quinta-feira, dezembro 30, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

 Memórias de uma eleição chinfrim
Vinicius Torres Freire
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/12/10

No balanço do ano, fica a triste memória da disputa mais burra e odienta desde a volta da democracia 


NÃO FAZ dois meses que Dilma Rousseff foi eleita, mas parece que a campanha eleitoral ocorreu num ano remoto, já tão apagado quanto a Copa do Mundo de 2010 (sim, a Copa vencida pela Espanha ocorreu neste ano). A eleição mesma parece, por sua vez, tão imemorável quanto a seleção de Dunga, um breve e irrelevante sonho ruim para quem gosta de futebol. Mas essa é outra história.
O leitor, que é perspicaz, teria alguma lembrança da triste campanha eleitoral para presidente? Sem recorrer aos arquivos, o jornalista faz ele mesmo o exercício de memória.
Houve a fofoca baixa sobre o aborto. Houve Erenice Guerra e seu Estado de bem-estar familiar. Houve algo que chamaram de "onda verde", a breve ascensão de Marina Silva (PV).
Houve a história da bolinha de papel, ou algum objeto inescrutável, atirada na cabeça de José Serra (PSDB). Houve muito ódio e tentativas de invalidar o adversário, de parte a parte, mas é difícil recordar até o teor dos insultos.
Houve algo mais? Não muito mais, dizem os arquivos. O PT de Dilma apresentou um programa de governo que a então candidata viria a renegar, substituindo-o por um "13 pontos" que não diz nada. Serra nem isso fez.
Desprezou completamente o eleitorado que lhe fazia perguntas programáticas.
Houve listas enormes de promessas municipais, paroquiais. Entre as demagogias maiores, houve a de Serra, de estourar o valor do salário mínimo. Por falar em equívoco, Serra, aliás, lançou-se candidato com a "defesa do emprego", que não estava indefeso, pois chegou a uma baixa histórica neste final de ano. No mais, o tucano parecia candidato a secretário municipal da Saúde. Dilma, por sua vez, no início da campanha, falou em baixar impostos e "em ampla reforma tributária", algo impossível de fazer diante dos gastos estourados do governo.
Mas é ocioso ficar lembrando mais desconversas dessa que foi a campanha eleitoral mais vazia, burra, mesquinha, odienta e personalista desde que o país voltou à democracia.
O que importa aqui é lembrar a alta intensidade do conflito eleitoral e a escassez de teor político, social e intelectual da campanha. Agitamo-nos como loucos por nada -nem mesmo ocorreu o debate plebiscitário pregado no início do ano pelo PT.
Os adversários principais se acusavam de pecados terminais: do desejo de destruição da democracia, do bem-estar social, da ordem etc., mas tudo isso era disparate exagerado e repulsivamente oportunista. No que diz respeito à substância, na campanha, não apareceram ideias novas. Partidos ou grupos políticos novos. Lideranças políticas novas.
O que sobrou disso? O pessoal do PSDB posava de último bastião de defesa da democracia contra a iminente ameaça do totalitarismo dos hunos petistas. Logo depois da eleição, deu algumas entrevistas sobre "refundação" do partido e foi viajar. Marina Silva e seu personalismo simpático, mas personalismo, desapareceu igualmente, pelo menos por ora, e nem chegou a montar um partido. Até agora, parece apenas uma hóspede do PV. Depois de amanhã, Dilma Rousseff e seu PT tomam posse, mas ainda não conhecemos o seu programa de governo.
O balanço do ano político-partidário é o balanço da eleição. O saldo, pois, é degradação e esvaziamento ainda maior da substância do debate político.

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