada para formalizar o processo.

Vamos torcer para que, no afã de proteger e afagar a mãe do PAC, o governo não acabe construindo uma solução penosa ao contribuinte, aos acionistas da Eletrobrás, aos beneficiários dos Fundos de Pensão e aos consumidores de energia. Ou, ainda, que crie uma herança, esta sim, maldita, para seu sucessor.
Adriano Pires É DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA; 
ABEL HOLTZ É CONSULTOR DE ENERGIA E NEGÓCIOS DA ABEL HOLTZ & ASSOCIADOS

SUELY CALDAS

A contrapolítica industrial de Lula 

O ESTADO DE SÃO PAULO -  11/04/2010





Para quem passou oito anos acusando o governo FHC de neoliberal, de não ter planejamento nem política industrial, foi decepcionante o anúncio do fracasso das metas da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do governo Lula. Sempre falante nos eventos diários a que comparece, dessa vez Lula silenciou, saiu do prédio do BNDES, na terça-feira, calado, sem fazer os habituais discursos de glorificação aos seus feitos. Não havia o que comemorar.


A semana continuou com outro fracasso: o leilão da Hidrelétrica Belo Monte, marcado para o próximo dia 20, arrisca mais uma vez ser adiado por falta de interessados. E mais: a tragédia no Rio de Janeiro escancarou a velha manipulação política das verbas públicas - Estado geograficamente vulnerável a enchentes e deslizamentos de terra, o Rio de Janeiro recebeu menos de 1% do dinheiro destinado a prevenir desastres, enquanto a Bahia ficou com 60%. O motivo: o ministro responsável, Geddel Vieira Lima, é baiano e candidato a governador em seu Estado.


Por trás dos três fracassos está a grande obsessão do governo Lula: a agenda política-eleitoral é prioridade máxima e sempre vai prevalecer sobre a econômica, mesmo invadindo e violando a racionalidade econômica e os critérios técnicos. No caso da Usina de Belo Monte, aflora outra marca da gestão Lula - a incompetência em planejar projetos. Já no primeiro mandato, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) fracassaram por falta de projetos. Para a Usina de Belo Monte, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) não foi capaz de fazer um projeto adequado ao meio ambiente e atrativo a investidores privados. Resultado: com a desistência de um consórcio privado, o governo agora quer invadir o patrimônio dos fundos de pensão das estatais, que são entidades privadas voltadas para pagar aposentadorias e não têm nenhum foco de negócio nem experiência em construir hidrelétricas no meio da selva amazônica. Mas Lula já avisou: custe o que for, fará Belo Monte, e o leilão sairá antes das eleições.


A agenda eleitoral também foi responsável pelo adiamento de investimentos de empresas geradoras e distribuidoras que concentram 30% da energia elétrica produzida no País. Inseguras sobre suas concessões que vencem em 2015, essas empresas paralisaram seus investimentos esperando por uma decisão do governo, que demorou, por razões políticas e eleitorais. Mudou o ministro de Minas e Energia e o novo, um técnico, tratou logo de esclarecer: o governo vai prorrogar as concessões, mas só depois das eleições.


Razão maior do fracasso da política industrial e do PAC, a deficiência de investimentos privados em infraestrutura também decorre de interesses políticos e eleitorais do governo. O investidor tem recuado por temer regras de regulação que mudam ao sabor do cardápio político e agências reguladoras politizadas que decidem conduzidas por interesses políticos-partidários-eleitorais.


O investimento público também não cumpre a sua parte porque o Orçamento da União está comprometido com outros gastos cotidianos: aumentos de salários, contratação de mais de 100 mil novos funcionários, cartões corporativos, viagens, repasses de dinheiro para Estados e municípios com finalidades eleitorais e por aí vai.


Para o governo Lula, verba pública tem que produzir resultados imediatos (de preferência políticos). Não se pensa nem se planeja o longo prazo. Fundamentais para fomentar investimentos, as reformas foram completamente esquecidas, ignoradas. Afinal, elas não têm apelo político nem produzem dividendos eleitorais. Na discussão da regulação do petróleo do pré-sal, por exemplo, prevaleceu a partilha do dinheiro e a capitalização da Petrobrás, não as condições para atrair investimento privado. Com essa paródia de política industrial não há milagre: em 2009 a taxa de investimento da economia fechou em 16,7%, muito abaixo da meta de 20,9%. E a meta de elevar o gasto privado com pesquisa e desenvolvimento para 0,65% do PIB ficou longe do esperado.


JORNALISTA E PROFESSORA DE COMUNICAÇÃO DA PUC-RIO

RUBENS RICUPERO

 Brasil: potência de paz ou de guerra?
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/04/2010


A grandeza de um país não se faz pelo poder de armas, mas pela chance de cada pessoa se realizar como ser humano

