sexta-feira, abril 30, 2010

NELSON MOTTA

Anatomia de um fracasso
NELSON MOTTA
O Globo - 30/04/2010

O que acontece quando o Ibope informa que, num universo de 11,6 milhões de espectadores no Grande Rio, um programa de televisão teve uma audiência de 30 mil pessoas? Em qualquer emissora comercial, sai do ar, com uma certeza: ninguém vai notar.

Porque, quando os medidores do Ibope registram 30 mil espectadores num horário, é em média, por minuto.

Tantas pessoas sintonizadas no canal, naquele minuto — que podem ser, ou não, as mesmas do minuto anterior ou do seguinte. Muitas vezes é só o registro de um zapping casual passando pelo canal. Então, o numero dos que estão realmente assistindo é muito menor, e o dos que assistem do inicio ao fim é mínimo. Quanta gente viu este programa, na real? Dez mil? Cinco mil? Menos? Em São Paulo, num universo de mais de 18,1 milhões de espectadores, o mesmo programa teve só 25 mil pessoas ligadas no canal. Em média, por minuto. Ou seja: ninguém. Ou quase.

Na melhor hipótese, foi desfrutado por uma ínfima minoria de privilegiados, de graça. Na TV comercial a conta é paga pelas emissoras, ou pelos patrocinadores.

Na pública, pelos impostos de todos nós, inclusive dos pobres. As sim como os almoços, não há programas de TV grátis.

Este é o caso emblemático de uma recente série jornalística da TV Brasil, que provocou polêmica na imprensa por sua contratação e orçamento.

Há poucas testemunhas, mas vamos considerar que o programa fosse bom.

Seria uma pena que tão pouca gente o assistisse — e custasse tão caro aos cofres públicos. É só uma constatação objetiva: a produção não justifica seu custo como informação ou entretenimento.

O pior é que a diretora de jornalismo do canal disse que o programa era um dos mais vistos da emissora. Imaginem os menos.

Não se discute se é bom, até bons programas fracassam. A culpa deve ser do povo, que está tão drogado em novelas, telejornais, reality shows, filmes, seriados, esportes, talk shows, documentários de animais, de viagens, que, com tanta variedade, se tornou incapaz de escolher livremente um programa de qualidade. Ô povo ingrato.

Mas se ninguém vê, então, para que serve uma rede pública de TV ?

NELSON MOTTA é jornalista.

RUY CASTRO

Batendo no nanico 

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10


Em 1960, na primeira eleição para o governo da Guanabara, defrontaram-se Carlos Lacerda, pela UDN, e Sergio Magalhães, pela coligação PTB-PSB – os dois empatados, quase focinho a focinho nas pesquisas –, e mais o folclórico Tenório Cavalcanti correndo por fora pelo nanico PTN, sem chance de vitória, mas podendo interferir no resultado.
Tenório era jornalista, dono de um vespertino de crimes, 'Luta Democrática', e sua base ficava em Caxias, na Baixada Fluminense. Usava uma capa preta, sob a qual escondia a metralhadora 'Lourdinha', com que se protegia dos desafetos, os quais viviam ameaçando fuzilá-lo – dizia-se que tinha dezenas de buracos de balas no corpo. Fisicamente, lembrava Groucho Marx, e seu estilo político também era meio 'non-sense'.
Tenório começara na UDN, como Lacerda, mas seu discurso pendera para um certo nacionalismo, como o de Sergio Magalhães. Naquele momento, a poucas semanas da eleição, roubava mais votos de Sergio Magalhães que de Lacerda. Donde, para Sergio Magalhães, a estratégia de campanha indicava que, se quisesse superar Lacerda, teria de bater em Tenório – não em Lacerda, cujos votos já estavam mais que cristalizados.
Sergio Magalhães fez o que lhe aconselharam, mas era tarde demais. Lacerda venceu por reles 2,3% de diferença – 23 mil votos. Não foi só por isto, mas os 220 mil votos dados a Tenório fizeram falta a Sergio Magalhães.
Cinquenta anos depois, a situação se repete. Com Ciro Gomes evaporado, José Serra e Dilma Rousseff deverão concentrar-se nos votos de Marina Silva. Em tese, Marina tira mais votos de Dilma que de Serra. Donde não se surpreenda se, de repente, Dilma apontar a metralhadora para a doce Marina, como se ela fosse sua principal adversária. O que, na verdade, é.
Ruy Castro é jornalista

MÍRIAM LEITÃO

As duas faces
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 30/04/10

O Banco Central tem sido autônomo, mas ele trabalha sozinho. Na política econômica, parece haver dois governos: o Ministério da Fazenda aumenta gasto, estimula a economia, incentiva o crescimento do crédito; e o Banco Central tenta compensar. Essa dupla face aparece em outras áreas. O Planalto propôs a revisão da Lei de Anistia. A AGU advogou o oposto no Supremo.

Normal mudar de ideia. O esquisito no governo Lula é que ele tem duas ideias opostas sobre o mesmo assunto, ao mesmo tempo. No caso da Lei da Anistia, o tema estava para ser discutido no Supremo.

A dualidade é mais nociva na economia.

Este é um ano complexo.

A economia está acelerando, a inflação aumentou, o mundo ainda está vivendo a mesma crise, no seu segundo capítulo. Haverá mais turbulência na Europa nas próximas semanas e a crise fiscal continuará com eles por muito tempo. Isso manterá o mundo mais instável, o crescimento mundial mais incerto. Nosso desafio não é crescer este ano apenas, em que estamos recuperando o ano perdido de 2009. O difícil, há muito tempo, tem sido manter o crescimento por longo período.

Em geral, quando se analisam as razões de o país não conseguir ter um período sustentado de crescimento, há dois diagnósticos.

Um, sustenta que faltam as ferramentas básicas.

A taxa de poupança é baixa, o investimento é insuficiente, o governo tem aumentado muito seus gastos, a carga tributária é alta. Mas há quem acredite que os juros altos e o câmbio valorizado impedem o crescimento e que ambos são decorrentes da política de metas de inflação. No governo, ninguém dirá isso abertamente porque significaria atacar a base da política anti-inflacionária. Mas se fossem sinceros, muitos diriam, no governo, no Ministério da Fazenda, que o país não cresce porque o BC é conservador e fica elevando os juros por alguma maldade intrínseca, para satisfazer o mercado, ou porque é obrigado pela camisa de força das metas de inflação. Se o debate fosse sincero e aberto seria melhor para combater velhos equívocos da visão brasileira de crescimento que foram fortalecidos na crise.

