quinta-feira, fevereiro 11, 2010

EUGÊNIO BUCCI

Ética partidária e renovação

O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/02/10


Numa entrevista que concedeu a Antônio Gois e Angela Pinho, do jornal Folha de S.Paulo, nesta segunda-feira, o ministro da Educação, Fernando Haddad, reconheceu, em termos bastante claros, a mediocridade ética no espectro partidário brasileiro. "E em relação à ética?", perguntaram os entrevistadores. Ele respondeu: "Ninguém está se saindo bem nesse quesito do ponto de vista de opinião pública, nem PT, nem PSDB, nem DEM. Não se trata de um prejulgamento jurídico, mas de uma observação de caráter político. Ninguém se sai bem perante o eleitorado nessa questão, o que é muito ruim para a democracia porque o adiamento da reforma política já não se justifica em virtude do constrangimento que os próprios partidos estão passando perante a opinião pública."

Três aspectos ganham especial relevo nessas palavras. O primeiro deles é que o ministro não se antecipou a defender o seu próprio partido, o Partido dos Trabalhadores (PT). Ele não procurou estabelecer as diferenciações de ocasião, no mais das vezes, infantis. É muito comum que dirigentes partidários se saiam desse tipo de pergunta com acusações genéricas aos adversários: "Ah, mas foram eles que começaram com isso." Ou, numa variante equivalente: "No caso deles foi muito pior."

Não. Sobriamente, o entrevistado apenas reconheceu o que todo cidadão já sabe: nenhum dos principais partidos brasileiros se mostrou de fato diferente no que se refere às condutas que adotam. Sem dúvida, há diferenças individuais dentro de cada uma das agremiações, mas, em seu conjunto, todas elas escorregaram para "dinheiros não-contabilizados", para dizer o mínimo, tanto em suas campanhas financeiras para fins eleitorais como no prolongamento que elas costumam ter no interior da administração pública. De maços de dólares na cueca a pacotes de reais na meia, nós já tivemos de tudo muito. Aliás, no recente escândalo do governo do Distrito Federal, é particularmente chocante o ar de rotina com que as autoridades empalmam a bufunfa e começam a distribuí-la pelas cavidades da vestimenta, como se já tivessem repetido aquele ritual uma infinidade de vezes.

Fernando Haddad parece falar a partir de um ponto de vista que se situa fora da máquina partidária, aproximando-se do ponto de vista da opinião pública, o que, para o leitor de jornais, é um alento.

O segundo ponto a ser observado é que em nenhum momento ele se refugia em críticas fáceis à imprensa. Em vez de condenar exageros na cobertura jornalística, em vez de reclamar, em tons calculadamente indignados, de prejulgamentos de pobres inocentes - que quase nunca são inocentes e muito menos pobres -, ele simplesmente admite o que é notório, ainda que possa ser cobrado depois pelos correligionários. A escapatória de criticar o repórter, em lugar de enfrentar o mérito da indagação, veio se tornando tão corriqueira que já enfadou o cidadão. Ainda nesta semana, quando questionado pela reportagem da TV Brasil sobre a falta de água em bairros paulistanos, o governador José Serra permitiu-se um comentário de reprovação à linha jornalística da emissora, em lugar de simplesmente esclarecer dúvidas legítimas da sociedade. Também por isso a postura do ministro se diferenciou.

O terceiro aspecto é que não há na entrevista nenhuma menção a soluções mágicas - necessariamente demagógicas - inspiradas em falsos moralismos. Quanto a isso, Haddad poderia ter dito mais. Falou apenas em reforma política, que, por certo, é uma necessidade estrutural no Brasil, mas é claro que o atraso dessa reforma tem servido de desculpa a homens públicos que insistem em agir fora da retidão. Ora, uma reforma política não produz honestidade na política. Ao contrário, é necessário um mínimo de compromisso com a ética pública para que a reforma seja realizada. Pense bem o leitor: por que será que ela demora tanto?

De toda forma, o ministro da Educação é uma voz que destoa do seu entorno, o que não há de ser do agrado de setores avessos a mudanças. Para onde ele vai agora? O noticiário dá conta de que seu nome vem sendo lembrado para concorrer ao governo do Estado de São Paulo este ano. Militantes petistas colhem assinaturas entre os filiados para credenciá-lo como pré-candidato. De outro lado, as resistências a ele são nítidas entre dirigentes do PT paulista, que não o veem como alguém da turma.

Na mesma entrevista, Haddad foi perguntado sobre essa possibilidade e se limitou a dizer que, hoje, o senador Aloizio Mercadante é quem desfruta das preferências majoritárias. Ficou bem claro que, se Mercadante aceitar a candidatura, receberá seu apoio.

Mas há uma chance de que o senador desista, dando preferência à sua reeleição para o Senado, que, ao menos em tese, estaria mais à mão. Da perspectiva dos que esperam renovação na cultura política nacional, a renúncia de Mercadante viria em boa hora. Seria um caso típico de ausência que preenche uma grande lacuna. Nessa hipótese, o candidato ao Palácio dos Bandeirantes poderia ser Fernando Haddad e, com isso, o discurso e o método que prevalecem na política poderiam passar por algum amadurecimento. Mas a escolha pertence ao partido - e este, infelizmente, vem se pautando por insistir nos mesmos erros e também por fugir, com artifícios mais do que manjados, a qualquer esclarecimento de seus desvios. Não se sabe se o PT ainda tem coragem para mudar a si mesmo. Tudo indica que não, mas a incógnita persiste.

Cada partido tem o seu próprio caminho para sair da mediocridade ética, o que passa pela renovação de gerações, de mentalidades e de práticas. No PT, a oportunidade de mudança tem que ver com a fala do ministro da Educação. Agora, cabe a seu partido a dignidade de endossá-lo.

Eugênio Bucci, jornalista, é professor da ECA-USP

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