DO GRUPO dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), somos o único país que não é potência nuclear, nem militar convencional, uma vez que nossa força é meramente defensiva. No linguajar do professor Joseph Nye, que nos visita, temos apenas "soft power" (poder suave ou de persuasão, de exemplo), quase nenhum "hard power" (poder duro, de constranger por meios militares ou econômicos). Isso é bom ou ruim?
Para alguns, trata-se de anomalia a ser corrigida o mais rápido possível. É o caso do atual governo, que, numa curiosa volta ao regime militar, parece cada vez mais embriagado com sonhos de armas mirabolantes e caras, compradas com créditos de países estrangeiros que terão de ser pagos pelos sucessores. Outros chegam à insensatez de querer reviver o programa nuclear clandestino proibido pela Constituição e liquidado pela Nova República.
Há sentido em imitar países que têm vivido quase em estado de guerra permanente quando completamos 140 anos de paz com nossos dez vizinhos? Se nos armarmos, inclusive com bombas atômicas, como se sentirão os que nos cercam? Ficarão impassíveis ou voltarão, como a Argentina no passado, a reiniciar a corrida de armas com o Brasil? Estaremos mais seguros ou uniremos os demais contra nós?
Se as ameaças não vêm dos vizinhos, de onde procedem? Dos distantes chineses ou russos, dos mais próximos americanos? É altamente duvidoso, mas, se fosse certo, teríamos alguma chance de igualar seus gigantescos arsenais? Teríamos de desviar recursos já insuficientes para ter estradas e aeroportos decentes, o dinheiro que falta para permitir a milhões de brasileiros uma moradia segura e digna?
A recente e ligeira melhora em nossas condições econômicas e sociais parece ter subido à cabeça dos que já nos veem como país próspero, a esbanjar dinheiro e a arrotar grandezas. Basta olhar em torno, porém, para ver o abismo de miséria que nos cerca. A catástrofe do Rio de Janeiro deveria servir ao menos como choque de realidade capaz de nos restituir o senso das prioridades.
Enquanto fazemos malabarismos de imaginação para tentar identificar inimigos externos num futuro indeterminado, os deslizamentos matam centenas de brasileiros humildes forçados a morar em cima de um monte de lixo. Que país queremos ser, a Rússia armada até os dentes, onde a expectativa de vida diminui a cada ano, ou o Canadá, campeão em desenvolvimento humano? O que faz a grandeza de uma sociedade não é a glória militar ou o poderio de armas.
É a capacidade de garantir a cada pessoa a possibilidade de se realizar como ser humano, o direito da busca da felicidade, como se dizia na época da Revolução Americana. Todos os índices de bem-estar, educação, saúde, cultura, ausência de crime e de corrupção mostram que não são as grandes potências a ocupar os primeiros lugares, mas as nações que priorizaram as necessidades humanas básicas. Em um país como o nosso, de pesada herança de desigualdades, esse dever se impõe ao governo de forma ainda mais premente.
Com humildade e sóbrio realismo, deveríamos tentar construir uma potência não em armas, mas em direitos humanos e em ambiente, em educação e em equilíbrio social. Descobriríamos com surpresa que o nosso "soft power" daria ao Brasil um poder de influência e exemplo que jamais atingiríamos pelas armas.

JAPA GOSTOSA

DANUZA LEÃO

Tristeza
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/04/10


O Rio, uma cidade alegre, barulhenta e em tecnicolor, de repente ficou em preto e branco, deserta


COMO TERIA DITO Rubem Braga, ai de ti Rio de Janeiro, e mais: ai de ti, Estado do Rio. Foi horrível. A chuva castigou, e aconteceram momentos surreais: a lagoa ficou marrom e transbordou, alguns gaiatos foram vistos andando nos pedalinhos em forma de cisne nas ruas alagadas em volta da lagoa, e em um clube no mesmo local uma TV flagrou vários peixes nadando.
Detalhe: dentro de uma sala, entre mesas e cadeiras. O Rio, uma cidade escandalosamente alegre, barulhenta e em tecnicolor, de repente ficou em preto e branco, deserta, silenciosa e triste, uma desolação. O comércio quase todo fechou, restaurantes e cafés também, quem não tinha comida em casa não comeu. Além de toda essa desgraça, ainda tivemos outra: ver na TV, entre os noticiários, chamadas para um programa onde o entrevistado seria o general Newton Cruz, pior que um filme de terror classe C. O que é aquilo?
O Estado não tem tido sorte com seus governantes. Por duas vezes tivemos Brizola, que sempre foi melhor político do que administrador, e a partir daí, foi a tragédia total: Moreira Franco, Marcelo Alencar, Garotinho, Benedita e Rosinha. E de quem é a culpa? As opiniões divergem: uns dizem que ninguém pode adivinhar que vai chover muito, portanto, ninguém é culpado. Já outros acham que a culpa é do governo, que não se preveniu. Aliás, que governo?
Estadual ou municipal? Alguns culpam a população, que joga o lixo nas ruas, e o lixo entope os boeiros. Já, já vai aparecer uma campanha de publicidade caríssima, para ensinar o povo a não sujar a cidade. Já houve uma, em que o personagem se chamava Sigismundo, alguém lembra? E daí? Daí, nada.
A ausência mais notada foi a do governador Sergio Cabral, que se comportou exatamente como na tragédia de Angra, na passagem do ano: sumiu. Numa entrevista, disse que quem mais sofre são os pobres, que moram em áreas de risco, e que as autoridades devem ter firmeza de agir e não permitir que isso aconteça; se esqueceu de que a "autoridade" é ele, que teve um mandato quase inteiro para resolver esses problemas e não fez rigorosamente nada.
Já o prefeito Eduardo Paes -de jaqueta cáqui, seguindo a moda do seu líder, Cesar Maia- aproveitou para marcar presença no vácuo deixado pelo governador e pediu R$ 390 milhões ao governo federal para obras. Como é que se faz essa conta?
O presidente Lula, que chegou ao Rio no dia da chuva para inaugurar uma obra do PAC, não inaugurou, mas assegurou que o Rio está perfeitamente preparado para receber a Copa e a Olimpíada, "com muita tranquilidade". Em uma cerimônia, pediu um minuto de silêncio pelos mortos na tragédia, e levou um minuto olhando para o relógio, contando o tempo. Dilma Rousseff também esteve no Rio no mesmo dia, para encontrar Garotinho; Dilma, coitada, não sabe nem o que faz nem o que diz. Depois de ter tirado fotos no Carnaval com o filho de Madonna no colo, foi fotografada com Garotinho, isso depois de depositar flores no túmulo de Tancredo Neves.
Se oriente, d. Dilma. Em compensação, o morro Dona Marta está se colorindo, com algumas casas já pintadas; quem passa jura que é uma cidade cenográfica. Uma boa medida para que os mais favorecidos possam pensar -mesmo sabendo que não é verdade- que a felicidade é viver numa favela.
Esses é que deveriam pagar pela pintura das casas, cuja visão alivia seu sentimento de culpa em relação aos mais pobres. Que coisa trágica é a política.