Os gastos de custeio têm crescido de forma exponencial, sistematicamente acima do PIB (Produto Interno Bruto), numa taxa que fortalece as amarras ao crescimento; o surto de estatismo eleva ainda mais o risco fiscal; os excessos de concessão de crédito através de bancos públicos, que depois exigem capitalizações do Tesouro, são uma bomba de efeito retardado armada hoje no coração da economia, o crédito público subsidiado representa um gasto invisível e crescente.

Os estímulos fiscais concedidos a alguns setores do consumo além de serem renúncia fiscal, portanto gasto, não foram integralmente retirados. Tudo isso é inflacionário.

O mesmo governo que amplia gasto, estimula a economia com renúncia fiscal e concede crédito subsidiado, eleva a taxa de juros para conter o efeito inflacionário do aquecimento.

Assim, como duas pessoas no mesmo barco remando em direção contrária.

Os juros têm que ser ainda maior porque a política monetária não tem ajuda das políticas fiscal e creditícia.

Uma parte do mercado de crédito é indiferente às taxas de juros. Os empréstimos concedidos pelo BNDES ao consórcio de Belo Monte serão corrigidos a 4% ao ano, independentemente do fato de que desde ontem o custo da dívida pública subiu de 8,75% para 9,5%. E esse contrato de financiamento, lesivo aos interesses do Tesouro e do contribuinte, se propõe a ser assim até o ano 2040. Ninguém tem este prazo para pagar, ninguém paga só isso. É um acinte e um escândalo, além de ser gasto público. A política monetária brasileira não têm efeito sobre bolsões de crédito que pagam juros beneficiados. Já os juros pagos por pessoas e empresas que contraíram empréstimos no mercado privado são exorbitantes, paralisantes, punitivos. Não são os consumidores que reclamaram da alta dos juros, mas sim os que são beneficiados pelos bolsões de dinheiro barato.

A Fiesp soltou uma nota toda agressiva minutos depois do fim da reunião do Copom. A federação composta por tantos clientes dos juros subsidiados está atrapalhada nos últimos dias com as explicações para provar que a indústria tem uma alta capacidade ociosa, apesar de a FGV dizer o contrário.

A Abdib, que subiu no palanque do PAC-2, fez também sua versão dos ataques ao Banco Central.

Ontem, o BC comemorou o fato de os juros ao consumidor terem chegado numa taxa média de 40% em março. No ano passado, era 55%. Essa é a mais baixa taxa desde 1994. Uma vitória e um aleijão, ao mesmo tempo.

Juros de 40% não fazem sentido em país algum do mundo. Experimente contar para um estrangeiro, de qualquer país, o motivo da comemoração.

A crise mundial de 2008/2009 serve como um álibi para a gastança brasileira.

Comparam-se os dados, e o Brasil não parece estar sob qualquer risco de crise fiscal. O país tem um risco fiscal latente que não aparece nos números. Por não combatê-lo, acaba tendo uma dívida muito mais cara, o que realimenta o risco fiscal. Esse é o preço de ter uma política econômica com duas faces.

MÔNICA BERGAMO

Sucatinha na garagem
MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10

O governo federal vai lançar uma licitação internacional para vender os dois Boeing 737-200, os célebres "sucatinhas" que, por 33 anos, transportaram os presidentes da República do país por todo o mundo. Substituídos pelos jatos EBM-190, da Embraer, os dois aviões, antigos, têm valor estimado de R$ 17 milhões cada um. Os novos jatos custaram R$ 87 milhões.
ÚLTIMO VOO 
Há alguns dias, o brigadeiro Cleonilson Nicácio Silva, chefe do estado-maior da Aeronáutica, comandou, emocionado, o último voo oficial de um dos "sucatinhas" rumo à base aérea de Anápolis (GO), onde eles ficarão estacionados. Nicácio transportou na aeronave os presidentes Ernesto Geisel, João Figueiredo, Fernando Collor e Itamar Franco (nos governos de José Sarney e Lula, ele ocupou outros cargos).
FOGO BRANDO 
E a Infraero está abrindo licitação de cerca de US$ 80 milhões para comprar 80 novos carros de bombeiros para os principais aeroportos brasileiros. Cada um custa cerca de US$ 1 milhão, e vai substituir carros mais antigos.
OFICIAL 
A CUT pagou R$ 17 mil de aluguel para fazer sua festa de 1º de Maio no Memorial da América Latina, que pertence ao governo de SP, com direito a ato com a presença do presidente Lula e dos pré-candidatos petistas Dilma Rousseff, Aloizio Mercadante e Marta Suplicy. A central sindical, que pretende lançar no evento sua "plataforma para as eleições 2010", vai usar o complexo durante dois dias. Na lista de dez patrocinadores da festa, brilham as logomarcas do governo federal e de estatais como Petrobras, Caixa, BNDES, Infraero e Eletrobras.
TERRA NATAL 
A senadora Marina Silva (PV-AC), pré-candidata à Presidência da República, marcou para os dias 11 e 12 de maio sua ida ao Rio Grande do Norte, mais uma etapa de seu roteiro de viagens para o Nordeste do Brasil. Visitará Natal e Mossoró. Na capital, governada pelo Partido Verde, receberá o título de cidadã natalense, que foi dado a ela por sugestão de um vereador do partido.
CANTA E INTERPRETA 
Os roqueiros Nasi e Pitty devem participar de "Aqui É o Crime", filme do diretor Tiaraju Aronovich inspirado no crime do bar Bodega, de 1996, em que jovens inocentes foram presos e torturados para assumirem a autoria. Eles vão interpretar investigadores da PM.
NOVA PAIXÃO 
Em conversa recente com o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT-SP), o presidente Lula elogiou o futebol do jovem time do Santos e brincou com a idade elevada dos medalhões do Corinthians: "Estou encantado com os "Meninos da Vila" e preocupado com os "velhinhos do Parque [São Jorge, sede do Timão]'".
MUNDO DA LUA 
O astronauta Buzz Aldrin, que integrou a expedição Apollo 11 e foi o segundo homem a pisar na lua, desembarca no Brasil em maio. Ele participará de um evento promovido pela TAM para celebrar a entrada da companhia aérea no grupo internacional Star Alliance.
SÓ NA ASINHA 
O cantor americano Chris Brown, que se apresenta no Credicard Hall, em SP, no dia 20, pediu cinco dúzias de asinhas de frango sem pimenta com molhos barbecue e de mostarda apimentada em seu camarim. Para beber, sucos de cranberrie, maçã e abacaxi.
HOLOFOTE 
O banqueiro Luís Antônio de Almeida Braga, sócio do Icatu, e Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca de SP, vão integrar o júri da Investidor Profissional, gestora de recursos carioca que anunciou há poucos dias a criação de um prêmio de artes que dará R$ 100 mil ao vencedor. Trinta galeristas, críticos e curadores indicarão os concorrentes, e os quatro finalistas terão obras expostas no MAM do Rio de Janeiro.
CURTO-CIRCUITO 
O ESPETÁCULO "A Grande Volta", com Fúlvio Stefanini, Rodrigo Lombardi e direção de Marco Ricca, estreia amanhã, às 21h, no teatro Faap. Classificação etária: 12 anos.A EXPOSIÇÃO "Handmade", de Efraim Almeida, será inaugurada amanhã, às 10h30, no Galpão Fortes Vilaça, na Barra Funda.O LIVRO "Histórias de Canções - Chico Buarque", de Wagner Homem, tem lançamento hoje, às 21h, no clube esportivo Helvetia, na av. Indianópolis.A ORQUESTRA SINFÔNICA MUNICIPAL apresenta o CD "Villa-Lobos" hoje, às 21h, no Auditório Ibirapuera. Livre. A GRIFE 284 promove festa amanhã, às 16h, na Mater Dei, na av. Brasil, com discotecagem de Felipe Solari. 18 anos.
com DIÓGENES CAMPANHALEANDRO NOMURA e LÍGIA MESQUITA

