domingo, fevereiro 28, 2010

AUGUSTO NUNES

VEJA ON-LINE

E se Uribe imitasse Zelaya?

28 de fevereiro de 2010

Neste fim de fevereiro, a Suprema Corte da Colômbia fez exatamente o que fez em março de 2009 a Suprema Corte de Honduras: vetou a realização de um plebiscito cujo resultado poderia permitir a candidatura do presidente da República a outro mandato. Nos dois casos, a decisão ─ corretíssima ─ foi anunciada com a campanha pela sucessão em andamento.

O colombiano Alvaro Uribe reagiu como deve reagir um democrata: “Aceito e acato a sentença da Suprema Corte”, resumiu. A disputa presidencial seguirá seu curso sem sobressaltos. Como um caudilho aprendiz, o hondurenho Manuel Zelaya ignorou o veto do Poder Judiciário, continuou tramando o golpe, acabou deposto por crimes contra a Constituição e foi expulso do país. Nos meses seguintes, fez o que pôde para que o processo eleitoral naufragasse.

Vale a pena imaginar o que faria o Brasil se Uribe imitasse Zelaya e também acabasse destituído. A imprensa e o governo continuariam a chamá-lo de “presidente democraticamente eleito”? Os defensores das normas constitutionais seriam tratados como “golpistas”? Os companheiros Lula e Hugo Chávez costurariam mais uma trama destrambelhada para alojar Uribe na embaixada do Brasil em Bogotá? A dupla se negaria a reconhecer o governo do novo presidente escolhido nas urnas?

Não para todas as perguntas, sabe até a gravata borboleta que torna Celso Amorim um pouco mais ridículo em saraus no Exterior. O Itamaraty deste começo de século não obedece a princípios, não respeita códigos éticos. Cumpre o regimento interno do clube dos cafajestes para atender a interesses subalternos. Não faz gestões, faz jogadas. A Era Lula instituiu a diplomacia da canalhice.

FERREIRA GULLAR

Pega mal

folha de são paulo - 28/02/10


Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se já sabe que não era?

Como pode uma senhora de mais de 60 anos -que em breve será avó- dizer mentiras? E em público, para a nação inteira, sabendo que as pessoas honestas e informadas do país saberão que ela está dizendo mentiras e, ainda assim, o faz em altos brados, para que todos ouçam! Pergunto, sem maldade: pode alguém confiar numa senhora que mente?

E ela mesma, esta senhora que mente, terminado o ato público, a solenidade ou o comício, ao voltar para casa e deitar a cabeça no travesseiro, que dirá a si mesma?

Imaginemos a cena: ela sozinha no quarto, troca de roupas, deita-se na cama e apaga a luz. Foi um dia agitado, passou a noite a ouvir discursos no congresso de seu partido, à espera do momento em que faria seu próprio discurso, por todos esperado. Dali a alguns momentos, ela seria aclamada candidata à Presidência da República e, então, faria seu pronunciamento à nação.

E, nesse pronunciamento, iria mentir, iria afirmar coisas que sabia não serem verdadeiras, com o propósito de desacreditar os adversários políticos e futuramente derrotá-los nas urnas. E então mentiu, mentiu diante de seus companheiros de partido, que sabiam que ela mentia; mentiu perante o presidente da República, o inventor de sua candidatura, que ali estava a exaltar-lhe os méritos e sabia que ela mentia. E, agora, sozinha, no silêncio do quarto, que diria a si mesma?

Não pode dizer a si mesma que não mentira. Isso o mentiroso poderá dizer a alguém que o acuse de ter mentido: finge estar ofendido, faz-se de indignado e chega até a insultar quem o acusou de mentir. É parte do papel do mentiroso. Mas consigo mesmo, não consegue fazê-lo. Enganar os outros é possível, ou pelo menos ele acredita que consegue, mas enganar a si mesmo é bem mais difícil, se não impossível.