JOÃO UBALDO RIBEIRO


Até que a morte os junte

O GLOBO - 11/04/10


Os temas das palestras e debates, entre os coroas que se reúnem nos fins de semana para conversar, obedecem a um padrão sazonal facilmente observável. Por exemplo, o primeiro quadrimestre é a estação da saúde, ou, segundo os mais modernos, do recall. Destacam-se tertúlias sobre vacinações, colesterol e glicemia, bem como discussões a respeito do desafortunado conhecido de um amigo, que dizem que ficou cego depois de, por desvarios do amor, ingerir uma overdose de Viagra e, last, not least, a Quinzena da Próstata. Esta última, por sinal, tem sido bastante movimentada, depois que a Organização Mundial de Saúde desaconselhou o famoso exame da dedada. As opiniões se dividiram, até porque os urologistas discordam e continuam sustentando que o controvertido dedo amigo é indispensável pelo menos uma vez por ano.
– A quatrocentos contos a dedada, eles tinham de falar isso mesmo - disse um participante rancorosamente. – Eu faço porque minha mulher enche o saco para eu fazer, mas sempre lavro o meu protesto.
Na semana passada, contudo, um incidente alterou abruptamente a pauta dos trabalhos. Foi o problema do Afonsinho com o Camarão. Não, nem o Afonsinho é alérgico a camarão, nem a palavra “camarão” foi escrita acima com maiúscula por engano. Camarão é o nome do novo genro do Afonsinho. Bem, não propriamente nome e, sim, apelido, mas, segundo o Afonsinho, nem a mãe do Camarão sabe o nome de batismo dele. Um dos presentes quis saber por que o Afonsinho não perguntava a ele.
– Não tenho certeza de que ele é capaz de manter uma conversa - disse Afonsinho. – Ele vive com um aparelho desses de música embutido no ouvido, a gente fala com ele e ele sorri e diz “valeu”, acho que “valeu” quer dizer qualquer coisa que ele queira dizer.
– É, isso deve ser meio chato mesmo.
– É, mas eu até não ligaria para isso. Para quem já encarou o Guérnica, isso aí seria moleza.
O Guérnica, recordou o Afonsinho, era o namorado anterior da filha dele, que só não tinha tatuagem na cara, mas o resto do corpo lembrava o mural de Picasso. O Afonsinho costumava desviar o olhar dele tanto quanto podia, mas, mesmo assim, tinha pesadelos em que o Guérnica aparecia todo retorcido como as figuras do mural e ameaçava tatuar na testa do Afonsinho o escudo do Vasco - e o Afonsinho é Flamengo. Não, o problema não era esse.
– Eu nunca pensei que isso fosse me acontecer - disse Afonsinho. – Tomei um susto horrível, quando saí do quarto, vejo a porta do banheiro se abrir e sai lá de dentro o Camarão.
– Ele dormiu lá?
– Com minha filha! O sujeito cria uma menina com todo o carinho, põe nos melhores colégios, dá a melhor educação possível e a recompensa é bater de cara com o Camarão, todo rastafári, saindo do banheiro de toalha no pescoço e entrando no quarto de minha filhinha.
– Bem, da primeira vez pode ser chato, porque no tempo da gente não era assim, mas depois você se acostuma. É melhor que sair por aí, procurando um lugar qualquer para ficarem juntos. Eu não acho nada demais, a Marlene, minha filha, fez isso durante anos. Só vai parar agora, porque vai casar.
– Bem, pelo menos isso, ela vai sair de casa e você não vai mais topar nenhum camarão no corredor, como eu.
– Não, ela não vai sair de casa, isso era antigamente.
– Mas você não disse que ela ia casar?
– Não é casamento como você conhece, é um casamento com o perfil contemporâneo. Começa que eles não vão morar juntos. Ela continua lá em casa e ele na casa dele.
– É, eu já ouvi falar nesse tipo de coisa. Eu entendo, mas para mim isso não é casamento.
– O casamento que você conhece vai acabar, já acabou. O casamento de hoje em dia é na base de um contrato, como qualquer outro contrato. Cada um bota lá as cláusulas que quer. Pode botar tudo, não há limite: gerenciamento da grana, férias conjugais, atribuição de tarefas, tudo mesmo.
– Você me desculpe, mas, então, pelo andar da carruagem, eles vão botar no contrato até como e o que... Como é que vão transar, digamos.
– Por que não? Se houvesse contratos antes, com certeza que os problemas, nessa e em outras áreas, podiam nem acontecer.
– Você parece que está entusiasmado com isso.
– E estou. Você sabe, eu sempre fui homem de negócios. Modéstia à parte, tenho queda, sempre me dei bem. Me aposentei e saí da ativa, mas agora estou pensando em voltar, tenho refletido muito nas oportunidades que isso oferece, é só pensar um pouco.
– Você vai ganhar dinheiro com isso?
– Pode apostar. Com minha experiência de vida e meu tirocínio para negócios, tenho certeza de que vou me dar bem. Ninguém está acostumado com esse tipo de contrato, parece simples, mas é muito complexo, tem muitas sutilezas. O mercado não é fácil, mas quem sair na frente e com know-how pode faturar uma baba.
– Que coisa, nunca pensei que ia ver isso. Desse jeito os casados só vão ficar juntos mesmo é no cemitério. Assinam o contrato e dizem “até que a morte nos junte”.
– Gozação sua, mas é isso mesmo. Está vendendo o slogan?

ECO, ECO,ECO,ECO...

MÍRIAM LEITÃO

Lições da água
O GLOBO - 11/04/10

Foi uma semana pesada para o Rio. Os piores temores se confirmaram. Os alertas viraram verdade, e a chuva revelou que no Morro do Bumba, em Niterói, tudo era pior do que se pensava. Ao mesmo tempo, há uma avenida aberta para o Rio e o Brasil neste momento. O Brasil é um país assim: tem uma agenda tão cheia, que o muito já feito acaba sendo soterrado pelo muito a fazer.

foi a chuva que matou tantos no estado. A chuva foi reveladora da imprevidência dos administradores públicos. A imprevidência é que matou. Deixar por mais de 20 anos que uma população se instale sobre um lixão depositado numa encosta é condenar todos aqueles moradores à morte.

Ou à morte lenta pelas doenças decorrentes de morar sobre o lixo; ou à morte numa avalanche previsível, porque aquele não era, nem jamais seria um terreno firme.