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

NAS ENTRELINHAS

O MST sem aliados
Alon Feuerwerker 

CORREIO BRAZILIENSE - 30/04/10


Não há ator relevante da política disposto a defender o MST. O movimento hoje luta pela reforma agrária onde ela não é mais possível — pelo menos no capitalismo — e renuncia a buscá-la onde é necessária. Daí o isolamento



O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desempenha um papel importante no Brasil. Se não por outro motivo, ao fazer recordar todo dia que o direito à propriedade é universal. Direito de propriedade só para alguns é contradição em termos.
Eis um aspecto bonito da reforma agrária. Ela talvez materialize melhor que outras bandeiras o desejo de o direito de propriedade ser praticado da maneira mais ampla e absoluta.
Como então os portadores dessa aspiração amplíssima chegaram ao isolamento político, facilmente verificável? Ontem Dilma Rousseff não citou o MST, mas mandou o recado de que não admite ilegalidades.
A ocupação de fazendas é ilegal, quando a Justiça assim decide. A mensagem não poderia ter sido mais clara.
Antes, José Serra tinha ido na mesma linha, só que mais explicitamente. Pois não está obrigado a tratar o tema com luvas macias.
O isolamento político do MST obedece também a razões estruturais.
O Brasil é um país secularmente reacionário quando o assunto é a terra. Aqui, a Independência não aboliu a escravidão e a República não trouxe a reforma agrária. Esta só avançou — pasmem! — a partir do regime militar, quando o presidente Castelo Branco deu ao país o Estatuto da Terra.
A redução do direito de propriedade a prerrogativa de alguns é construção ideológica arraigada entre nós. Mas o isolamento político do MST não bebe só dessa fonte. Suas raízes conjunturais estão na total assimetria entre a estratégia do movimento e o projeto de construção nacional.
Qual o sentido de o MST acampar à beira de estradas do Sul-Sudeste, ao lado de propriedades que já fizeram a transição para a agricultura plenamente capitalista, em vez de pressionar o governo para que a expansão da fronteira agrícola aconteça com base na democratização territorial?
Infelizmente, o MST deixou-se enredar já faz algum tempo numa aliança com as forças que procuram nos impor o congelamento da fronteira agrícola, o abandono da engenharia genética e a renúncia à população das fronteiras. Dessa aliança não sai — nem vai sair — nada útil para o país.
É como cruzar espécies distintas. Dá até prolezinha, mas estéril. Uma esterilidade política bem desenhada em teses como “a luta contra o agronegócio”.
Em resumo, o MST hoje busca a reforma agrária onde ela não é mais possível — pelo menos no capitalismo — e renuncia a buscá-la onde é necessária. Daí o isolamento.
Fraqueza que chega ao ponto de não conseguir arrancar do governo Luiz Inácio Lula da Silva nem a atualização dos índices mínimos de produtividade da terra para ela atender ao interesse social.

Cicatriz colonial
Houve alguma confusão ontem sobre a escolha de Lula como um dos indivíduos mais influentes, na relação organizada pela revista americana Time.
No fritar dos ovos, importa menos se o presidente é o primeiro da lista, ou o 17º. Ou o nono. É melhor estar nessas listas do que não estar. Mesmo que se discutam seus critérios.
Um detalhe porém chama a atenção em ocasiões assim. A necessidade quase patológica que temos do “reconhecimento internacional”. Precisamos sempre de um atestado, europeu ou americano, de estarmos fazendo as “coisas certas”.
É o velho complexo de inferioridade. Lula faz um bom governo, e isso se expressa nos resultados objetivos e na popularidade dele. Esse juízo não depende de o presidente comparecer ou não às capas das revistas americanas e europeias.
Mas o Planalto sabe que país governa. Um país complexado. Daí que tenha nos anos recentes colocado para rodar uma bem azeitada máquina de lobby junto às principais publicações do “Primeiro Mundo”.
Nesta terra de colonizados, falarem bem de você “lá fora” costuma valer ouro. E falarem mal é visto como tragédia.
Tirar uma nação da situação colonial é difícil, mas nada que se compare ao grau de dificuldade de tirar a cicatriz colonial da alma dela.

