quinta-feira, março 04, 2010

SANDRA POLÓNIA RIOS

Generosidade brasileira?

O ESTADO DE SÃO PAULO - 04/03/10


Na véspera de sua posse, o novo presidente do Uruguai, José Mujica, afirmou em entrevista coletiva que "o Mercosul está falhando porque os latino-americanos não querem entrar de cabeça. Penso que o Brasil está sendo chamado a cumprir um papel absolutamente essencial na melhora da integração. O Brasil é praticamente o líder natural da região e, à medida que assuma isso, seguramente vai contribuir numa proporção muito alta na solução dos problemas que temos agora" (Agência Brasil, 28/2).

Não é a primeira vez que o Brasil é chamado a desempenhar o papel de liderança na integração regional. Logo que assumiram seus atuais mandatos, os presidentes Álvaro Uribe e Alan Garcia visitaram o presidente Lula e externaram essa expectativa em relação ao Brasil. A presidente do Chile e mais recentemente o presidente do México também se manifestaram nessa direção.

O que esses países têm em comum? Todos eles, independentemente da coloração política de seus governos, vêm mantendo políticas econômicas voltadas à maior inserção internacional de suas economias e não parecem temer a liderança do Brasil no que se refere à busca de maior integração econômica regional.

O mesmo clamor não é ouvido de outros governantes sul-americanos, como Cristina Kirchner, Hugo Chávez ou Evo Morales, que proclamam forte alinhamento com o governo brasileiro, mas não parecem dispostos a aceitar o maior protagonismo do Brasil. Além disso, esses países, que optaram por políticas econômicas intervencionistas e nacionalistas e estão atualmente às voltas com crescentes dificuldades econômicas, vêm obstruindo as iniciativas de aprofundamento dos acordos comerciais e da integração econômica na região.

Na mesma entrevista coletiva, o novo vice-presidente uruguaio, Danilo Astori, afirma que "para ser líder, tem que ser reconhecido como líder. E a verdade é que nós reconhecemos uma liderança praticamente natural do Brasil na região. Mas, para ser líder, tem que exercer a liderança. E, para exercer a liderança, tem que ter generosidade...".

Como o Brasil tem respondido a essas demandas? A declaração do presidente Lula após a posse de Mujica é bastante ilustrativa da atitude brasileira: "Eu compactuo com o companheiro Mujica. Um país do tamanho do Brasil, do tamanho da Argentina, os países maiores têm de ter mais generosidade com os países menores" (Folha de S.Paulo, 2/3).

De fato, o governo brasileiro já vem adotando uma postura de "generosidade" (também chamada de paciência estratégica) para com os países da região. Essa "generosidade" se reflete na aceitação de medidas que representam o descumprimento de compromissos assumidos em acordos comerciais ou tratados internacionais e da omissão de temas comerciais na agenda da Unasul, entre outros exemplos.

É essa a melhor contribuição que o Brasil pode dar ao processo de integração regional? É difícil imaginar que processos de integração e cooperação regional possam avançar deixando de lado os objetivos de liberalização comercial e de adensamento dos fluxos de investimentos entre os países da região. A experiência europeia - frequentemente citada pelos que defendem a ampliação da agenda temática para além dos temas econômicos e a generosidade brasileira na região - é ilustrativa: a contrapartida da "generosidade" refletida nos fundos estruturais é a rigorosa exigência de cumprimento das regras de integração comercial e de investimentos.

O Brasil tem alguns ativos importantes a oferecer à integração regional. O primeiro é o tamanho de seu mercado interno. Os exportadores sul-americanos apontam as barreiras não-tarifárias adotadas pelo País como o principal entrave para ampliar suas exportações ao mercado brasileiro. A generosidade do Brasil deveria estar refletida na adoção de medidas unilaterais de facilitação de comércio, eliminando obstáculos domésticos que de fato impactam negativamente o comércio com vizinhos.

O segundo ativo é a exportação de estabilidade econômica e institucional. Melhor do que ser complacente com medidas que violam os acordos comerciais ou políticas econômicas que ferem a previsibilidade de regras e afetam os interesses de empresas brasileiras que investem na região seria defender o cumprimento dos acordos e contratos. Estabilidade institucional e previsibilidade de regras são fontes importantes de crescimento econômico - basta ver o desempenho relativo das economias da região.

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Sandra Polónia Rios, economista, é diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes)

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