Mesmo em locais onde o absurdo não é tão radical, as construções se equilibram em encostas frágeis que descerão, mais chuva, menos chuva, mais dia, menos dia. Há várias tragédias anunciadas.

Todos os governantes das últimas décadas mostraram conjuntos habitacionais em suas propagandas eleitorais, todos os governos foram financiados pela Caixa para fazerem esses conjuntos, mas poucos fizeram a conexão entre uma coisa e outra: entre remoção de população em área de risco com as casas que vão distribuir. Não se sabe qual é o critério dessa distribuição, nem se o problema da moradia em área de risco está encontrando a solução de um novo conjunto habitacional.

Nosso novo Censo deve dar números atuais, mas o antigo diz que há no Rio 1,1 milhão de pessoas morando em favelas. Dessas, segundo o economista Sérgio Besserman, de 10 mil a 30 mil pessoas estão em área de risco: — É um custo que dá para encarar, o de remover e reinstalar em áreas mais seguras.

O Rio tem uma chance de ouro. É estranho falar isso numa semana tão dolorosa.

Mas a tragédia pode trazer o senso de urgência; as Olimpíadas e a Copa, a obrigatoriedade do planejamento; os estudos dos cientistas, a certeza de que outros eventos virão; o interesse pelo Brasil pode trazer investidores.

A dor, o compromisso com o Comitê Olímpico, as mudanças climáticas e o capital atraído podem produzir o momento certo para um salto de qualidade na gestão e no planejamento urbanos.

Remoção é uma palavra há muitos anos banida do vocabulário de quem quer parecer moderno no Rio. Ela lembra o autoritarismo de outras intervenções. Mas o contemporâneo agora é olhar esta ação sem preconceitos.

Será mais fácil se a autoridade for rigorosa também com irregularidades cometidas pelos ricos e pela classe média. O ordenamento da cidade tem que passar por toda uma revisão. Porque nós queremos, porque temos que fazer isso, porque não fazer é uma questão de vida ou morte. Mas erros estão sendo cometidos neste exato momento, quando se permite especulação imobiliária em áreas impróprias para expansão.

Momentos extremos exigem escolhas radicais. E o Brasil e o Rio estão vivendo um desses momentos. Eles podem ser muito promissores.

Foi por ter chegado ao abismo inflacionário que o país construiu as bases da estabilidade macroeconômica, que o permitem agora ser apresentado ao mundo como potência emergente preparada para um novo salto.

A revelação de que essa potência emergente deixa que pessoas se instalem em cima de lixões enfraquece qualquer euforia excessiva com o Brasil. Mas o país é isso: com suas virtudes e crimes.

A hora é de investir na virtude e combater o crime.

Do ponto de vista da saúde pública, lixões a céu aberto são doenças; do ponto de vista ambiental, são contaminação e emissão de gases de efeito estufa; do ponto de vista econômico, são um espantoso desperdício. Lixo pode ser energia e um insumo ao crescimento.

Pelos dados do IBGE, colhidos em 2002, o Brasil produz 230 mil toneladas de lixo doméstico e comercial por dia. Isso sem contar o lixo industrial, de construção civil, hospitalar e o lixo perigoso. Nessa pesquisa feita em 5.471 municípios dos 5.507, a informação dos pesquisadores é que 40% é aterro sanitário, o resto é lixão a céu aberto.

Mas os dados podem ser piores porque muitos aterros sanitários são lixões disfarçados, sem o necessário investimento em isolamento para evitar a contaminação. A tecnologia de transformar o lixo em energia já está dominada no mundo e há experiências no Brasil. Pode-se conseguir financiamento externo através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do Protocolo de Kioto. Quem precisa de crédito de carbono financia a transformação.

Eles ficam com o crédito, e o Brasil com o lixo tratado, a energia e o aproveitamento da matéria-prima dos recicláveis.

Isso não é futurismo. Já foi feito em São Paulo. A Petrobras está financiando um projeto no Fundão. Tudo está ao nosso alcance.

O país precisa mudar conceitos. A culpa não é de quem construiu em cima de um lixão. Eles foram vítimas.

Não tiveram opção, orientação, oferta de moradia decente em local seguro.

Um prefeito que governa a cidade, em seu terceiro mandato, não pode alegar desconhecimento de que o Bumba era área de risco e era inaceitável por razões humanas, sanitárias, ambientais. A informação de que lixo é doença, de que ninguém pode morar sobre um aterro improvisado mal cobrindo um lixão é pública.

Todos sabem. Inexplicavelmente, o morro não estava na lista das áreas de risco de Niterói.

A água que desceu forte e assustadora sobre o Rio ensina, avisa e revela onde está o risco. É hora de ver e ouvir o que a água mostrou.

MERVAL PEREIRA

Captando sinais
O GLOBO - 11/04/10

O presidente Lula, velho conhecedor das campanhas eleitorais, deve ter colocado o ouvido no chão e captado sinais que escapam aos comuns dos mortais para se comportar da maneira errática dos últimos dias, sem o menor pudor de afrontar a Justiça Eleitoral ou de anunciar que estará por trás da candidata oficial, Dilma Rousseff, “puxando as cordinhas” como se faz com as marionetes

Há também nessa mudança de atitudes de Lula a admissão de que a estratégia da oposição está dando resultados. O governo quer porque quer que a oposição assuma ser “anti-Lula”, enquanto a oposição vai se colocando para o eleitorado como uma opção “pósLula”, como defendia o exgovernador de Minas Aécio Neves.

Sagaz do jeito que é, Lula deve ter detectado que a sua “criatura eleitoral” não está convencendo os eleitores de que pode levar adiante seu projeto de governo, e resolveu escancarar que estará sempre a seu lado se realmente for eleita.

Essa estratégia de desidratar Dilma para se colocar em seu lugar, cumprindo um terceiro mandato indireto, já havia sido abandonada lá atrás, quando as pesquisas qualitativas mostraram que os eleitores estavam considerando Dilma uma mera teleguiada do líder Lula, o que poderia impedir que ampliasse sua base eleitoral, coisa absolutamente necessária para uma vitória.