Como convencer-se de que o que disse naquele discurso era verdade, se sabe que não era? Com a cabeça no travesseiro, sozinha consigo mesma, será que lhe vem à mente a confissão dolorosa?

Será que, contra sua vontade, uma voz interior, que só ela ouve, lhe dirá: "Como teve a coragem de dizer esta noite, para o país inteiro ouvir, tantas inverdades? Acha certo enganar as pessoas? E pior ainda, enganá-las ao mesmo tempo em que se propõe governar o país?".

Não posso garantir que isso tenha ocorrido, pois há casos de pessoas mentirosas que terminam acreditando nas próprias mentiras. Se bem que esses que acreditam no que inventam são outro tipo de mentirosos, que necessitam, sobretudo, enganar-se a si mesmos, mais do que enganar os outros.

Esse gênero de mentira é diferente da mentira política, quando o cara afirma coisas que não aconteceram, que todas as pessoas informadas sabem que não aconteceram e, mais que todos, o próprio mentiroso o sabe e sabe que todos o sabem.

Pelo que li nos jornais e vi na TV, no 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, o que não faltou foi mentira. Creio que a ministra Dilma Rousseff é essencialmente honesta, tanto que sempre que afirma certas coisas, percebe-se hesitação em sua voz. Não se sente à vontade, como Lula, que, ali mesmo, afirmou ter sido o mensalão uma conspiração contra seu governo. Uma conspiração da qual deve ter participado o procurador-geral da República, uma vez que, em sua denúncia, falou de "uma quadrilha", chefiada pelo chefe da Casa Civil do Lula.

No segundo turno das eleições de 2006, o PT inventou que Geraldo Alckmin, se eleito, privatizaria a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Isso nunca havia sido dito nem cogitado pelo PSDB, nem por seu candidato nem por ninguém.

Uma pura e simples calúnia, com o objetivo de minar a candidatura adversária.

O primeiro a dizer isso foi Lula, num debate na televisão. Alckmin o desmentiu, no mesmo instante. Lula se calou, mas, já no dia seguinte, a propaganda do PT insistia na mentira, que enganou muita gente e garantiu a vitória de Lula. Agora, mal começa a campanha, Dilma retoma a afirmação mentirosa, deixando claro qual será o nível em que o PT pretende conduzir a disputa.

Na verdade, durante o governo FHC, foram feitas várias privatizações, com resultado altamente positivo para o país, a começar pela telefônica, cuja privatização tornou o celular um bem comum a qualquer brasileiro; a CSN, privatizada, passou a dar lucro em vez de prejuízo aos cofres públicos; e a Vale do Rio Doce se tornou uma das maiores empresas do mundo.

Dilma cala sobre essas privatizações que deram certo e mente sobre as "privatizações" que nunca ninguém pensou fazer. Para uma senhora já de certa idade, ainda que petista, pega mal.

O LADRÃO

ANDRÉS OPPENHEIMER

O que leva Lula a se aproximar do Irã


O ESTADO DE S. PAULO - 28/02/10


O importante apoio diplomático do Brasil ao regime cada vez mais isolado do Irã deixa atônita a comunidade internacional. Há várias teorias sobre o comportamento do Brasil, algumas bastante perturbadoras.

Nos últimos dias, quando a tradicionalmente cautelosa Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) da ONU finalmente concluiu que o Irã provavelmente vai desenvolver uma arma nuclear, e até a Rússia começou a se distanciar do Irã, o o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manterá seus planos de visitar o Irã em 15 de maio.

O Brasil, uma das potências ascendentes do mundo, dará, assim, uma legitimidade a um regime que, além de burlar as normas internacionais sobre energia nuclear, é considerado por boa parte do mundo um dos principais patrocinadores do terrorismo.

