terça-feira, setembro 07, 2010

ARNALDO JABOR

O ponto G da alma
ARNALDO JABOR

O GLOBO - 07/09/10

Toda hora um idiota me copia e joga na internet coisas que não escrevi. Há vários, em geral sobre mulheres e amor... Um deles diz : "As mulheres têm um cheirinho gostoso, elas sempre encontram um lugarzinho em nosso ombro". Há mais. "Adoro celulite. Qual é essa de bundinhas duras?" e coisas assim. Acreditem que outro dia uma senhora me abordou, eufórica : "Eu tenho bunda mole!". Juro.
Por essas e outras, vou falar um pouco de mulher, eu que mal as entendo na vida. Não falarei das coxas, seios e bumbuns... Falo de uma aura mais fluida que as percorre. Vai ser um artigo apócrifo, escrito por mim mesmo.
Li em um lugar que cabeça de mulher é metáfora; de homem é metonímia... Entenderam? Nem eu; acho que quer dizer que mulher compõe quadros mentais que se montam em um conjunto simbólico sem fim, como a arte. O homem quer princípio, meio e fim, mais "ciência". Não quero falar de "mulher" sociologicamente, mas sim do "sétimo órgão" que todas têm, uma espécie de "ponto G" da alma.
Começo dizendo que "as mulheres nunca estão com a cabeça no lugar e, por isso, querem que os homens estejam com a sua no lugar onde elas acham que estão. Não é só o exterior de uma mulher que nos interessa - a lingerie também é importante... A cosmética é a cosmologia da mulher".
Gostaram, feministas? Não? Pois é; essas frases são apócrifas também. Quem escreveu foi o polêmico sacana Karl Kraus, da época de ouro de Viena, famoso fazedor de aforismos e sátiras profundas.
Também faço meus aforismos, menores, claro, pois, como também dizia o Kraus, "há escritores que conseguem dizer em 20 páginas aquilo para o que preciso até de duas linhas".
Por isso, serei bem generalista, como só os bons apócrifos sabem fazer... Vamos lá.

O termômetro das mulheres é: "Estou sendo amada ou não? Esse bocejo no seu rosto entediado... Será que ele me ama ainda?".
Elas só pensam nisso. O amor para elas é um lugar onde se sentem seguras, mas, em geral, as mulheres não acreditam em nosso amor. Quando elas têm certeza dele, às vezes param de nos amar. Nelson Rodrigues me contou: "Uma mulher me disse: quando um homem me diz ‘eu te amo’, perco o interesse na hora".
Mulher adora homem impalpável, impossível; ele ganha uma aura que as hipnotiza. Toda mulher é Madame Bovary. O canalha é mais amado que o bonzinho. Mulher não tem critério; pode amar a vida toda um vagabundo que não a merece ou desprezar o devoto. Mulher não quer amor a seus pés.
Ela sofre com o canalha, mas isso a justifica e engrandece, pois ela tem uma missão: convencer o canalha de que ele a ama. Já vi mulheres abandonadas e humilhadas, dizendo, lívidas de esperança de uma volta: "Ele não sabe que me ama...".
Quando queremos seduzi-las, mesmo sinceramente (no fundo elas sabem que até a sinceridade é volúvel), um sorriso descrente lhes baila na boca. Preferem ser amadas que desejadas. Por isso, a satisfação erótica é uma corrida de obstáculos (Karl Kraus, de novo).
Elas estão sempre um pouco fora da vida social, mesmo quando estão dentro. Pode ser uma empresária brilhante, mas, sob o tailleur de executiva, seu corpo lateja de saudades por alguma coisa que desconhece.
No Brasil das celebridades, o feminismo foi um mal-entendido. Muitas vezes rima com galinhagem ou até com uma forma velada de prostituição. Mas vamos combinar que, no "design", somos uns jipes; elas são Mercedes-Benz voluptuosas e curvilíneas.
Muitas mulheres, para serem amadas, instilam medo no coração do homem. A carinhosa total entedia os maridos - sentem-se enclausurados numa prisão cinco estrelas. O homem só ama profundamente no ciúme. Só o corno conhece o verdadeiro amor.
Nada mais terrível que a mulher que cessa de te amar. Você vira uma mulher abandonada. O homem corneado, carente, é feio de ver. A mulher enganada ganha ares de heroína, quase uma santidade. Ninguém tem pena do corno.
No entanto, o homem só atinge a idade viril quando é corneado. A mulher nunca é corneada, pois sempre se sente assim. O amor exige coragem. E o homem é mais covarde. O homem, quando conquista, acha que não tem mais de se esforçar e aí, dança...
A mulher quer ser possuída em sua abstração, em sua geografia mutante; a mulher quer o homem para se conhecer. A mulher quer ser possuída, mas não na base do "me come todinha". Falam isso no motel, para nos animar. Ela quer ser decifrada, pois não sabe quem é. As mulheres não sabem o que querem; o homem acha que sabe. O masculino é o "certo"; o feminino é o insolúvel. O homem é pornográfico; a mulher é amorosa. A pornografia é só para homens.
A mulher é metafísica; o homem é engenharia. A mulher deseja o impossível; ela vive buscando atingir a plenitude mesmo que essa "plenitude" seja um "living" decorado com belas cortinas ou o perfeito funcionamento do lar.
A mulher é mais profunda - é a natureza se parindo. A vida e a morte saem de seu ventre. Ela faz parte do universo que nós vemos de fora, com o pauzinho inerme. Por isso seja tão odiada pela estupidez de assassinos.
Elas têm algo de essencial - nós somos um apêndice.
Hoje em dia, as mulheres foram expulsas de seus ninhos de procriação, de sua sexualidade expectante e são obrigadas ao sexo ativo e masculino. A "supergostosa" é homem; ou melhor, é produto de seu desejo quantitativo - daí, mulheres-pera, melancia.
No entanto, as mulheres sofrem mais com o mal do mundo. Carregam o fardo da dor histórica. Os homens, por fálicos, escamoteiam a depressão com obsessões bélicas, financeiras ou políticas.
As mulheres aguentam a dor incompreendida. O mundo está tão indeterminado que fica feminino, como uma mulher perdida. Mas não é um mundo delicado, romântico e fértil como a mulher; é um mundo-mulher comandado por homens boçais.

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