domingo, abril 25, 2010

NAS ENTRELINHAS

Sentindo a pegada
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 25/04/10

Dilma e Serra estão em campo, mas devem evitar até onde der temas espinhosos e clima de palanque


Os dois principais candidatos à sucessão do presidente Lula estão em campo, mas ainda não subiram ao palanque. O farão quando, como diria o ex-governador José Serra, parar o “trololó”, que para ele é a história da comparação entre os governos Lula e FHC, e para a ex-ministra Dilma Rousseff é porque lhe “falta projeto”.

Ambos, na verdade, parecem evitar as questões de fundo e à espera de definição, que podem empinar ou derrubar uma candidatura, como a Previdência Social, a carga tributária, a taxa de juros, o MST e as invasões de terras, a jornada de 40 horas, a saúde e educação.

Coisas assim, sobre as quais qualquer opinião formada põe e tira milhões de votos — e, a rigor, dependem mais da nova legislatura a ser eleita em outubro e da nova coalizão a ser armada no Congresso que da vontade do futuro presidente. Ainda assim, Serra e Dilma já ensaiam, quando cobrados, opiniões sobre algumas dessas questões.

Serra, por exemplo, se manifestou sobre a carga tributária, para ele elevada, e sobre a política do BNDES de apoiar a consolidação de grandes grupos nacionais. Ele não a criticou, mas disse que o apoio à criação de capacidade nova é mais prioritário.

O binômio juro-câmbio, recorrente em sua carreira de economista e político, voltou com força em suas aparições como candidato. Selic elevada, câmbio valorizado e déficit externo crescendo e tendendo a não voltar ao superavit tão cedo é receita de crise logo mais.

O diagnóstico o liga a um velho desafeto, o deputado Ciro Gomes, ex-PSDB, do qual saiu brigado. Ciro tentava viabilizar-se como a terceira via entre Serra e Dilma, inicialmente com o incentivo do presidente Lula. Foi abandonado por Lula, desprezado pelo PSB, o seu partido, que deverá fechar com Dilma, humilhado, mesmo, com o seu cacife eleitoral minguando à medida que o presidente cada vez mais o expunha à fritura pública — e começa a dar o troco.

“Minha sensação agora”, desabafou Ciro a Eduardo Oinegue, do iG, “é que Serra vai ganhar esta eleição”. Ele concede que “Dilma é melhor do que Serra como pessoa”. Estaria em contradição, depois de tudo que já falou de Serra, se não fizesse a distinção. Só que exagerou. “Mas Serra é mais preparado, mais legítimo e mais capaz. Mais capaz inclusive de trair o conservadorismo”, afagou o seu ex-rival, “e enfrentar a crise que conheceremos em um ou dois anos”.

Embananando o eleitor
O prazo coincide com o que Serra projeta, se a questão cambial e monetária não for enfrentada. Ele provavelmente assinaria o que Ciro adverte: “Em 2011 ou 2012, o Brasil vai enfrentar uma crise fiscal, uma crise cambial. Como estamos numa fase econômica boa, aparentemente, a discussão fica escondida. Mas precisa ser feita”.

Mesmo que evite falar de mudanças, ou melhoramentos, ela talvez preferisse dizer, já que em o fazendo pode embananar a cabeça do eleitor que aprova Lula e reflete apenas o aqui e agora, isto é, o momento, como é comum aos não iniciados em economia, Dilma terá em algum momento de responder a essa agenda. Evitará enquanto puder.

Arapucas de mão dupla
Dilma sabe que ao expandir o debate a intenção de Serra é evitar o mote petista Lula x FHC. Mas as arapucas são de mão dupla. O que há contra ele também há contra ela. Se esticar muito a tática da comparação entre os dois governos, definida por Lula como “nós contra eles”, arrisca-se a ser comparada a boneco de ventríloquo. O ex-presidente Fernando Henrique já o fez. Fará mais, se preciso.

Talvez, por isso, Dilma avançou ideias para a questão do deficit externo, percebendo a força do problema, calçado em números ruins. Em doze meses até março, o negativo saltou para US$ 31,5 bilhões, representando 1,79% do PIB. Até dezembro era de 1,55% do PIB.

Até o fim do ano poderá chegar a 2,5%. Ela descartou riscos, em entrevista ao Valor, mas disse que faria uma “política agressiva de fomento à exportação” de commodities e manufaturados.

Corrida de resistência
Para quem era governo até ontem, fica o ônus de explicar por que depois, não antes, quando tinha a caneta na mão, como a devolução dos créditos tributários devidos aos exportadores. Dilma prometeu agilidade. Tais assuntos são sensíveis para a economia, mas talvez o eleitor queira resposta para questões mais práticas, como a do reajuste das aposentadorias, um embaraço anual. Nem ela nem Serra opinaram sobre tal polêmica, que opõe Lula ao Congresso. Só quando não puderem mais enrolar, as sondagens de voto serão fiéis ao que fará o eleitor em outubro. A corrida é de resistência para eles.

Má-criação tira votos
Muita gente prevê um crescente de má-criação quanto mais a data da eleição se aproxime. Ciro Gomes espera golpes baixos. Talvez não. Serra está tranquilo como nunca visto. E o PT, com exceções de praxe, parece mais preocupado com os excessos da militância.

O senador Aloizio Mercadante, candidato do PT ao governo de São Paulo contra Geraldo Alckmin disparado pelo PSDB, por exemplo, fez um discurso propositivo ao lançar-se candidato. Repetiu a pegada de Serra, cujo discurso inaugural também foi sóbrio e elegante.

A percepção é que o eleitor, se torcia o nariz para grosserias, agora está mais ressabiado. Aplica-se até a Lula, apesar de sua elevada popularidade. Mas Lula, segundo Ciro, “está navegando na maionese”. Sem esse bônus, seus discípulos estão mais precavidos.

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