Lula chegou a desmentir que pensasse em se candidatar a novo mandato em 2014, dizendo que Dilma não era candidata para um governo só.

Parecia coerente com declarações anteriores, quando defendia a tese de que expresidentes já têm seu lugar na História e não devem participar diretamente do dia a dia da política nacional.

Com isso queria criticar o comportamento de seu melhor adversário, o expresidente Fernando Henrique Cardoso.

Agora, não se peja de dizer que será o homem por trás dos cordões que moverão a marionete-presidente, e chega a dizer que poderá, fora da Presidência da República, “agitar mais, reclamar mais”, como se esse fosse o papel de um ex-presidente.

Aliás, Lula já disse que “quebrarão a cara” aqueles que imaginam que ele será um mero ex-presidente.

Essas idas e vindas de Lula podem indicar que ele está desencarnando mal do papel de presidente da República, mas podem também ser sinais de que as sondagens eleitorais mostram que será mais difícil do que ele apregoa eleger Dilma Rousseff do nada de onde foi buscá-la para reafirmar sua força eleitoral.

Pegue-se a indisposição do presidente com a Justiça Eleitoral e se terá uma ideia clara das dificuldades que Lula está encarando na sua tentativa de eleger Dilma.

Pelo que havia planejado, Lula seguiria impávido na apresentação de sua candidata ao eleitorado brasileiro sem que nada obstaculizasse essa determinação de fazêla conhecida.

Às custas de quebrar as regras eleitorais seguidamente, conseguiu elevar Dilma de uma quase desconhecida a uma candidata viável com cerca de 30% dos votos nas pesquisas eleitorais.

Esse índice sempre foi uma barreira psicológica que Lula levou muitas derrotas para superar, e teve que se transformar no único líder eleitoralmente viável da esquerda brasileira para consegui-lo.

Ora, Dilma não tem essa capacidade de ação, e trazêla a esse patamar é sem dúvida uma grande vitória pessoal de Lula.

Mas estender o alcance de suas ideias e projetos para além desse eleitorado cativo da esquerda parece ser uma tarefa mais complexa, que não depende apenas de Lula.

E as barreiras jurídicas que o TSE está colocando ao desejo de Lula de impor sua candidata ao país estão irritando o “nosso guia”, como é identificado pelo chanceler Celso Amorim.

Não se trata, como simplifica Lula, de um juiz qualquer dizer o que se pode ou não se pode fazer. Trata-se de coisa bem mais profunda, respeitar as leis.

O líder sindicalista não está acostumado a ouvir um não a suas vontades, e não gosta quando leis impõem limites às suas ações.

Ou quando os meios de comunicação denunciam irregularidades.

Ou quando o Tribunal de Contas da União embarga uma obra por indícios de irregularidades.

Ou quando os 80% de popularidade que tem não se transformam em votos para aquela que tirou de sua cartola.

No fundo, no fundo, neste momento Lula parece irritado com o eleitor, que ainda não dá mostras de que vai segui-lo cegamente nas urnas de outubro.

Ele está querendo tanto convencer as pessoas de que Dilma é “a cara” que exagera até mesmo na modéstia.

Declarou na reunião do PCdoB que, se tivesse conhecido Dilma antes, não teria sido candidato, pois ela é bem melhor.

Tudo o mais constante, Lula não teria nem mesmo tempo de saber se Dilma é melhor do que ele, porque trataria de isolá-la politicamente caso se oferecesse para ser candidata a presidente da República, assim como fez com os atuais senadores Cristovam Buarque e Eduardo Suplicy.

Trata-se, portanto, de uma falsa modéstia, e Dilma só está candidata pela vontade exclusiva de Lula, que agora quer convencer o eleitorado de que ela será uma mera “laranja” dele, cumprindo um terceiro mandato indireto.

Uma mudança na legislação faz com que nesta eleição o eleitor veja na tela da máquina de votar o nome e a foto também do candidato a vice-presidente.

Não se vota separadamente para vice, como já foi o caso, mas a escolha do vice ganha relevância também na hora de votar.

E o suplente de senador também aparecerá na telinha, com foto e tudo.

Saio em férias, e a coluna volta a ser publicada na terçafeira, dia 27 de abril.

CLÓVIS ROSSI

O Brasil real e o Afeganistão
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/04/10


SÃO PAULO - Informa a ONU: "Os indicadores do Brasil em saneamento básico são, na área urbana, inferiores aos de países como Jamaica, República Dominicana e Territórios Palestinos ocupados". Sim, é isso que você leu: pior do que na Palestina ocupada.
Acrescenta a ONU: "O Brasil rural amarga índices africanos. O acesso a saneamento básico adequado é inferior ao registrado entre camponeses de nações imersas em conflitos internos, como Sudão e Afeganistão". Sim, Afeganistão. É esse o Brasil que vai às urnas dentro de seis meses. O Brasil real, que não aparece nem no discurso do governismo nem apareceu no de José Serra, principal candidato oposicionista.
Serra fala, aliás, em avanços. Houve, como é óbvio. Mas não cabe um conformismo medíocre, mesmo em áreas como a redução da pobreza (que também houve). Vejamos a propósito o que diz o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, em entrevista para a revista do Ipea:
"A classe A e B são pessoas que ganham mais de R$ 4.000, e R$ 4.000 não é propriamente uma renda extraordinária. Agora imagine que os outros todos ganham menos de R$ 4.000. Então, a maioria está lá na classe C, D e E. São mais de 50% a 60% da população. É pouco importante saber se é 60% ou 70%, porque é um número tão grande..." Pulemos para educação e desigualdade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios trabalhados pela Unicamp mostram que, no nível médio de ensino, estão na escola 75% dos jovens que pertencem ao grupo dos 20% mais ricos, contra apenas 25% dos garotos do andar de baixo.
É pedir demais que a campanha eleitoral se concentre em como reduzir (de preferência eliminar) a aberração que é o Brasil ser a oitava economia do planeta e o 75º país em desenvolvimento humano?

