sexta-feira, abril 09, 2010

NAS ENTRELINHAS

A Alca cambial de Lula

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 09/04/2010
 
Nosso neodesenvolvimentismo “neoliberal” renega a substituição de importações. Por que produzir aqui dentro algo que pode ser comprado mais barato lá fora?


 
 
O presidente da República criticou ontem os países que praticam protecionismo enquanto fazem discursos pelo livre comércio. No alvo, os Estados Unidos e a Europa. Luiz Inácio Lula da Silva tem razão no mérito — e também motivo para reclamar.

A continuada proteção dos mercados nacionais pelos países desenvolvidos está na raiz das duas maiores derrotas sofridas por este governo nas relações comerciais planetárias: a não conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e a não criação de um mercado mundial do etanol.

Sem falar na frustração com o G20, que, na eclosão da crise em setembro de 2008, apresentou-se para reorganizar o mundo, mas acabou empurrado para a irrelevância.

É tarefa complexa tentar identificar o fio condutor da política de Lula para o comércio internacional. A ideologia segue por uma pista da autoestrada, enquanto a vida real volta pela outra.

O PT travou durante anos sua luta feroz contra a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), proposta pelos Estados Unidos nos anos 80 do século passado. Quando chegou ao governo em 2003, o PT ajudou na prática a enterrá-la.

Os argumentos foram em teoria consistentes. Numa área de livre comércio com os americanos o rumo histórico estaria traçado — e contra os nossos interesses.

Seríamos para sempre produtores e exportadores de matéria-prima, de commodities. Nossa indústria seria moída pela concorrência, a não ser nos ramos intensivos em mão de obra barata. Ou nos mais poluidores e menos socialmente responsáveis.

Onde reside a dificuldade do analista? Onde está a contradição? Quase oito anos depois, Lula vai entregar ao sucessor (ou sucessora) um país constrangido pela “Alca cambial”, pela política de valorização da moeda que nos empurra para a desindustrialização e para a dependência das exportações de commodities.

O real forte, sustentado lá em cima pelo juro estratosférico, faz a alegria momentânea do pobre (pelo preço da comida), da classe média (pelas viagens internacionais e compras lá fora) e de quem precisa, ou prefere, importar. Mas o real forte ajuda também a desenhar um futuro medíocre para o Brasil.

A linha-mestra do argumento é conhecida. Que substituição de importações, que nada! Por que produzir aqui dentro algo que pode ser comprado mais barato lá fora?

Fascinante, esse neodesenvolvimentismo “neoliberal”. Um neo-neo do país da jabuticaba.

E o comportamento do Brasil nas batalhas internacionais reforça o viés manco. Agora mesmo, como reagimos à histórica vitória com o algodão na OMC? Ameaçando retaliar produtos industrializados americanos. Ou seja, se eles forem bonzinhos com as commodities, nós topamos abrir (ou manter aberto) nosso mercado interno de produtos com maior valor agregado.

Quantos discursos Lula já fez em defesa do livre comércio? E quantos ele pronunciou para trazer a legitimidade da palavra de líder à necessária proteção da nossa indústria, dos nossos empregos? Quem fizer a conta vai ter uma surpresa.

É bonito que o Brasil se ofereça para comandar o mundo pobre contra as barreiras protecionistas do mundo rico aos produtos agrícolas. Além de bonito, é justo. É uma forma de combater, por exemplo, a pobreza na África.

Mas certamente a próxima presidenta (ou o próximo presidente) da República vai ter que ajustar a orientação. Se conseguir, claro, superar as imensas barreiras ideológicas e intelectuais erguidas em séculos de colonização política, econômica e mental.

Talvez não seja questão de “se”, mas de “quando”.
Pequeno
— Eu acho pobre neste país é que as pessoas esperam acontecer uma desgraça dessa magnitude para ficar tentando fazer joguinho político pequeno.

A frase é de Lula, ontem, no contexto da tragédia causada pelas chuvas no Rio.

Segundo Lula, é hora de pensar grande. Governos gostam de pensar grande, enquanto a oposição normalmente prefere pensar pequeno.

É bom haver sempre, além do governo, uma oposição.

Para evitar que todo mundo resolva pensar grande a toda hora.

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