BARBARA GANCIA

Do you like caipirinha?
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10


É claro que mal não faz para o Brasil Lula ser reconhecido pela revista "Time" como líder de personalidade



SEMPRE que é publicada a edição da revista "Time" com a "Pessoa do Ano", título antes conhecido como "Homem do Ano", algum chato de galocha faz questão de lembrar de que Adolf Hitler, o aiatolá Khomeini e/ou George W. Bush já foram contemplados com a homenagem.
Note que o Führer foi Homem do Ano em 1938 por ter forçado a mão no Pacto de Munique, que permitiu à Alemanha anexar parte da Checoslováquia com a benção do maria-mole do primeiro ministro britânico Neville Chamberlain, e por ter mostrado os dentes para a Áustria e tê-la feito correr choramingando para baixo da cama.
E Hitler só não foi Homem do Ano da "Time" direto de 1939 a 1945, porque o pessoal não tinha lá muita concentração para ler e fazer revistas enquanto bombas alemãs caiam sobre suas cabeças.
Meu nobre leitor há de me desculpar se divago do assunto que me traz aqui hoje, mas se tem um indivíduo que me tira do sério é esse Bento 16, digo, Adolf Hitler. Perdão, troquei de alemães. Foi um lapso Kantiano. Pronto, fiz de novo. Note que nunca digo Daimler Motoren Gesellschaft no lugar de Auto Union Rennabteilung, não sei o que está acontecendo comigo hoje.
Será que tem algo a ver com a notícia de que Lula foi considerado pela "Time" como um dos 25 líderes mais influentes do mundo? Só pode ser isso. Afinal, quem de nós está acostumado a ver um presidente tapuia ter seu nome lembrado pela imprensa internacional? O sucesso de Lula mexeu comigo.
Tudo bem que a "Time" está numa decadência vertiginosa, de prestígio e circulação, e que a cada dia que passa se parece mais com sua publicação irmã, a "People". Mas ainda é uma revista presente no mundo inteiro e o Nicolas Sarkozy, a Angela Merkel e o troglodita do Gordon Brown não estão lá entre os citados, estão?
Mesmo assim, chega a comover gente grande como nos envaidece esse tipo de reconhecimento, não é mesmo? Bastou um estrangeiro dizer "Pelé", "Romário" ou "Ronaldo" na hora de dar uma pista de que sabe um mínimo sobre o Brasil, que a gente já sai comemorando, abraçando e fazendo sinal de positivo. Como se o fato de que o cara gosta de futebol significasse necessariamente que ele admira nosso país.
Ah, e como a gente precisa que gostem de nós! Norte-americano não está nem aí se o resto do mundo quer ver os EUA riscados do mapa; suíço, holandês, canadense, belga, sueco e finlandês tampouco estão se lixando se você aprovou ou não o país dele. Já o italiano faz questão de criticar a Itália junto com você. E só os mais humildezinhos, digamos, uma Honduras, uma Gana, uma Nigéria, um México, uma Venezuela ou... um Brasil têm aquele patriotismo rasgado, de chorar pela pátria quando toca o hino.
É claro que mal não faz para o país Lula ser reconhecido pela "Time" como líder de personalidade. De fato é positivo para ele e para nossa imagem institucional.
Mas essa necessidade de aceitação que faz o fato se tornar destaque em todos os portais e todas as rádios e todas as TVs do país como manchete principal, dá a medida do tamanho da insignificância que precisamos deixar para trás.
Mostra que ainda vai demorar para saírmos da fase: "O que achou da mulher brasileira?" e "Do you like caipirinha?".

GOSTOSA

BRASIL S/A

As razões de fundo
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 30/04/10

BC reabre ciclo de engorda da Selic para manter espaço do gasto público e dos investimentos


O aumento da Selic, taxa de referência de trocas interbancárias, para 9,50%, depois de permanecer nove meses estacionada em 8,75%, voltou a colocar o Banco Central em linha com as expectativas do mercado financeiro e sob o fogo de empresários e sindicalistas.

A divergência é toda centrada no que é esperado para a inflação, função de um conjunto de fatores variáveis no tempo, podendo ser um choque de preço devido à quebra de oferta, ou excesso de gasto público, ou crescimento forte do crédito ao consumo, e por aí vai.

Não há causa única. Desde a saída da crise, a atenção se volta para o impacto sobre a inflação das medidas tomadas para abreviar a recessão, como o corte de imposto e a expansão do crédito ao consumo nos bancos estatais, acumuladas a um cenário em que o emprego e a renda foram pouco afetados até pelo ativismo fiscal do governo.

Ao sancionar tal análise, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC retoma o diagnóstico dominante até setembro de 2008, marco inicial da grande crise global. À época, a economia também crescia forte, o deficit das contas externas despontava como reflexo das importações em ritmo maior que as exportações, o câmbio tendia a valorizar-se pela maciça entrada de capitais financeiros, a bolsa bombava e a inflação dava sinal de escapar à meta anual, de 4,5%.

No último ciclo de alta da Selic, que reagia a tal conjuntura, o BC pilotou os juros básicos de 11,25% ao ano, em janeiro de 2008, até 13,75% em setembro, quando a economia global capotou. O BC só voltou a ajustar a Selic em janeiro, iniciando com atraso o ciclo de queda que a trouxe até 8,75% em julho do ano passado.

Entre os três ciclos — o de alta em 2008, de queda e estabilidade em seguida e agora outra vez de alta —, o motivador da ação do BC tem sido o receio de que a retomada dos investimentos produtivos, um dos itens da demanda agregada, se encavale com a somatória do emprego, da renda e do crédito ao consumo, todos para cima. Assim como o gasto público. Dos salários do funcionalismo às políticas sociais, dos projetos de infraestrutura aos subsídios em geral.

A economia no segundo mandato do presidente Lula está direcionada para crescer movida pelo investimento público e privado que amplie a oferta da infraestrutura e a produção industrial. Mas acumulado com a expansão dos outros dois componentes da demanda pela ótica do Produto Interno Bruto (PIB): o gasto público e o das famílias.

A incompreensão, ou ignorância, dessa dinâmica é o que leva o BC a ser tão criticado. Felizmente, não por Lula, que a entende.

Bônus e ônus de Lula
O resultado está aí: na ebulição da economia, na sensação de bem-estar social, no entusiasmo empresarial, expressos na popularidade recorde do presidente e na aprovação de seu governo. Mas também é o que faz as contas externas estarem no vermelho. Ou o orçamento fiscal estar no limite, incapaz de financiar mais despesas, assim como os bancos públicos, todos com limites de crédito próximos do teto prudencial, o que implica que terão de aumentar o capital.