ARI CUNHA

Lago de Brasília

CORREIO BRAZILIENSE 11/04/10


Quando foi construído, o Lago do Paranoá comportava 660 milhões de m³. Veio o assoreamento e não se sabe quanto armazena de água. Previsões otimistas acrescentam que não passam dos 40 milhões de metros cúbicos. Mesmo assim ainda é o suficiente para passeios em lanchas, barcos e jet ski. Há competições de kitesurf, remo, vela e até mergulho. Na Polícia Fluvial, há o registro de quase 20 mil embarcações. O problema de estacionamento para barcos é realidade em Brasília. Na avenida chique do Iguatemi Shopping, há exposição do que há de melhor em embarcações esportivas. Não será exagero dizer que mais se parece com a Rodeo Drive da Califórnia.


A frase que não foi pronunciada

“O cérebro é uma coisa maravilhosa. Todos deveriam ter um.”
José Serra preparando o pensamento para a campanha.


Bovespa
» Garantia dos participantes aos quadros da Bovespa é motivo guardado pela segurança. Açúcar, etanol e outros, se fossem listados oficialmente, os estoques seriam garantidos. Não haveria manipulação e os estoques teriam a garantia da Bovespa. Como está, qualquer necessidade é usada como falta do produto, o que nem sempre é verdade.

Depoimento
» Falando sobre situação do Brasil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expõe pontos de vista. Afirma que “tudo está sob uma liderança habilidosa que ajeita interesses contraditórios e camufla a reorganização política que está se esboçando”.

Carta
» Affonso Heliodoro dos Santos, em carta à coluna, diz que “o ideal é mesmo o fechamento da Câmara Legislativa. Lá há, muito embora, pessoas honestas. Mas parece minoria que não luta. Pela ideia de JK, teríamos um prefeito nomeado pelo presidente da República, câmara de vereadores, deputados federais e senadores. Transformaram tudo neste montão de desonestidade em que o Brasil vive hoje”.

Aviso de luta
» Líder separatista checheno Doku Khamatovich Umarov falando em vídeo divulgado pelo site Kavkazcenter: “Sou contra a organização extremista, o Emirado do Cáucaso”. Disse mais: “Eu prometo que a guerra virá até suas ruas e vocês sentirão em vida a dor da própria pele”.

Euro balança
» Ajuda à Grécia fendeu a moeda europeia. O pacote prevê créditos do Fundo Monetário Internacional bilateral de outros países membros. O grupo sugere que a Alemanha abandone o euro, caso o país precise ajudar a Grécia a superar suas dificuldades. O euro vem reduzindo no correr da semana sua cotação internacional.

Financiar
» Deixado de lado por causa da economia crescente, o ministro da Fazenda Guido Mantega anunciou até dezembro a prorrogação do Programa de Sustentação do Investimento. Vai financiar projetos até R$ 80 bilhões. Trocando em miúdos, o governo abandonou o PAC, que não obteve progresso, e lançou o PAC – 2 para acalmar a população antes da eleição.

Meirelles fica no BC
» Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, tinha interesse em participar das eleições em Goiás, estado de nascimento. Estava preparando. Assistindo a discurso do atual governador, constatou que a corrupção lá é pior do que em Brasília.

Voos difíceis
» Não vão bem o Brasil e os caminhos dos ares. A distância mantida entre aeronaves é grande. Demora para descer, para decolar. Chegar ao destino combustível acima das necessidades. Dois dias viajando no Brasil dia e noite, aviões consomem combustível que daria para voar entre São Paulo e Paris.

Reconhecimento
» Arruda se despede do STJ. Depois de quase 50 anos de magistratura, Denise Arruda deixa a Corte como a quarta mulher a exercer função de ministra no tribunal. Graças a ela, o Código de Defesa do Consumidor passou a ser aplicado também em instituições financeiras.


História de Brasília

Chapas-brancas, aos domingos, agora estão fazendo seu divertimento longe da polícia. No acampamento da Metropolitana, então, nem se fala. (Publicado em 1/3/1961)

UM PUTEIRO CHAMADO BRASIL

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Vale tudo por Lulilma
O Estado de S.Paulo - 11/04/10

Bem que ele avisou. "Eleger a Dilma é a coisa mais importante do meu governo", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no congresso do PT que em fevereiro passado celebrou a candidatura da ainda ministra da Casa Civil. E, caso algum companheiro, ou quem quer que seja, não tenha captado a mensagem em toda a sua amplitude, esclareceu: "Eleger a Dilma não é secundário para o presidente da República, é a coisa prioritária na minha vida neste ano." Note-se a confluência entre o cargo e a pessoa, numa admissão involuntária, mas que não deixa o menor espaço para mal-entendidos, do atrelamento do governo em geral e da Presidência da República em especial à prioridade número um do seu titular no período final do seu mandato.

Lula se comparou certa vez à "metamorfose ambulante" de Raul Seixas, para explicar a sua mutação política. Mas, em face da sucessão, a coerência de seus atos com as suas palavras é total. Ele tem feito e continuará a fazer o muito que está a seu alcance, no exercício do poder, para realizar a anunciada coisa mais importante do seu governo. E, se nada o tolher e ele for bem-sucedido, poderá dizer, parafraseando um afamado político paulista, que quebrou todos os limites éticos na condução do Estado, mas fez o seu sucessor. E ninguém terá o direito de se surpreender com a transformação do Executivo em simples apêndice da candidatura Dilma - assim como ela própria é apêndice de seu patrono.

A única pedra no caminho de Lula é o Judiciário, que já o multou duas vezes pela descarada campanha em favor da então ministra, fabricando eventos públicos para exibi-la aos eleitores (40% dos quais, apesar de tudo, ainda não sabem que ela é a escolhida do presidente). Mas do alto da sua soberba - que o levou a dizer em um evento do PC do B, na quinta-feira, que, "se depender dos times que estão em campo, nunca tivemos (sic) uma campanha tão fácil" - resolveu peitar a Justiça. Nesse que foi o primeiro ato político pró-Dilma de que participou desde que ela deixou o governo, Lula afirmou que fará, sim, campanha de rua para a sua apadrinhada porque "não podemos ficar subordinados, a cada eleição, ao juiz que diz o que a gente pode ou não fazer".

