segunda-feira, agosto 02, 2010

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Direitos autorais: o espírito da coisa

EDITORIAL
O ESTADO DE SÃO PAULO - 02/08/10

Em matéria de marcos regulatórios, na área da cultura, o governo Lula tem sido pródigo em proposições e incompetente em realizações. O grande exemplo é a reforma da Lei Rouanet. Foi "amplamente discutida", praticamente desde o primeiro dia do segundo mandato de Lula, para, finalmente, ser transformada em projeto de lei, repousando agora em alguma gaveta do Congresso Nacional desde fevereiro último. E pelo jeito, já obtidos os melhores efeitos propagandísticos e promocionais, por lá irá ficando.


Agora parece ser a vez da nova Lei de Direitos Autorais que, segundo o ministro da Cultura, Juca Ferreira, está sendo "amplamente discutida" há pelo menos oito anos. Em 2007, a partir da criação do Fórum Nacional de Direito Autoral, o Minc pesquisou a legislação pertinente de mais de 30 países e promoveu cerca de 80 reuniões e seminários que envolveram perto de 10 mil interessados na discussão da reforma. Finalmente, elaborou o projeto de lei que, desde o mês passado, está disponível para consulta pública, última etapa da fase de elaboração do projeto a ser enviado ao Congresso.
Um novo marco legislativo é imposição da obsolescência da atual Lei 9.610/98, que regula a matéria. A rápida evolução tecnológica das comunicações e o surgimento de novas mídias tornam inevitável a revisão de muitos dispositivos legais que tratam de um amplo elenco de questões complexas e delicadas - desde o conceito de direito autoral propriamente dito e a amplitude de sua vigência, até as formas de remuneração como contrapartida de sua cessão, temporal ou definitiva.
Sem entrar no mérito do conteúdo do projeto de lei elaborado pelo Minc, que contempla com propriedade muitas das questões pontuais envolvidas na matéria, o que chama a atenção nesse assunto - embora não chegue a surpreender, dadas as peculiaridades do atual ambiente político no País - é, mais uma vez, apesar de todas as aparências e alegações em contrário, o nefasto paternalismo implícito no fato de os próprios agentes governamentais se terem arrogado a iniciativa de propor e controlar a revisão da Lei de Direitos Autorais.
Só quem não conhece o grau de contaminação ideológica dos quadros diretivos e da militância petista se ilude com a "amplitude" dos intermináveis debates com que se pretende consagrar como democráticas as práticas governamentais implantadas no País pelo governo petista. Opinar é um direito geral e irrestrito. Decidir é prerrogativa dos companheiros.
O espírito da coisa, no geral, está admiravelmente claro nas palavras do ministro Juca Ferreira, que sob o título Direito autoral e economia da cultura enalteceu, em artigo publicado no Espaço Aberto do Estado de quinta-feira, a fundamental importância dessa lei (sim, a de direitos autorais) para o desenvolvimento econômico do País: "Estamos saindo de uma economia de poucos para uma economia de muitos. Afinal, o presidente Lula está deixando uma grande lição: o desenvolvimento brasileiro pode e deve incluir os milhões de excluídos social e economicamente."
No específico, há no projeto de lei exemplos de assustar. Na apresentação da matéria à consulta pública, disponível no site do Minc, afirma-se o seguinte, na justificativa da nova cláusula que elimina a necessidade de autorização prévia ou pagamento pelo uso de "criações protegidas": "Essas possibilidades devem atender a três critérios previstos nos acordos internacionais. São eles: devem ser apenas casos especiais; não podem afetar a exploração normal da obra; não devem causar prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor."
Muito bem: a exceção abre-se apenas para "casos especiais". E quem é que os define como tais? Quem é que julga o que afeta ou não afeta "a exploração normal da obra"? Quem é que sabe o que causa "prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor"?
Como o assunto ainda está "aberto a consultas", resta a esperança de que o ministro da Cultura se disponha a dar ouvidos ao apelo feito pelo maestro e compositor Marlos Nobre no mesmo Espaço Aberto, e na mesma data: "Deixem, por favor, srs. burocratas do Minc, que decidamos nós, os criadores, quem cuidará de nossa obra." 

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