segunda-feira, março 08, 2010

RUY CASTRO

Guerreiros e zuzus


FOLHA DE SÃO PAULO - 08/03/10RIO DE JANEIRO - O que é mais "imoral" na TV? A socialite Paris Hilton se esfregando numa garrafa de cerveja ou o treinador da seleção brasileira, Dunga, batendo no peito e se dizendo "brahmeiro"? A meu ver, Dunga. Mas Paris Hilton é que foi censurada.
Você dirá que, no comercial, Dunga não fala brahmeiro, e sim guerreiro. Mas, passados os tambores representando a batida no peito, ouve-se o locutor dizendo brahmeiro. A associação é clara: Dunga é guerreiro porque é brahmeiro. É mais claro do que imaginar que Paris Hilton esteja cometendo sexo. Aliás, ela não parece mais devassa do que tantas modelos brasileiras em outros comerciais, inclusive de iogurte.
Não sei se o comercial de Paris Hilton, antes de ser evaporado, era exibido durante o dia. Mas o de Dunga passa a toda hora entre desenhos animados e jogos de futebol, ao alcance de criancinhas mamíferas, garantindo os bebuns de amanhã. De novo as companhias de cerveja impõem a ideia de que cerveja não é bebida alcoólica, embora o próprio Ministério da Saúde acuse que nossos garotos começam a bebê-la cada vez mais cedo e já existam casos frequentes de alcoolismo aos 12 anos.
O Brasil, um dos países mais permissivos do mundo, não se deixaria abalar pela lascívia de uma perua estrangeira, tendo abundante oferta de matéria-prima nacional. Mas a ligeireza com que se tratam questões de saúde pública vive nos apresentando a conta. A escalada do crack, por exemplo, foi prevista há 15 anos e passou em branco por vários ministros da Saúde, alguns dos quais concentrados em sua ideia fixa de perseguir tabagistas.
Quero ver se Dunga continuará tão satisfeito de ser "brahmeiro" se, na Copa, algum jogador se exceder num dia de folga e voltar zuzu para a concentração, batendo no peito e se dizendo "guerreiro".

Um comentário:

Unknown disse...

Indignação devassa

O veto à propaganda com Paris Hilton nasceu das melhores intenções e redundou numa trapalhada desnecessária. Parece inútil querer controlar o ambiente publicitário brasileiro (que alia excelência técnica e freqüente desprezo pelo interesse público) sem regulamentação sólida e indiscutível.
A decisão do Conar insere-se numa tendência crescente de intervenção sobre as esferas individual e privada. A moda é relativamente contemporânea e costuma ser fantasiada de modernidade esclarecida. Olhando ao redor, podemos descobrir diversas de suas criaturas: a canetada antitabagista de José Serra, autoritária e inconstitucional; o patético banimento de bebidas alcoólicas dos estádios de futebol; a proibição da Marcha da Maconha, abuso que a cúpula do Judiciário impediria se tivesse verdadeira índole republicana; a criminalização do uso de drogas e do aborto e por aí vai.
O espírito conservador desconhece bandeiras e ideologias. Agora é fácil atacar o governo federal, fingindo hipocritamente que a ingerência nasceu com o lulopetismo. Pois lamento, a reação veio tarde. A tesoura contra a publicidade de cerveja poderia ter sido evitada se os liberais de plantão reagissem lá atrás, quando seus ídolos políticos espalhavam as sementes da sanha estatal, sob aplausos das boas famílias.
Não foi por falta de aviso.