O presidente - isto já é bem sabido - gosta de reiterar as suas assertivas. À maneira da fala aos companheiros do PT, quando achou que não bastava dizer que eleger a sua candidata é a coisa mais importante do seu governo, na festa do PC do B ele não se deu por satisfeito ao proclamar a sua independência do Judiciário. Sem a mais remota inclinação para a autocensura, acrescentou à promessa da insubordinação uma investida contra o Estado de Direito, ao disparar: "Não podemos permitir que o nosso destino fique correndo de tribunal para tribunal." Já houve neste país quem tivesse dito "a lei, ora a lei". Mas Lula, diferentemente do autor da tirada infeliz, Getúlio Vargas, se gaba de ser democrata.

Além da arrogância de se imaginar acima de quaisquer limites, como os velhos oligarcas da política nacional com quem se associou, e da obsessão com a suprema prioridade de sua vida este ano, Lula tem um motivo real para entrar com tudo na campanha - ou melhor, para não deixar Dilma solta por aí. O motivo, evidentemente, é ela mesma. Os dois dias que passou em Minas foram uma sucessão de vexames. Fez comentários insultuosos aos presos políticos de Cuba, foi hostil com o repórter que se referiu ao Estado como "berço tucano" e, sem a menor consideração com o provável candidato da coligação lulista ao governo mineiro, o ex-ministro Hélio Costa, do PMDB, pregou a dobradinha Dilmasia (ou Anastadilma): ela para presidente e o tucano Antonio Anastasia, ex-vice de Aécio Neves, para governador.

O candidato rejeitou com elegância o esquema por não ter "amparo na realidade". Por sua vez, um agastado Hélio Costa retrucou que a candidata poderá "morrer pela boca" e que, chapa por chapa, Serrélio seria uma boa alternativa. Decerto isso não está nas cartas a esta altura do jogo.

O que está é a crescente suspeita dos partidos da base aliada de que a construção de uma liderança política acreditada não é o forte de Dilma. A pessoa, desconfiam, simplesmente não é do ramo. É a servidão da candidatura Lulilma.

JANIO DE FREITAS

O descontrole
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/04/10


O cerco que acomete o presidente Lula, feito de contrariedades e desafios à sua soberba, é invariável



A AGRESSIVIDADE de Lula nos últimos dias é um sinal que cada um de nós pode interpretar como quiser, mas o cerco que o acomete, feito de contrariedades e desafios à sua soberba, é invariável. E, inconclusos, todos prometem desdobramentos ainda mais agitadores dos ânimos presidenciais.
O insulto de Lula aos ministros do Tribunal de Contas da União, acusados de "leviandade" por concluírem que Geddel Vieira Lima destinou à Bahia 65% das verbas de prevenção a calamidades, revela a responsabilidade maior do próprio Lula, no caso.
Seu nomeado para o rico Ministério da Integração Nacional, no segundo mandato, foi nada menos do que um "anão do Orçamento", salvo da degola por um pedido de última hora de Luiz Eduardo Magalhães ao relator Roberto Magalhães. Durante o primeiro mandato de Lula, Geddel manteve-se contrário ao governo, mesmo como integrante do PMDB, e se dedicou a atividades que criaram um bordão em Brasília: "Geddel vai às compras".
Por isso mesmo, o motivo de sua nomeação é ainda mais revelador. Foi parte do acordo para que o PMDB de Geddel apoiasse Jaques Wagner, incapaz de eleger-se ao governo baiano só com o PT. Muito ligado ao casal Jaques Wagner, Lula apoiou o acordo comprometendo a entrega de uma parte importante do governo, como o Ministério da Integração Nacional repleto de verbas e obras, na permuta eleitoral com um "anão do Orçamento". Geddel tratou de usar o ministério para sua própria candidatura, a par, claro, de outras finalidades.
A leviandade, ou muito mais, está no Tribunal de Contas da União?
Lula já havia falado, aqui, de seu encontro com Barack Obama, no decorrer da reunião em Washington sobre a ampliação do Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas. A Casa Branca liberou agora, e não à toa, a relação das conversas pessoais agendadas por Obama. Lula ficou de fora. O que, para tanto deslumbramento e soberba, tem ares de humilhação. Inclusive porque as relações entre os Estados Unidos e o governo brasileiro estão muito mais difíceis do que transparece no Brasil.
Daí a provocação de Lula na quinta-feira, em resposta à Casa Branca: referiu-se ao "amigo Ahmadinejad". Seguindo-se sua exaltada volta às bravatas: "Não vão fazer com o Irã o que vão fazer com o Iraque". Outro assunto em que o inesperado atingiu Lula, com as ressalvas da Rússia e as reticências da China em sua defesa do programa nuclear de Ahmadinejad. O risco de isolamento ameaça Lula, neste caso em que a posição oficial do Brasil não se confunde com a posição civil do país.
Lula forçou todas as resistências, afastou Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, propagou por aí afora a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, fez uma estranha concorrência -e afinal o consórcio das maiores empreiteiras comunica a desistência da concessão e da obra. Então, lá vem bravata: "Belo Monte vai ser feita de qualquer jeito, o governo vai fazer". O que leva à mesma pergunta de Lula para a correção das aposentadorias: "onde está o dinheiro?"
A enrolação da compra dos caças da FAB chega a um ponto de difícil continuação. Disposta na mesa como um jogo sem saída: qualquer que seja "a escolha", o governo está advertido de que terá problemas, ou por não cumprir o combinado, ou por não fazer uma concorrência correta.
Para encerrar a semana com coerência, o desafio de Lula à Justiça Eleitoral avançou para um ataque aos magistrados que, no fundo, é uma convocação aos políticos para a desobediência à Constituição. Outro embate que Lula, por certo, sabe não ter como ganhar. Até por já estar sob o risco de uma ação por crime de responsabilidade, hipótese citada mais de uma vez nas reações à sua agressão verbal.
Se à lista acima alguém quiser acrescentar outros embaraços em torno da agressividade Lula, fique à vontade. Existem, mesmo.
De volta
Às 17h05, a Globonews deve reexibir o segundo programa de Geneton Moraes Neto, autor de bons trabalhos jornalísticos, com generais da ditadura. Este será com Newton Cruz, o anterior foi com Leônidas Pires Gonçalves.
Para quem viu e quem não viu essas figuras que se apropriaram do Brasil por 21 anos, encontrá-los como são é muito útil. Mas, previna-se, acentua uma pergunta impiedosa: como mentalidades de tal nível podem chegar a ser generais?