O Irã é conhecido também por ajudar grupos terroristas islâmicos como o Hezbollah, e promete publicamente varrer Israel da face da Terra. Até o governo populista argentino, que normalmente se alinha com o Brasil em questões de política externa, diz que o Irã esteve por trás dos atentados terroristas do Hezbollah em Buenos Aires nos anos 90.

No fim do ano passado, Lula surpreendeu o mundo ao receber com tapete vermelho em Brasília o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. O Brasil tornou-se, assim, um dos primeiros países não radicais a dar sua bênção a Ahmadinejad após as controvertidas eleições de 12 de junho de 2009.

Por que o Brasil está colocando em risco sua reputação de bom cidadão internacional fazendo isso? Entre as teorias mais disseminadas:

Presunção. Segundo essa escola de pensamento, o sucesso econômico do Brasil e a sabedoria convencional de que ele forma com a China e a Índia as potências emergentes do mundo, subiram à cabeça de Lula.

O brasileiro, que recentemente previu que o Brasil será a quinta maior economia mundial em dez anos, quer enviar uma mensagem de que seu país é um novo ator global que terá de ser levado a sério. E a teoria prossegue: o que poderia ser melhor para atrair a atenção mundial que ter um papel no conflito internacional do momento?

Devaneio diplomático. Lula, encorajado pelo status de celebridade em seu país e no exterior, pode estar levando a sério suas reiteradas ofertas de mediar a crise no Oriente Médio. Lula tem programada uma visita a Israel, aos territórios palestinos e à Jordânia dia 15.

Embora seja difícil de acreditar que Lula possa resolver alguma coisa no Oriente Médio - durante uma visita recente aos Emirados Árabes Unidos e a Israel, não encontrei uma única pessoa que me dissesse que Lula tem alguma chance de obter sucesso onde poderosos mediadores americanos, franceses e russos fracassaram - o presidente brasileiro pode honestamente pensar que conseguirá fazer história.

Ambições nucleares secretas. Lula está sendo cordial com o Irã porque o Brasil quer desenvolver armas nucleares, ou ao menos deixar essa opção em aberto após a vizinha Venezuela ter assinado vários acordos de cooperação nuclear com o Irã.

Com isso em mente, o Brasil pode querer que um outro país - neste caso o Irã - alargue os limites dos acordos nucleares mundiais existentes e crie um precedente.

Política doméstica. Lula está tentando apaziguar seus apoiadores esquerdistas do Partido dos Trabalhadores, a maioria dos quais é ferozmente antiamericana, projetando-se como um estadista vigorosamente independente, enquanto persegue suas políticas favoráveis à economia empresarial.

Minha opinião: é uma combinação da primeira teoria, presunção, com a segunda, devaneio diplomático. Mas não posso deixar de me perguntar se a presunção não conduzirá, mais cedo ou mais tarde, a mais ambições nucleares. Por enquanto, as aberturas do governo brasileiro a Ahmadinejad estão sabotando esforços internacionais para pressionar o Irã a cumprir acordos da ONU e encorajando um regime repressivo nesse país.

*Andrés Oppenheimer é analista político e colunista

GAUDÊNCIO TORQUATO

Os eixos da identidade de Dilma

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10


A candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, pela maior competitividade de que se reveste em comparação com outras candidatas - Heloisa Helena (PSOL) em 2006 e Marina Silva (PV) no pleito deste ano -, abre um intenso foro de discussão, a começar pela interrogação que aferventa conversas entre gregos e troianos, governistas e oposicionistas, eleitores racionais e emotivos: será ela mero apêndice do lulismo, podendo ser engolfada pelo petismo, ou terá condições de firmar uma identidade e imprimir marca própria ao governo, caso seja eleita a primeira mandatária do Brasil em toda a sua História? A tentativa de resposta razoável abriga, de pronto, uma avaliação sobre a ministra-chefe da Casa Civil, há quase cinco anos, exercício que leva em conta os quatro eixos de sua identidade: político, técnico, feminino e histórico. Cada um deles permite inferir sobre seu posicionamento no cenário nacional e projetar os rumos do futuro, sabendo-se desde já que postulantes que entram na disputa ao posto máximo da Nação não pela via normal, mas por intervenção cirúrgica, terão grande dificuldade de se acomodar no tabuleiro das conveniências partidárias.

