segunda-feira, novembro 29, 2010

MARIA INÊS DOLCI

Não ao assédio comercial
MARIA INÊS DOLCI

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/11/10

É lícito vender, mas obrigar o consumidor a comprar é assédio comercial e um grande espanta-freguês


O CLIENTE enfrenta fila para pagar um produto de que necessita ou foi induzido a adquirir. Vai gastar dinheiro naquela loja. Pode ser de eletroeletrônicos ou de moda feminina.
Inevitavelmente, perguntam-lhe se não quer aproveitar a promoção e levar um produto que não deseja comprar. Se comprou um sapato, oferecem meias, cintos, outro calçado, um chinelo.
Ou indagam se já tem o cartão da loja. Mesmo respondendo que já tem outros cartões, tem de ouvir uma ladainha sobre os benefícios únicos daquele retângulo de plástico. Ora, é constrangedor ter de reafirmar, de repetir várias vezes, que não se quer algo, mesmo, muito obrigado!
É embaraçoso ver o sorriso amarelo de profissionais, em sua maioria mal remunerados, no comércio ou em bancos, tentando empurrar um produto ou um serviço para cumprir suas cotas de venda.
Em uma farmácia, então, é mais do que desagradável, é irritante, porque muitas vezes quem vai até lá necessita urgentemente de um medicamento. Não é incomum que um consumidor esteja com dor de cabeça, resfriado ou até com problemas mais graves de saúde.
Ainda assim, tem de manter a calma e a boa educação, pois sabe que os vendedores não têm outra opção. Paira sobre eles a ameaça, raramente velada, de demissão ou de marcar passo na carreira se não conseguirem aumentar o valor da compra alheia.
Os precursores dessa política comercial, sem dúvida, foram os bancos. Que sempre dão um jeito de vincular um empréstimo à aquisição de um seguro, ou de um maldito título de capitalização.
Costumavam, também, enviar cartões não solicitados. E hoje colocaram toda a movimentação de uma conta em cartões com crédito.
Ou seja, de uma forma ou de outra, você acaba fazendo o que eles querem. Não bastasse tudo isso, operadoras de TV por assinatura, de telefonia e, de novo, bancos têm exércitos armados com telefones até os dentes para "oferecer" bônus que você nem imaginou. Experimente, contudo, solicitar que a oferta seja feita por e-mail, com as informações sobre alteração de contrato que implicam. Pode esperar sentado, leitor.
Ninguém gosta de ser alvejado por ofertas não solicitadas de produtos. Nem que seja pela dupla de "vendedores" de um restaurante por quilo do shopping. Quem já deu uma volta maior na área de alimentação para fugir deles sabe do que estou falando.
Para complicar ainda mais, há os ambulantes nos semáforos das grandes cidades, que empurram produtos ou penduram pacotes de bala e de chiclete no espelho externo do carro. Alguns deles, mais agressivos, só deixam o motorista prosseguir após oferta insistente do produto ou do serviço -por exemplo, limpeza do para-brisa com líquido suspeito e pano idem.
É lícito, evidentemente, vender. Vendedor é um profissional respeitável como qualquer outro. Isto posto, é incorreto pressionar indevidamente consumidores para que "ajudem" um desses profissionais a cumprir suas cotas.
Fala-se e escreve-se muito sobre fidelização. Ou seja, sobre como uma empresa poderia fisgar corações e mentes dos consumidores. Vai aqui uma dica: não nos aborreçam com vendas empurradas. Poderíamos até, ocasionalmente, comprar algo que não houvéssemos planejado. Mas, nesses casos, as possibilidades de arrependimento são grandes. Isso não fideliza ninguém.
Na verdade, declaro-me pronta para ser fiel a um estabelecimento que simplesmente me venda o produto que procuro, com qualidade comprovada e preço justo, na média do mercado. A uma loja que não cobre mais por compra paga com cartão de crédito. E que me dê a oportunidade de só adquirir, se for o caso, o produto barato e simples de que necessito, sem me assediar com perguntas do tipo "não quer aproveitar para levar este kit de beleza?".
Comprar não precisa se tornar um suplício para o consumidor, embora haja filas, dúvidas e preços nem sempre convidativos. Obrigar a comprar é assédio comercial e um dos melhores espanta-fregueses do mercado.
MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve quinzenalmente, às segundas, nesta coluna.

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