O Tesouro já emite dívida pública para bancar os investimentos da Petrobras e Eletrobras intermediados pelo BNDES. Prova da carência de poupança pública, boa parte empenhada em gasto corrente fiscal.

Inflação é a síntese
É a isso que o BC responde ao subir a Selic: para abrir ou manter o espaço à expansão do investimento, não para frustrá-lo. Se há um volume de oferta finita para uma demanda sem freio, o ajuste se faz via preço, isto é, inflação, e câmbio, que também é um preço, mas mais à frente, quando a área externa já estiver deteriorada.

O número chave no balanceamento macroeconômico é a taxa real dos papéis que o Tesouro emite e financia no mercado financeiro local e externo, definida pela expectativa futura de inflação.

Obstáculo da oferta
O mercado olha para os números fiscais, os vê crescendo e esfrega as mãos. Sabe que o Tesouro vai precisar de quem o financie. Mais papel, mais juros reais — ou não. Depende da inflação projetada.

A economia está assim: com oferta precária para o quadro de pleno emprego, já detectável com taxa de desemprego de 7%. Está em 7,6%. Ao mesmo tempo, ela deve gerar exportações em volume equivalente ao fluxo líquido de fundos externos, definindo-se que para o porte da economia deficits de 2% do PIB seriam seguros. Tende a 2,5%.

A medida que acomoda em síntese todas estas variáveis é a meta de inflação em 4,5%. Está acima de 5%. Por isso o BC acionou a Selic.

BC é o álibi de Lula
A pilotagem da economia nasce de um projeto. O em curso por Lula tem duas prioridades: distensão social e expansão industrial e da infraestrutura (energia, estradas, portos etc.). Ambas colidem com a capacidade produtiva atual. Dar peso a uma ou outra não satisfaz a coalizão política que o serve nem a seus desejos. Ambas marcham juntas, gerando os desequilíbrios que o BC ajusta com a Selic.

Os críticos contrapõem que menos gasto público faria melhor pelo crescimento com equilíbrio. Estão certos. Mas aí o governo e a sua coalizão política serão outros. Com Lula, um ex-líder sindical, o empresariado que repele a Selic deveria refletir sobre o que seria da economia com inflação à larga. Pela paz social, ele estaria com seus antigos companheiros, não com o capital. O BC é o seu álibi.

MÁRCIA MARIA BARRETA FERNANDES SEMER

A defesa do Estado e o processo civil
MÁRCIA MARIA BARRETA FERNANDES SEMER
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10

O novo Código de Processo Civil traz uma grande preocupação: a fragilização da defesa do Estado, com ênfase na redução de prazos

UMA COMISSÃO de juristas, encarregada de elaborar anteprojeto do novo Código de Processo Civil (CPC), apresentou recentemente, aos operadores do direito, propostas para a reforma do CPC.
Entre algumas boas novidades, dispostas a criar instrumentos para tornar mais ágil o andamento dos processos, uma grande preocupação: a fragilização da defesa do Estado, com ênfase na diminuição dos prazos para a Fazenda Pública e na extinção de recursos para a defesa do erário.
Poucos princípios têm amealhado tanta preocupação desde a promulgação da Constituição em 1988 quanto o da moralidade administrativa.
Seu manejo vem sendo constantemente desenvolvido, e os operadores do direito têm buscado interpretações que o valorizem. Cassações de políticos eleitos com abuso da máquina administrativa, proibição de nepotismo, transparência nas sessões de tribunais e até mesmo a inédita prisão preventiva de um governador.
A consagração e o respeito ao princípio da moralidade se justificam por seu valor ético. Mas não há dúvida de que, por trás da preservação da moralidade administrativa, subjaz firme a ideia de que representa a defesa do patrimônio público.
Temos compreendido que o Estado não é um ente abstrato e nem um adversário da sociedade. Seus recursos são finitos e pertencem a todos, sendo fruto do trabalho de cada um dos brasileiros.
Defender o Estado não é se antagonizar com os cidadãos, mas fundamentalmente defendê-los. Porque o dispêndio desnecessário do patrimônio público resulta em pagamento por parte de todos.
Não há desenvolvimento, criação de empregos e de riquezas com malversação ou desperdício. E para a preservação desses princípios é que a defesa do patrimônio público não pode ser de modo algum esvaziada, diminuída ou enfraquecida.
Compreende-se a necessidade de agilização dos processos, em especial com a incorporação de novos paradigmas que evitem a multiplicação de recursos e superem a atomização das causas repetidas, que podem ser apreciadas coletivamente, reduzindo tempo e uniformizando decisões.
Mas, para compatibilizar o legítimo interesse de um processo célere com a intransigente defesa do patrimônio público, não devemos abrir mão, como se pretende, dos prazos especiais assinalados na lei para a defesa do Estado, há muitos anos sedimentados, com sólidos fundamentos.
A redução dos prazos teria reflexo mínimo na celeridade processual. Estatísticas demonstram que o maior tempo gasto com o processo não reside nos prazos para as partes. Contudo, a redução dos prazos judiciais para a Fazenda Pública, tal como proposta na primeira versão da reforma, poderá ter um efeito devastador para as defesas das diversas entidades estatais.
Os pequenos municípios têm advocacias ainda pouco constituídas para uma defesa rápida e ao mesmo tempo segura; as áreas administrativas dos grandes Estados, de outra parte, são compostas de estruturas gigantescas, e o tempo gasto para o trânsito das informações (muitas vezes sobre centenas de pessoas em uma mesma ação) é impeditivo para uma resposta processual em prazo comum.
Sem contar que as próprias Procuradorias dos Estados, grandes ou pequenos, ainda não têm estruturas compatíveis com as da magistratura ou do Ministério Público. Em São Paulo, por exemplo, a ausência de servidores administrativos nessa área é simplesmente escandalosa.
Desconhecer essas realidades e desprezar tais particularidades pode ter alto custo, um efeito colateral indesejado. A sociedade não só não espera o enfraquecimento da defesa do patrimônio público como não quer assumir as consequências de seu resultado.
Ao revés, para assegurar uma melhor defesa do patrimônio de todos, e ainda da própria moralidade administrativa, o momento é justamente de fortalecer a advocacia pública, garantindo-lhe instrumentos de ação.
É importante observar que a redução de lides desnecessárias e não proveitosas para o Estado também passa pelo fortalecimento do papel do advogado público como controlador da legalidade interna. Quanto maior a legalidade dos atos do Estado, menores os espaços de litígio.
Nesse sentido, a autonomia das Procuradorias, em proposta de emenda constitucional que ainda patina no Congresso, tem muito a contribuir para a racionalidade processual.
A duração razoável do processo, a moralidade administrativa e a defesa do patrimônio público são princípios que fundamentam a mesma noção de Estado democrático de Direito.
Não precisam e não devem ser tidos como colidentes.
MÁRCIA MARIA BARRETA FERNANDES SEMER , 45, é presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp).