Esse é o primeiro desafio da ministra Dilma. Possui ela tênue identidade política, sendo de pouca valia o fato de ter percorrido, durante algum tempo, o espaço do PDT e se filiado, posteriormente, ao PT. Ser testado nas urnas, entender como eleitores escolhem um candidato, ir ao encontro do povo nas ruas, debater acirradamente com adversários, perder eleições - como aconteceu com Lula algumas vezes - são exercícios que contribuem para lapidar os políticos, aprimorar a cultura e os costumes e, seguramente, conferir desenvoltura aos competidores. É verdade que ser inexperiente em matéria eleitoral não é, hoje, algo tão desastrado como no passado. Até porque escândalos em profusão solapam a imagem da representação política, abrindo espaço para que pessoas sem história se apresentem ao eleitor exibindo feições assépticas. Ocorre que mesmo tais perfis não conseguem escapar da borrada moldura que abriga partidos, correligionários e companheiros. Ninguém consegue escapar das ondas caudalosas que devastam as praias partidárias.

A frágil expressão de Dilma no terreno da experiência política poderá ser compensada por uma boa história nas páginas da gestão governamental. O eixo forte de sua identidade é esse. Trata-se de uma economista reverenciada, com atuação reconhecida na área de minas e energia. Ministra-chefe da Casa Civil, incorporou o papel de executora-mor do governo, sendo até apresentada como mãe do PAC. Esse aspecto, porém, abriga intensa discussão. A saída de um líder carismático para a entrada de um perfil técnico não acarreta uma reversão de expectativas? Por trás da inferência reside a desconfiança de que, em espaço não muito longo, o imenso apoio popular que Lula desfruta poderá ser escasso num eventual ciclo dilmista, mesmo com a figura do mito ao fundo da paisagem. Na ocorrência de distanciamento das massas, seria previsível maior independência da base governista no Congresso e, consequentemente, inversão das cartas do jogo. O presidencialismo de cunho imperial da era Lula entraria em arrefecimento. A identidade técnica de Dilma, por isso mesmo, para manter fluidos os canais com o Congresso e garantir estabilidade à governabilidade, deverá ganhar contrapeso no campo político. Daí a importância de perfis de figurino adequado para liderar uma frente de coordenação política.

Se, por um lado, a identidade técnica canibaliza a identidade política da ministra, por outro, ajuda-a a compor a imagem de autoridade. O estilo gerencial de Dilma Rousseff transmite certa arrogância, jeito de mandona e irritadiça. Ora, tal caracterização permite inferir que ela não aceitaria ser patrulhada por um PT mais radical. E, dessa forma, o estilo durão poderá descambar para a determinação de defender o ideário do lulismo, ao qual expressa sempre muita lealdade. Ademais, é improvável que o País adote políticas que possam reabrir feridas, provocar traumas e alguma contrariedade social. O pragmatismo do governo Lula daria o tom maior, apesar de se saber que acenos radicais sempre enfeitarão o cenário. Servem para lembrar a ligação do governo com movimentos e ideários ortodoxos. O MST não continua fazendo intervenções na paisagem no campo?

