sábado, maio 08, 2010

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO
O valor real de uma obra de arte
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Uma tela pintada em apenas um dia por Pablo Picasso atordoou o mundo na terça-feira da semana passada. Não pelo nu frontal e cubista de sua segunda mulher, Marie-Thérèse. Mas pelo preço. A obra foi arrematada num leilão em Nova York por US$ 106,5 milhões, novo recorde no mercado público da arte. Levou oito minutos e seis segundos para a Christie’s bater o martelo. É possível entender o valor real, emocional e simbólico de algo que se convenciona chamar arte?
“Quando encontrei Picasso, eu tinha 17 anos, era uma garota inocente e não conhecia nada – da vida, de Picasso, de nada”, disse Marie-Thérèse em 1968 à revista Life. “Tinha ido fazer compras na Galeries Lafayette (loja de departamentos em Paris) , e ele me viu saindo do metrô. Simplesmente agarrou meu braço e disse: ‘Sou Picasso! Eu e você vamos fazer grandes coisas juntos’.”
Esse encontro na rua aconteceu nos anos 1920, quando o artista tinha passado dos 40 anos e estava infeliz no casamento com Olga, bailarina russa. A lourinha Marie-Thérèse rejuvenesceu Picasso e inspirou uma série de quadros eróticos com cores fortes. A musa curvilínea de Picasso parecia sempre entregue ao descanso pós-sexo.
A tela recordista, Nufolhas verdes e busto, foi pintada em 1932. Havia sido comprada por colecionadores americanos em 1951 por US$ 19.800 (em moeda da época).
Picasso foi comunista toda a sua vida, mesmo depois de brigar com o partido. Muitas histórias, reais ou não, cercam esse homem de muitas paixões. Uma delas aconteceu quando vivia em Paris, durante a ocupação alemã. Um oficial nazista entrou em seu ateliê e perguntou, apontando para Guernica (sua obra-prima que retrata o horror da guerra): “Foi você quem fez isso?”. “Não”, respondeu Picasso. “Foram vocês.”
No mercado de arte, os mestres são aqueles que transcendem críticas, especulações, inflações, manobras, manipulações. É natural não gostar de todas as fases de um pintor versátil e obsessivo como Picasso, que produziu mais de 43 mil trabalhos em sua vida. Mas ninguém contestará sua genialidade.
O que define quanto se paga nos leilões é algo intangível. 
Como saber se um Picasso vale mesmo tudo isso?
A realidade cotidiana é bem outra. O que define hoje o valor de um artista é algo mais intangível que o mercado. O que são os crânios cravejados de brilhantes de Damien Hirst, o artista britânico que “concebe” as obras e contrata um pequeno exército para executar suas instalações? O que se perdeu de um século a outro? O que, afinal, se ganhou?
Não se pode atribuir a Hirst nem mesmo o pioneirismo de encarar a arte como produção em massa. Andy Warhol, nos anos 60, já tinha feito o mesmo sem subterfúgios, chamando seu trabalho de A fábrica. Warhol, com sua pop art e visual louco, me parecia mais original, irônico e descarado do que os enganadores de hoje, mais performáticos, rasos e agentes de si mesmos. “A razão pela qual estou pintando desta maneira é que quero ser uma máquina”, dizia Warhol, ao retratar Mao Tsé-tung e Marilyn Monroe como produtos de consumo em série.
O recorde anterior ao da semana passada pertencia a O homem que anda, de Alberto Giacometti, arrematado em fevereiro em leilão em Londres. A brasileira Lily Safra, viúva do banqueiro Edmond Safra, pagou pela escultura US$ 104,3 milhões.
Como avaliar o verdadeiro valor de uma obra – não para os leiloeiros, mas para nós, pessoas comuns? Encontrei uma reflexão interessante num texto do ex-correspondente do New York Times em Paris Alan Riding:
“Será que posso ter o mesmo sentimento pela escultura de uma dançarina chinesa, produzida em massa para turistas e que me custou US$ 50 em Xian, e por uma pequena deusa indiana genuína, pela qual paguei US$ 7 mil há 15 anos num antiquário? Talvez a melhor maneira de medir meus sentimentos fosse perguntar: como eu me sentiria se ambas fossem roubadas? Emocionalmente, eu sentiria a mesma falta das duas esculturas, porque me acostumei a olhar para elas na estante”.
Para um colecionador, que vive a arte como um negócio, seriam perdas bem diferentes. O valor seria medido por cifras, e não pelo envolvimento emocional ou pelo prazer de olhar. Para um colecionador, que vive a arte como um negócio, seriam perdas bem diferentes. O valor seria medido por cifras, e não pelo envolvimento emocional ou pelo prazer de olhar.

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