sexta-feira, abril 09, 2010

BRASIL S/A

Usina de problemas

Antônio Machado
Correio Braziliense - 09/04/2010
 
Desistência das duas maiores empreiteiras engrossa rol de malogros e polêmicas de Belo Monte

O rol de malogros e polêmicas do projeto da hidrelétrica de Belo Monte, cogitado desde a década de 1980 com potência prevista para ser a segunda maior do país depois da usina de Itaipu, cresce sem parar, como a correnteza do Rio Xingu, onde será instalada.

Problemas técnicos e ambientais a cercam como maldição. Boa parte é ficção alimentada por receios de ambientalistas exacerbados. Aos muitos desafios se adicionam agora o de viabilidade econômica, com a desistência das empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa, as duas maiores do país, de participar do leilão, marcado para o dia 20.

Até a próxima quarta-feira, conforme os termos da licitação, elas poderão voltar. Dificilmente o farão, se as regras de remuneração do investimento forem mantidas. Ambas conhecem a fundo o projeto, já que integravam o consórcio formado pela Eletrobras para avaliar as necessidades ambientais, de engenharia, logística e financeira.

Foi outro revés para o governo, ainda que o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, escalado pelo Ministério de Minas e Energia e pela Casa Civil para minimizar o incidente, argumente que nada vai mudar. Certo mesmo, hoje, há só o consórcio liderado pela empreiteira Andrade Gutierrez, outra das contratadas para modelar o pré-projeto de Belo Monte.

Dos inscritos para a licitação aberta pela estatal Eletronorte, a subsidiária da Eletrobras responsável pela contratação, há outras possibilidades. O grupo Bertin, capitalizado depois que vendeu sua atividade de frigoríficos ao JBS Friboi, seria sensível ao pleito do governo para que liderasse consórcio com outras empreiteiras de menor porte. Tolmasquim descarta a mão do governo na iniciativa.

Em entrevista, disse que ninguém forma grupos por pressão. Pode ser. Mas pressão era o que se fazia sobre a Odebrecht e a Camargo Corrêa para que não desistissem. Em troca, elas ouviram falar de compensações sob a forma de condições financeiras mais atraentes.

A oferta foi considerada vaga, sobretudo porque, ainda sob gestão da então ministra Dilma Rousseff, o governo se recusou a rever os termos do edital de licitação, garantia superior a promessas.

Com tarifa máxima de R$ 83 por megawatt-hora, o custo da obra, já incluídas compensações ambientais impostas pelo Ibama para expedir a licença de construção — e outras que a Justiça provavelmente vai demandar a pedido do Ministério Público —, tem risco potencial de se elevar ao dobro do previsto, passando de R$ 30 bilhões.
De quem é o problema
A questão de Belo Monte é complexa, assim como a de todas as demais hidrelétricas do programa de investimentos do PAC, caso o governo não reconheça que o problema ambiental é da esfera regulatória, ou seja, de sua estrita responsabilidade, ouvido o Congresso. Não das empresas privadas e estatais que conquistam o direito de construí-las e operá-las pelo regime de concessão.

Dois anos atrás o então diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, propusera ao governo apartar da lista de projetos de infraestrutura os realmente prioritários e os incluísse em lei votada pelo Congresso para ficarem livres dos riscos de embargos. Não foi ouvido. Ao contrário: foi até intimado pelo Ministério Público Federal de Belém a se explicar.
Opção polui bem mais
A omissão do governo o leva a começar a perder outra batalha por Belo Monte: a da comunicação. Se não recuperá-la, os governos que vierem depois de Lula encontrarão um clima de conflagração maior.

Em defesa do projeto, Tolmasquim afirmou que o custo do megawatt-hora de Belo Monte é quase metade da energia de termoelétricas, de R$ 145. Deveria ter dito que as térmicas, além de muito mais caras, sendo o ônus repassado à conta do consumidor, são o que há de mais poluente. E que, embora chova a rodo, elas têm sido acionadas para compensar a menor carga despachada de Itaipu desde o apagão do ano passado, devido à sobrecarga nas linhas de transmissão.
Omissão é eleitoral
O governo parece não saber o que fazer com Belo Monte. Deu à obra selo de prioridade, mas, ansioso em diferenciar Dilma Rousseff do tucano José Serra, quer mostrar que faz melhor que o governo FHC, ao exigir menor taxa de retorno do capital investido. E, ligado à plataforma ecológica da candidata Marina Silva, ignora o conflito aberto com os ambientalistas, associados aos grupos que defendem a causa indígena e social na região. Se Lula, que é tão popular, não compra essa briga, só muito dinheiro convencerá as empreiteiras.
Qual o papel das ONGs
Belo Monte parece enfeixar enigmas que transcendem os da floresta amazônica que a circunda. Um deles é técnico. Para reduzir a área inundada, a potência instalada de 11 mil megawatt/hora só geraria carga efetiva média de 4 mil, ou nada em período de seca do Xingu, segundo relatório da rede Dhesca Brasil, formada por entidades de defesa dos direitos humanos, sociais e ambientais.

É estranho que uma coalizão de ONGs manifeste preocupação com o retorno do dinheiro a ser investido por empresas. Mas a denúncia existe, o Ministério Público a reconhece e pede outra avaliação do Tribunal de Contas da União. Ou se está diante de um equívoco de proporção amazônica ou de lobbies cujas intenções é que precisam ser apuradas. Em qualquer caso, a responsabilidade é do governo.

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