quinta-feira, abril 01, 2010

MERVAL PEREIRA

Pressão contra o Irã
O GLOBO - 01/04/10
Não é apenas a Petrobras que pode ser passível de sanções econômicas devido à relação comercial com o governo do Irã. Também o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é citado por funcionários israelenses como possível fonte de financiamento indireto do governo do Irã, caso venha a apoiar a ação de empresas brasileiras naquele país, assim como alguns bancos brasileiros que têm negócios por lá.

Antecedendo a viagem do presidente Lula a Teerã, em maio, uma missão com 80 empresários irá ao Egito, ao Líbano e ao Irã, em abril, sob a coordenação do ministro Miguel Jorge, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

A busca de mercado para a atuação de empresas brasileiras pode esbarrar nas sanções econômicas que os Estados Unidos estão empenhados em aprovar o mais rápido possível no Conselho de Segurança da ONU.

A paranoia com o programa nuclear iraniano é tamanha que setores como casa e construção, máquinas e equipamentos, produtos siderúrgicos, metalúrgicos, equipamentos médico-hospitalares e para exploração mineral, construção e de infraestrutura são colocados sob suspeita.

Mesmo que o governo brasileiro queira fazer um acordo com o Irã para pesquisas médicas com base na energia nuclear, estará sujeito a embargos políticos por parte dos Estados Unidos, enquanto o Irã não abrir seus laboratórios de pesquisas nucleares aos investigadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Um dos principais alvos da inquietação de Israel são as grandes empreiteiras brasileiras, caso venham a fazer parte de algum acordo para obras no Irã.

Isso porquê, de acordo com documentos do governo israelense que foram debatidos recentemente por enviados especiais da diplomacia israelense em contatos com autoridades brasileiras, parlamentares e formadores de opinião, o braço econômico da Guarda Revolucionária Islâmica é uma empresa de construção chamada Khatam al-Anbiya, que executa a maior parte dos projetos de infraestrutura e tem “ligação sugestiva” com o programa nuclear iraniano.

Quando a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse em palestra em uma universidade no Catar, em fevereiro deste ano, que o governo dos Estados Unidos acredita que o Irã está se tornando uma ditadura militar, ela chamou a atenção para o papel da Guarda Revolucionária no Irã, que, para as autoridades israelenses e americanas, estaria conquistando tanto poder que, na prática, teria suplantado o governo.

Segundo a análise do setor de inteligência do Ministério das Relações Exteriores de Israel, a Guarda Revolucionária tem tido um papel crescente na economia iraniana, especialmente depois da subida ao poder de Mahmoud Ahmadinejad em 2005.

Seriam mais de 100 empresas ligadas direta ou indiretamente à Guarda Revolucionária, que controlaria, segundo os documentos, um gigantesco consórcio de construção envolvido em inúmeros projetos de infraestrutura e em exploração de petróleo, na produção de mísseis, no setor de telecomunicações e produtos eletrônicos.

Essas empresas seriam favorecidas por contratos sem licitação, especialmente nas áreas de petróleo e gás natural, na construção de oleodutos e em desenvolvimento de infraestrutura em larga escala.

Seria uma maneira de cooptar a Guarda Revolucionária e, ao mesmo tempo, utilizar algumas dessas empresas nos trabalhos clandestinos de construção de laboratórios secretos onde estaria sendo desenvolvido o programa nuclear paralelo.

A acusação é que caminhões das empreiteiras seriam utilizados para camuflar o transporte de mísseis, e outras atividades clandestinas seriam mascaradas pelas obras civis.

Entre os muitos exemplos, o relatório do serviço de inteligência de Israel cita uma empresa chamada Ghorb Nooh, que seria a responsável pelas contratações da Khatam al-Anbiya nos campos de gás de South Pars.

Uma subsidiária da Ghorb Nooh comprou maquinário de perfuração de túneis da empresa alemã Wirth e da italiana Seli, oficialmente para um sistema de fornecimento de água em Isfaham.

Esses mesmos equipamentos seriam fundamentais para o programa nuclear clandestino do Irã, segundo relatórios do setor de inteligência, que vêm sendo revelados desde 2008.

O poder econômico da Guarda Revolucionária estaria também baseado em uma ampla atividade de contrabando, com a operação de docas e portos clandestinos.

Um dos maiores complexos portuários do país, o de Martyr Rajai, na província de Hormuzgan, seria utilizado para contrabandear petróleo, que é altamente subsidiado no Irã.

O contrabando também seria feito através do controle pela Guarda Revolucionária dos aeroportos de Teerã e de Payam.

A preocupação das autoridades dos Estados Unidos e de Israel é que o governo brasileiro dê fôlego ao governo autocrático do Irã com acordos comerciais, quando a ideia da maioria dos membros do Conselho de Segurança da ONU é forçar o governo de Ahmadinejad a abrir seu programa nuclear através das sanções econômicas.

Caso aconteça essa confrontação de interesses, as empresas brasileiras que mantiverem negócios com o Irã apesar da decisão da ONU, inclusive a Petrobras, poderão sofrer sanções por parte de órgãos americanos, e certamente terão prejuízos em suas operações internacionais.

Esse foi o recado dado nos últimos dias por autoridades do governo de Israel e pela própria secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, quando esteve recentemente no Brasil.

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