GOSTOSA

MERVAL PEREIRA

A busca do diálogo
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 30/04/10

A conferência da Academia da Latinidade em Córdoba foi preparatória da reunião da Aliança das Civilizações que se realizará em maio no Rio de Janeiro. Há três princípios fundamentais, segundo o secretário-geral Candido Mendes, que é também o representante brasileiro no organismo da ONU: é preciso desconstruir a ideia do diálogo, para que ele não seja apenas o resultado de um voluntarismo ingênuo; entender a necessidade de coexistência com a irracionalidade de um mundo que vai continuar dominado pela guerra das religiões a partir dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos; e, por último, evitar os fundamentalismos dos dois lados, que o governo Bush encarnou.

Houve um consenso entre os palestrantes: é preciso compreender que estamos num momento em que a estrita razão ocidental não representa mais o império da civilização.

O trabalho de Lucien Sfez, professor emérito da Universidade Paris I Pantheon Sorbonne, mostra a necessidade de se chegar à multirracionalidade, de maneira a compreender que muitas vezes a razão como nós a entendemos é uma razão ocidental.

Esse mundo novo do diálogo das culturas vai enfrentar uma discussão muito grave, que é a de que nós não estamos lidando apenas com o diferente, mas com “o outro”.

Foi o que procurou demonstrar o sinólogo François Julien, para quem a China não é apenas diferente, mas tem uma outra visão do mundo que repercute até mesmo na questão dos direitos humanos, que não é vigente lá.

Outro ponto importante debatido durante o seminário foi a questão do colonialismo, que, apesar de estar sendo vencido em todo o mundo, manteve sobrevivências de determinadas atitudes e posições, como defendeu o professor Walter Mignolo, diretor do Centro de Literatura para os estudos globais e de Humanidades da Duke University nos Estados Unidos.

A visão predominante de progresso ainda seria neocolonial desse ponto de vista, e é preciso chegar à noção de que não existem progressos simultâneos e que, sim, eles podem ser paralelos.

Não é possível que uma cultura enfrente o padrão de progresso da outra como num confronto. Uma questão ficou no ar: estamos realmente aceitando a premissa da alteridade em vez da premissa da diferença? A Aliança das Civilizações, cujo alto representante é o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, é um projeto das Nações Unidas que tem três países como líderes: Turquia, Espanha e Brasil, e o objetivo de encontrar saídas para que esse encontro internacional se dê.

Há problemas a serem enfrentados, como o fato de que a Turquia ainda não entrou realmente na Comunidade Europeia. E a necessidade de que exista um protagonismo que não esteja ainda com essa ideia fechada de hegemonia ocidental, para aceitar que, em casos como o do Irã, se permita que ele se explique à comunidade internacional, como estão negociando Brasil e Turquia.

Ao mesmo tempo, será preciso que o governo do Irã assuma compromissos com a comunidade internacional, tanto em relação ao seu programa nuclear, submetendoo à inspeção dos organismos da ONU, quanto ao respeito aos direitos humanos.

O sociólogo francês Alain Touraine acha que a integração da Turquia à Comunidade Europeia servirá de reforço ao papel daquele país na negociação como Irã como ponte entre o Ocidente e o Oriente.

O mundo atual, sem centros e periferias, tem novos protagonistas como os membros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China).

François Julien destacou a chamada “cultura da paz” cultivada historicamente pela China, que seria um obstáculo à tese das “guerras preventivas” que foi assumida pelos Estados Unidos durante o governo Bush.

Essa tradição da China, que não tem história de expansão colonialista, hoje impede que se tenha um maior consenso sobre as sanções ao Irã por seu programa nuclear fora de controle das agências internacionais.

O governo Obama está começando a sair desse clima de “guerras preventiva” e se aproximando de um acordo sobre as sanç õ e s c o m a Ch i n a , q u e sempre foi um país centrado sobre si mesmo em sua imensidão.

Como desdobramentos possíveis, é preciso saber como é que, de fato, os direitos humanos podem ainda ser universalizados.

A tentativa da Aliança das Civilizações é chegar-se a uma plataforma básica de direitos humanos, e a ideia central seria definir o que são os crimes contra a humanidade para depois expandir esses conceitos.

Outra questão fundamental é a necessidade de preser var a democracia diante da identidade nacional, que, em muitos países, especialmente a China, tem prevalência.

Há também a necessidade de estabelecer mecanismos de auxílio internacional, sobretudo para a África e outras regiões mais pobres do planeta.

A China, muito por interesse próprio nas matériasprimas de que necessita, está atuando firmemente no auxílio aos países africanos.

O Brasil pode ter papel relevante nesse contexto de ajuda humanitária, com a ampliação de seu papel no mundo, seja tanto com os financiamentos do BNDES na América Latina quanto com as ações das forças de paz a serviço da ONU.

