quinta-feira, fevereiro 11, 2010

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Pátio de escola

O GLOBO - 11/02/10


Pastores de igrejas fundamentalistas americanas que combatem o governo do Barack Obama estão dizendo a seus fiéis que é permitida a chamada prece imprecatória. Ou seja, rezar pela morte de alguém. Alguns milhares de cristãos devem estar pedindo a Deus que leve o Barack e salve os Estados Unidos do socialismo e de outras obras do diabo, como assistência médica para todos. Consolemo-nos, portanto. Mesmo no começo de um ano eleitoral não se tem notícia de ninguém no Brasil que esteja rezando pela morte de um adversário. Talvez uma crisezinha de pressão, mas nada além disso. Na verdade, mais do que moderado, o debate político brasileiro está decididamente infantil. O artigo do Fernando Henrique convidando à comparação entre seu governo e o do Lula e a resposta do Planalto reduziram o embate a um desafio de pátio de escola. Meu social é maior do que o seu! Vai acabar com todo o mundo no gabinete do diretor.
O PT não quer outra coisa do que a comparação. Em primeiro lugar porque Serra representando o governo FHC é menos preocupante do que o Serra como novidade. E também porque, como mostrou aquela insuspeita reportagem da Folha de São Paulo na terça feira, no puro cotejo de números com números, reconhecidos todos os méritos do governo anterior, o atual leva vantagem. E seu social é maior.
Mas o importante é que o ano eleitoral começa sem ninguém querendo morder a carótida de ninguém. Ou pedindo que Deus intervenha no processo.
LÍNGUAS
Certa vez fizeram uma pesquisa entre 15 mil ingleses que concluiu que a palavra mais bonita do seu idioma é “serendipity”. Tradução imprecisa: a sensação de descobrir algo desejável por acidente. Entre as outras palavras bem votadas, algumas obviedades – “love”, “peace”, “hope”, “faith”, “compassion”, “home” – amor, paz, esperança, fé, compaixão, lar, tudo o que a gente quer – e algumas curiosidades, como “onomatopoeia” e “football”. E “Jesus” e “Money” empatados em décimo lugar. Acho que os ingleses votaram mais na coisa (“fuck” não fez feio) do que no seu nome. “Football” bonita? Pensando bem, uma palavra terminada em “dipiti” a mais bonita de todas? É preciso ser inglês.
Como seria uma lista parecida no Brasil? Meu voto para a palavra mais bonita do português iria para “sobrancelha”. Segundo lugar, “sândalo”. A mais feia? “Seborréia”. Pior, até, do que “onomatopéia”. Desconfio que nós, os latinos, pesquisados, tenderíamos mais para o nome do que para a coisa, para o som da palavra mais do que para o que ela representa. Nossas línguas seriam mais abstratas do que o utilitário inglês e o preciso alemão, que nunca são falados com o gosto, com o puro prazer de saborear a pronúncia, que os italianos falam a sua, por exemplo. Mas teses sobre os povos e sua relação com seus idiomas são sempre arriscadas. O Jorge Luis Borges flagrou um paradoxo: os escritores mais representativos de cada país são sempre pouco característicos do seu povo. Nada menos típico da Inglaterra do “understatement” do que o espalhafatoso Shakespeare, que Borges considerava mais italiano ou judeu do que inglês. Nada menos alemão, com sua tolerância, seu antifanatismo e sua indiferença ao conceito de pátria, do que Goethe. Victor Hugo, com seus “grandes cenários e vastas metáforas”, segundo Borges, tem pouco do especifismo francês. E a Espanha é representada por Cervantes, um contemporâneo da Inquisição tolerante, um espanhol que satirizava a paixão. No fim todo o mundo, quando pensa formalmente na língua que fala, pensa em outra língua.

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