quarta-feira, dezembro 08, 2010

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Para entender a "guerra cambial"
ALEXANDRE SCHWARTSMAN
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/12/10

A questão é identificar qual é a taxa de câmbio de equilíbrio, mas a teoria nos fornece algumas pistas


COMO SABER se um país está "manipulando" sua taxa de câmbio? Em tese, bastaria comparar a taxa observada àquela que deveria prevalecer em equilíbrio.
Caso a taxa observada permaneça sistematicamente mais fraca que o indicado pela taxa de equilíbrio, há bons motivos para acreditar que o país em questão está distorcendo o valor da sua moeda. O único (e nada trivial) problema consiste em determinar a taxa de câmbio de equilíbrio, mas a teoria econômica pode nos dar algumas pistas a respeito.
Em termos teóricos, essa taxa ideal é aquela congruente com o equilíbrio interno e externo de um dado país. Por equilíbrio doméstico vamos entender uma situação na qual o produto da economia esteja próximo ao seu potencial e, portanto, que a inflação também se encontre ao redor da meta.
Há, porém, várias combinações consistentes com essa situação. Se, por exemplo, a demanda interna estiver muito fraca, tal fraqueza poderia ser compensada por uma taxa de câmbio bastante desvalorizada, que produzisse uma demanda externa forte, mantendo a economia próxima ao seu potencial.
Da mesma forma, uma taxa de câmbio mais forte, que levasse à redução das exportações (líquidas das importações), poderia ser compensada por uma demanda doméstica mais aquecida.
A manutenção do equilíbrio doméstico nos termos acima definidos implica, de maneira geral, uma relação direta entre a taxa de câmbio e o ritmo de expansão da demanda interna: a demanda forte requer uma taxa de câmbio forte para manter a economia operando sem pressões inflacionárias, enquanto a fraqueza da demanda doméstica precisa ser compensada com uma taxa de câmbio fraca para evitar a deflação. Se, porém, a demanda estiver forte com o câmbio fraco, a inflação ficará acima da meta, isto é, em desequilíbrio interno.
A definição de equilíbrio externo é um pouco mais complicada. Em princípio seria um nível do deficit externo considerado "sustentável". A dificuldade aqui é a noção de "sustentável", que pode (e deve) significar coisas diferentes em momentos (ou países) distintos. Para fins da presente discussão, aceitemos que o equilíbrio seja um saldo externo zerado, sem, como veremos, grande perda de generalidade.
Imagine, pois, um país em que a demanda interna cresça vigorosamente, requerendo um aumento das importações além das exportações.
Para manter as contas externas equilibradas, a taxa de câmbio tem que se desvalorizar.
Da mesma forma, se a demanda interna fraqueja, a taxa de câmbio pode se apreciar sem prejuízo à manutenção do saldo zerado. A relação nesse caso é inversa à observada no anterior: para manter o equilíbrio externo, uma economia forte precisa de câmbio fraco e vice-versa.
Assim, se observarmos demanda fraca acompanhada de câmbio desvalorizado, o balanço de pagamentos mostrará superavit, revelando desequilíbrio externo.
Na China observamos simultaneamente tensões inflacionárias e grandes superavit externos, duas características do câmbio demasiadamente depreciado. Caso permitisse que a taxa de câmbio se apreciasse, tanto a inflação como os saldos externos cairiam, trazendo a economia para o equilíbrio.
Por outro lado, os Estados Unidos, que enfrentam riscos de deflação no contexto de deficit externos, apresentam taxa de câmbio excessivamente apreciada, requerendo um dólar mais fraco para retornar ao equilíbrio.
Entretanto, enquanto o dólar flutua (e se deprecia), o yuan é fixo com relação a essa moeda, de modo que sua correção só se dá (lentamente) pela aceleração da inflação interna, exigindo uma desvalorização ainda maior do dólar em relação às demais moedas.
Se há, portanto, algo de artificial, é a fixação da taxa de câmbio chinesa, atitude alegremente aceita pelas mesmas autoridades que acusam os Estados Unidos de fomentarem uma "guerra cambial", revelando incompreensão assustadora de um assunto tão relevante.

ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. 

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