ELIANE CANTANHÊDE

De tropeço em tropeço
ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10

BRASÍLIA - A campanha de Dilma Rousseff tem tudo demais, e a de José Serra parece ter tudo de menos, quando se trata de alianças, palanques, tempo de propaganda na TV e equipes de jornalismo, de agenda, de internet. Mas o resultado é que a campanha de Dilma também tem errado muito mais. Digamos que proporcionalmente mais: quanto mais gente e parafernália, maior a chance de erros.
Afora o ataque ao Mercosul, equivocado sob vários ângulos, Serra tem errado pouco. Já Dilma já tem uma bojuda coleção de "tropeços verbais, agenda errática, coordenação inchada e mau uso da estrutura de internet", como disse o jornalista Ricardo Kotscho, ex-assessor de Lula em campanhas e no governo. Logo, insuspeito.
Do "Dilmasia" na cara de Hélio Costa em Minas à fraude da foto de Norma Bengell, passando pelas agendas canceladas de última hora, o que se imagina é que estão batendo cabeça. Como se um dissesse para Dilma usar rosa, o outro exigisse azul; um a empurrasse para o Ceará, o outro puxasse para Santa Catarina; um quisesse um site programático, o outro estimulasse a troca de figurinhas da militância.
Por enquanto, até pode. As candidaturas ainda não foram oficializadas e, afinal, a Copa do Mundo vem aí. A fase da campanha, portanto, é de aprendizagem e aquecimento. Mas não vai ser sempre assim.
Em campanhas muito polarizadas, em que se fala até em definição no primeiro turno, os candidatos e candidatas têm não apenas de acertar, firmar diferenças a seu favor e conquistar confiança mas principalmente não errar.
Dilma tem Lula e o vento a favor, mas a campanha tem de ajudar, não atrapalhar, e cabe a ela fazer o resto, ou o principal. Campanhas são cada vez mais sofisticadas e científicas, mas também cometem erros (como se vê) e não fazem milagre. Não tem santo nem pesquisa que substitua ou reinvente Sua Excelência, o(a) candidato(a).

GOSTOSA

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Lula, the guy
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10


SÃO PAULO - Lula, escolhido o líder mais influente do planeta pela "Time"? Havia ontem uma intensa discussão a respeito do lugar que foi destinado ao presidente brasileiro. Seria mesmo "o primeirão"? Ou era apenas um dos "25 eleitos" pela publicação americana na categoria "líderes"? Conforme a própria revista depois esclareceu, essa última interpretação é a mais correta.
Mas, afinal, que diferença faz? A discussão serviu apenas para pôr em relevo o aspecto frívolo e bizantino da própria lista. Ela diz menos sobre as personalidades que supostamente ilumina do que sobre as taras e misérias de um mundo que precisa a todo instante se reconhecer no espelho das celebridades que fabrica. Todo ranking, no fundo, é só uma forma de alimentar o bovarismo da sociedade do espetáculo.
A lista é tola, mas não significa que seja "arbitrária". Já houve coisas muito piores. Na década de 70, a própria "Time" fez uma relação de quem seriam os 150 líderes mundiais no fim do milênio. Brasileiros? Havia dois. Um era o então deputado Célio Borja. O outro, o ministro da Agricultura de Ernesto Geisel, Alysson Paulinelli. Sim, acredite.
O caso de Lula é evidentemente distinto. Um líder operário que chega à Presidência de um país como o Brasil e no final do mandato reúne mais de 70% de aprovação popular.
No perfil que escreveu do petista, o documentarista Michael Moore diz platitudes, mas é certeiro ao afirmar: "O que Lula quer para o Brasil é o que nós costumávamos chamar de sonho americano".
Um mundo de consumidores banais e felizes. Uma sociedade remediada na sua selvageria pela força integradora do dinheiro. Do socialismo, nem o cadáver. Esse é o horizonte em que se movem Lula e sua utopia mundana. Moore viu o que muito petista ainda não entendeu.
Pelos prêmios já acumulados e pelo conjunto da obra, a "Time" deveria ter incluído Lula na lista dos "artistas". E Dunga talvez esteja pensando se não há um lugarzinho para "o cara" na sua seleção.

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

Os 'hermanos' se afagam
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 30/04/10

Desde 2007, os presidentes do Brasil e da Venezuela têm se reunido a cada três meses. Desta vez, na quarta-feira, em Brasília, reuniram-se para assinar 21 tratados e acordos bilaterais nas mais variadas áreas e para discutir a agenda da próxima reunião da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na semana que vem, em Buenos Aires. Dito assim, pode parecer que Lula da Silva e Hugo Chávez não tinham mãos a medir para dar conta de tão substanciosa agenda, decisiva, quem sabe, para a projeção do País no Hemisfério e para que a Venezuela "não fique dependente apenas do petróleo que produz, mas que também possa desenvolver-se em outros campos da economia", como declarou generosamente o brasileiro.

Deve contribuir para isso, é o caso de deduzir, a instalação de uma fábrica de latas para alimentos no vizinho país, objeto de um dos documentos a merecer o autógrafo dos dois assoberbados chefes de Estado hermanos. A bem da verdade, nem todos os acordos firmados por eles têm essa escassa envergadura. Mas a obra, no conjunto, foi claramente concebida para deixar a impressão de que as relações entre Brasília e Caracas, além de robustas, são exemplares em matéria de integração regional ? descontados o fato de a Venezuela atrasar pagamentos às empresas brasileiras de porte médio incentivadas a fazer negócios ali e o sufoco que é depender da burocracia bolivariana. Chávez, por sinal, já trocou duas vezes o ministro que cuida das negociações com o Brasil.

Se Lula e seu exuberante hóspede trataram em privado desses desconfortos não se sabe. Em público, aos afagos, referiram-se ao seu esporte preferido, a ponto de, em dado momento, Chávez troçar com a logorreia do anfitrião. "Tu hablas mucho", fingiu criticar, numa versão fraternal do célebre pito que lhe passou certa vez o rei da Espanha, Juan Carlos: "Por que no te callas?" Vai ver, o mais falastrão dos governantes mundiais, também nisso herdeiro do aposentado ditador cubano Fidel Castro, está passando por uma metamorfose desde que resolveu aderir a mais essa engenhoca do Império, como diria, que é o microblog Twitter, onde cada mensagem não pode ultrapassar 140 sinais.

Não escapa a ninguém que as manifestações da dupla são um convite à ironia, quando não ao desalento. Surpreendido pelos jornalistas brasileiros com a pergunta que os seus colegas venezuelanos pensariam duas vezes antes de não fazer ? quando deixará o governo? ?, um Chávez visivelmente agastado com tamanho delito de lesa-majestade traiu-se ao lembrar que o monarca espanhol tem um cargo "vitalício". Disse também que o seu primeiro-ministro pode se reeleger indefinidamente (o que é apenas normal nos sistemas parlamentaristas), alheio, como é óbvio, às ofuscantes diferenças entre a democracia espanhola, para ficar no seu exemplo, e a ditadura em avançado estágio de construção na Venezuela ao longo dos 11 anos de chavismo.