BRASIL S/A

Ecologia burra
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 11/04/10

Estudo do Senado diz que pressão contra hidrelétricas gera custo social e mais poluição



A corrida do governo para ter um mínimo de competição no leilão da hidrelétrica de Belo Monte, depois da desistência da Odebrecht e da Camargo Corrêa, que estavam associadas para a disputa, polui a compreensão de um problema maior relacionado com o que virou um impasse: a questão ambiental e a intolerância de seus defensores.

Não só Belo Monte está nessa estranha situação de vilã ecológica ou benfeitora de uma ampla gama de demandas econômicas e sociais. Ainda agora, circula pela internet uma notícia insólita, segundo a qual um parecer de três analistas ambientais do Ibama de Alagoas veta a construção de um estaleiro em Coruripe, próximo a Maceió.

O argumento é bizarro: o investimento levaria à “favelização” do estado. A pretexto de preservar a qualidade de vida numa região em que historicamente viver é um ato de sacrifício, as moças do Ibama propõem que se perpetue a miséria, lixando-se para a carência de iniciativas empresariais no estado. Que condicionassem a licença à construção de infraestrutura social, como, aliás, o BNDES concebeu para as áreas das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira.

A defesa exacerbada dos princípios ecológicos, incorporados ao da preservação de culturas e comunidades tradicionais, começa a legar resultados contrários aos pretendidos. Há sólidos indícios de que ações bem-intencionadas, como as que modelaram o projeto final de Belo Monte e agora a ameaçam, se voltam contra a ecologia que se pretendia defender, prejudicando a sociedade brasileira em geral.

A defesa do meio ambiente tende a se tornar um valor universal — apesar de bolsões de resistência de segmentos empresariais mais atrasados, mas também cada vez menores —, já se admitindo falar de uma “ecologia cultural” permeando a produção econômica. O excesso, porém, não traz benefícios para ninguém, aumenta a dependência do país de alternativas piores e mais poluentes e obsta o progresso.

É isso o que os ambientalistas esclarecidos querem para o país? É óbvio que não. Mas veja-se o que fizeram com Belo Monte. O governo optou por uma tecnologia de turbinas que reduz a área alagada, mas também diminui a energia efetiva gerada. De 11 mil megawatts de potência instalada, Belo Monte vai gerar, de fato, meros 4 mil megawatts/hora médios — um dos fatores que os investidores afirmam não estar contemplado devidamente na tarifa máxima definida pelo governo.

Sociedade paga tudo

Quer dizer: a sociedade, que é a fonte pagadora de tudo o que faz o governo até quando provê benefício social, vai pagar muito mais para receber menos da metade da energia que poderia ser ofertada.

Mas é o preço a pagar pela preservação ambiental, poderiam alegar os ativistas ambientais. Na verdade, é mais. O Ibama exigiu pela licença ambiental mais R$ 3 bilhões em desembolsos para preservar o meio ambiente e criar infraestrutura para as populações locais.

Razões indecifráveis

É justo, e mais seria se os líderes do movimento que continua a querer vetar a obra reconhecessem que Altamira, área de influência da usina no Pará, está entregue à própria sorte, e Belo Monte é a oportunidade derradeira de redenção. Não violência às populações, inclusive aos povos indígenas, como alegam, se houver a vigilância e regulação adequadas, conforme o compromisso do governo.

O veto à usina como a toda a infraestrutura física de que o país se faz carente virou meio de vida para grupos ambientalistas cujos propósitos são indecifráveis, já que atendê-los implica prejuízos ainda maiores, mesmo ambientais, para o conjunto da sociedade.

O país feito de bobo

É o que revela estudo de dois consultores legislativos do Senado, Omar Abbud e Márcio Tancredi, sobre as transformações recentes da matriz energética do país. Os dados são impressionantes. O país demanda cada vez mais energia. À falta de hidrelétricas, meio mais limpo de geração de energia elétrica, depende-se de termelétricas movidas a óleo diesel, carvão e gás, opções mais poluentes.

O aumento de emissões de CO2 das térmicas foi de 122% entre 1994 e 2007 e, sem atraso ou frustração, como do projeto de Belo Monte, deverá ser de 172% até 2017 sobre 2008. Como a energia de térmicas custa mais, a conta de luz deverá ter aumento real médio de 22%.

E a opção das hidrelétricas? Todas as existentes e as projetadas ocupariam menos de 0,16% da região amazônica, 10,5 mil quilômetros quadrados, área 20% menor que as queimadas só no período de agosto de 2007 a julho de 2008. Tais números mostram que a sociedade está sendo feita de boba: paga mais em troca de um meio ambiente pior.

Energia será mais suja

A conclusão dos consultores do Senado, quadros de excelência tais como os da Câmara, é preocupante. “A matriz energética projetada para o Brasil, nos próximos anos, é progressivamente mais suja e mais perversa em termos de emissão de gases estufa”, dizem eles.

As sequelas: “perde o país qualidade e eficiência em seu sistema de geração de energia elétrica; perdem as atividades econômicas ribeirinhas por não verem regularizado o fluxo dos rios; perdem os consumidores, que estão pagando mais pela energia; e perde o meio ambiente em função da crescente dependência da termeletricidade”.

O que chamam de “veto branco”, sem amparo em lei, à construção de reservatórios é o que afoga as hidrelétricas. Quem veta? Deve ser quem não quer luz para todos, água encanada, coisas assim.