terça-feira, fevereiro 16, 2010

AYDEMIR ERMAN

Turquia pode ajudar Obama


O ESTADO DE SÃO PAULO - 16/02/2010



Na recente Conferência sobre o Afeganistão em Londres, os Estados Unidos, seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e vizinhos regionais do Afeganistão concordaram em alinhar mais estreitamente esforços civis e militares para estabilizar essa nação para que as forças estrangeiras possam se retirar e forças afegãs locais possam assumir a segurança. No lado civil, uma nova ênfase foi colocada na importância-chave de construir instituições afegãs que possam atrair a lealdade dos que hoje se alinham ao Taleban.

Como uma amiga historicamente confiável do povo afegão, somente a Turquia, de todos os membros da Otan, tem um ingrediente de "poder brando" em seu arsenal que é decisivo para ganhar os corações e mentes da população.

No Afeganistão se diz que "nenhum afegão jamais foi morto por uma bala turca" e "nenhum afegão treinado por turcos jamais traiu seu país".

Os turcos ajudam o governo afegão e seu povo desde os tempos do emir Abdur Rahman Khan, o "Emir de Ferro" que unificou o país durante seu reinado de 1880 a 1901. O Afeganistão foi o segundo país a reconhecer a Turquia moderna em 1921, após a União Soviética. A Turquia moderna foi decisiva na criação da academia militar, da escola de medicina, da Universidade de Cabul e do serviço de saúde pública do Afeganistão.

As boas relações entre turcos e afegãos se assentam em três fatores. Primeiro, não temos uma fronteira comum e por isso não temos disputas nesse âmbito. Segundo, como uma jovem república sucessora de um grande império, a Turquia jamais exprimiu alguma insinuação imperial. Terceiro, temos em comum a religião muçulmana.

Em meus contatos com o Taleban antes dos ataques de 11 de Setembro, nós não poupamos críticas. Eu disse explicitamente aos líderes do Taleban que não daríamos reconhecimento ao seu regime. A Turquia reconheceu o governo parcial do presidente Barhanuddin Rabbani, que controlava apenas uma parte do Afeganistão até ele ser substituído por Hamid Karzai, após o 11 de Setembro.

Nós criticamos abertamente a falta de capacidade de governar do Taleban, sua exploração do comércio de ópio, seu apoio a organizações terroristas como a Al-Qaeda, e o tratamento que dava a seu próprio povo. Apesar dessas críticas, o Taleban deu a meus colegas e a mim livre trânsito para percorrer o país.

O envolvimento da Turquia no país desde 2001 foi conscientemente uma questão de "projeção de poder brando". Como uma aliada da Otan fiel a seus deveres, a Turquia enviou tropas ao Afeganistão com a condição de que elas não tomariam parte em operações de combate. Apesar da pressão dos aliados, a Turquia se aferrou rigidamente a essa política.

Na província crítica de Wardak, a Turquia também está operando a única Equipe de Reconstrução Provincial chefiada por um civil. De 2006 para cá, o governo turco gastou US$ 20 milhões na província, financiando uma academia de treinamento da polícia, prédios escolares, restaurando um mesquita e criando uma clínica médica. Por causa desse êxito, o governo turco criará em breve uma nova unidade em outra província.

A lição turca no Afeganistão está clara: ganhar corações e mentes requer uma maior compreensão e o respeito pelos valores locais. Entregar latas de refrigerante com ares coloniais não dará resultados tangíveis.

Por muitas dessas mesmas razões, a Turquia talvez seja um dos poucos países, se não o único, capaz de reunir Afeganistão e Paquistão para resolverem suas diferenças. Na Conferência de Londres, o presidente Karzai fez questão de ressaltar o papel mediador da Turquia, depois da reunião "trilateral" Turquia-Afeganistão-Paquistão da qual ele havia participado, em janeiro, em Istambul, com o presidente paquistanês, Asif Zardari.

Infelizmente, a ausência da Índia até agora nesse processo enfraqueceu a iniciativa turca. É decisivo trazer os indianos para o processo porque o problema afegão não poderá ser resolvido a menos que Índia e Paquistão acertem os ponteiros sobre seus interesses no Afeganistão.

Portanto, a participação na Otan e a capacidade histórica de poder brando da Turquia podem fazer uma diferença crítica no Afeganistão. A Turquia o ajudou a se juntar ao mundo quando o Afeganistão era uma jovem nação. Ela pode fazê-lo novamente.

Aydemir Erman foi coordenador especial da Turquia para o Afeganistão de 1991 a 2003

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