Ao fim e ao cabo, o caudilho desistiu do lero-lero e afirmou que não sabe quando se irá e que não tem sucessor à vista. Pouco antes, ao falar da expansão da democracia na América Latina ? personificada, para ele, pelo líder boliviano Evo Morales, por ser indígena ?, Lula evocou o apoio que dera a Chávez, por ocasião do fracassado golpe de Estado contra ele, em 2002. No seu costumeiro estilo leve, livre e solto, inventou que, então, só não foi crucificado "porque faltava madeira para fazer cruz". Naturalmente, a denúncia do golpismo passou ao largo da quartelada comandada em 1992 pelo então coronel Hugo Chávez contra o presidente Carlos Andrés Pérez.

Em outra passagem, o brasileiro repetiu o que dissera na segunda-feira aos dirigentes dos 14 países-membros da Comunidade do Caribe (Caricom), reunidos em Brasília: continuará na política depois de 2010. Desta vez, acrescentou que vai correr mundo para "emancipar a África", seja lá o que isso queira dizer. O seu senso de onipotência deve ter chegado ao paroxismo ontem, quando soube que a revista americana Time o colocou na sua lista dos 100 líderes mais influentes do globo, selecionados entre políticos, empresários, artistas e pensadores.

PRESSÃO

PAINEL DA FOLHA

Dornelles, vem cá
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/04/10

Diante dos sinais de aproximação entre PSDB e PP, Lula decidiu chamar para uma conversa o presidente do partido, Francisco Dornelles. É com ele, e não com a bancada, que será discutido o eventual apoio à candidatura de Dilma Rousseff (PT) -decisão que Executiva da sigla decidiu anteontem adiar para junho.
No entender do Planalto, deputados do PP alimentam a especulação de que Dornelles pode ser vice de José Serra (PSDB) para aumentar o poder de barganha na liberação de verbas. Em entrevista à rádio Gaúcha, o senador manteve o suspense: "Não há política sem histórias. E, quando elas ganham força própria, não adianta confirmar nem desmentir".


Viés de alta. A chance de o PSDB convidar e de Dornelles aceitar, acrescentando cerca de um minuto e meio ao tempo de TV de Serra, é hoje maior do que a campanha de Dilma gostaria de admitir.
Chimarrão. Ainda Dornelles à rádio Gaúcha: "O PP do Rio Grande do Sul é a seção mais forte e prestigiada do partido. A Executiva Nacional não tomará nenhuma decisão com a qual não concorde o PP do Rio Grande do Sul". Que está alinhado com os tucanos.
Torneira 1. Filiado ao PP, Márcio Fortes (Cidades) decidiu liberar R$ 160 milhões de emendas ao Orçamento para acalmar a bancada do partido, que vive em pé de guerra com o ministro, a quem acusa de se importar apenas com a candidatura de Dilma Rousseff.
Torneira 2. O Planalto vai autorizar a liberação de R$ 3 milhões em emendas individuais no Congresso para aplacar a queixa generalizada. "Já estamos em maio. Temos direito a R$ 12 milhões", diz o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).
Epílogo. Coordenador da campanha de Serra, o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) desembarcou ontem no Rio para fechar o tão adiado acordo entre o PV de Fernando Gabeira, candidato ao governo, e o DEM de Cesar Maia, que buscará cadeira no Senado.
Complicômetro. Mais um fator a balançar o palanque de Serra em Pernambuco: parte do DEM não apoiará a reeleição de Marco Maciel ao Senado. O ex-deputado José Mendonça, pai do ex-governador Mendonça Filho, irá com Armando Monteiro Neto (PTB).
Areia. Dividida, a Executiva Nacional do DEM ameaça não apoiar a reeleição da ex-correligionária Roseana Sarney (PMDB) no Maranhão.
Minha gente. O ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB) anunciou que disputará o governo de Alagoas. A decisão fratura o "chapão" formado em torno da candidatura de Ronaldo Lessa (PDT). Collor ligou para Lessa e pediu uma conversa. Sabedor do assunto, Lessa sugeriu que ele procure o presidente do PDT, Carlos Lupi.
Tudo bem. De Lessa, ex-governador assim como Collor, sobre a entrada deste na disputa: "É um direito dele. Vão ser três candidatos, vai ter mais emoção" (além dos dois há o tucano Teo Vilela, que buscará a reeleição). O PMDB, de Renan Calheiros, vai manter o apoio a Lessa.
Sorte grande. No início do ano, a Prefeitura de Salvador anunciou que promoveria um recadastramento, de caráter formal, dos 20 bancos credenciados para operar o crédito consignado do funcionalismo local. Para surpresa das demais instituições, uma vez encerrado o processo, apenas o BMG e três bancos pequenos mantiveram a licença.
Escafandro. De um dirigente do PSB, sobre a anunciada decisão do deputado Ciro Gomes de "mergulhar", depois de causar furor com sua primeira entrevista uma vez excluído da disputa presidencial por pressão de Lula e decisão do partido : "Nós é que vamos mergulhá-lo num aquário, por precaução". 

com SILVIO NAVARRO e ANDREZA MATAIS
Tiroteio
"A sociedade brasileira vai se cobrir de luto e dizer que só pode falar de política a partir de junho? Isso é que nem jabuticaba, só tem no Brasil." 

De ROBERTO FREIRE , presidente nacional do PPS, sobre as restrições impostas aos candidatos pela legislação eleitoral.
Contraponto
Lula eterno Em conversa com dirigentes do PSB, Lula comentou a decisão de Paulo Hartung (PMDB) de dar um tempo da política quando encerrar, em dezembro, seu segundo mandato como governador do Espírito Santo:
-Desde que eu tinha 20 e poucos anos falo que vou dar um tempo da política, mas não consigo...
E comentou com Eduardo Campos, 44, presidente do PSB, governador de Pernambuco e neto de Miguel Arraes:
-Olhe, você mesmo não se iluda: daqui a pouco estará tossindo que nem o seu avô...
Eleito governador pela primeira vez em 1962, Arraes morreu em 2005, aos 88 anos, dirigindo o PSB.