E a condição feminina? Como a população enxerga uma mulher no comando da Nação? O gênero feminino consolida-se na esfera institucional, apesar de uma participação modesta das mulheres na política. Desde que a potiguar Alzira Soriano se elegeu como primeira prefeita do País, em 1928, o Brasil passou a valorizar os potenciais femininos. A mulher na política é hoje bem-vista. As representações femininas crescem a cada legislatura. O fato é que a mulher absorveu qualidades enxergadas na condição masculina: a autoridade, a energia, a afirmação do "eu". Isabelita Perón, quando assumiu a Presidência da Argentina, um país machista, em 1974, teve uma postura desafiante: "Será que os homens realmente acreditam que somente eles podem usar calças?" Em 1976, Margaret Trudeau, acompanhando o marido, o primeiro-ministro do Canadá, em viagem oficial à América Latina, produziu também uma frase que viria a ser bom lema para as mulheres: "Quero ser algo mais que uma rosa na lapela do meu marido." Dilma Rousseff, para firmar a identidade, não deverá querer ser apenas um apêndice do lulismo. Se optar pela condição de rosa na lapela, será figurante ligeira na Praça dos Três Poderes.

Resta, por último, a história da guerrilheira. Fosse a mineira/gaúcha mais suave e menos propensa a puxões de orelha, esse registro não passaria de mera curiosidade. Perderá votos por causa disso? Poucos. A foto antiga não atrapalhará rumos.

Ao fim e ao cabo, a pergunta: tem ela condições de alçar voo? Sim. Por significar a extensão de um tempo. Que, aliás, poderá voltar-se contra ela se o povo der o veredicto final: "O ciclo esgotou-se."

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Tempos modernos

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10

Creio que seria otimista demais e falsearia um pouco a verdade, se dissesse que sou um idoso calouro. Faz um par de anos, a depender da jurisdição em que me encontrasse, eu era idoso ou não. Hoje sou, digamos, idoso universal, habilitado a sacar da algibeira o Estatuto do Idoso e dar carteiradas triunfais em filas de banco, bilheterias de cinema e embarques de avião. E, gradualmente, descobri que minha vida social é cada vez mais ocupada por médicos e clínicas, porque a manutenção do idoso requer atenção diuturna. Depois de algum tempo, a gente passa a funcionar na base do "se hoje é sexta, então aqui deve ser o cardiologista" e faz belas amizades entre os companheiros de destino.

Antigamente não havia tantas especialidades e muita gente se entendia com apenas um médico quase a vida inteira. Agora não, agora o sujeito vai a qualquer clínico e é imediatamente mandado a uma espécie de laboratório da Nasa, para fazer exames até em partes do corpo que nem sabia que tinha. O papo fica muito animado, em meio a relatos emocionantes de tomografias dramáticas, colonoscopias épicas, ultrassonografias arrebatadoras, ressonâncias magnéticas feéricas e dedadas diabólicas. Vínculos afetivos duradouros são com certeza formados pelas vítimas e é uma forma tão legítima de fazer amizades quanto qualquer outra.

É o que penso, chegando adiantado a uma sala de espera médica e me preparando para a demora. Dou um bom-dia meio entredentes ao único outro presente na sala, escolho uma cadeira perto das revistas, pego uma destas e começo a tentar me entreter com a narração do novo amor de uma personalidade de televisão. Lembro que, há poucas semanas, em outra sala de espera, o novo amor dela não tinha nada a ver com o atual. Coração espaçoso, o dela, ainda mais que cada novo amor é descrito como mais intenso que o anterior, coisa para toda a existência, até o próximo príncipe encantado aparecer.

Mas não chego a me inteirar dos detalhes desse amor febril, porque, ao ajeitar os óculos, ergui os olhos e o senhor à minha frente sorriu. Na dúvida sobre quem era, retribuí o sorriso e dei um "ôi, como vai?"

- Vou bem, obrigado - disse ele. - Mas o senhor não me conhece, eu é que o conheço. O senhor é escritor, escreve no jornal.

- É, eu sei, ninguém é perfeito, ha-ha.

- Eu leio sempre os seus escritos no jornal, gosto muito.

- Muito obrigado.

- Os livros eu não leio. Já tentei, mas não consegui.

- Nem eu. Só escrevi, nunca li.

- É interessante a pessoa conhecer um escritor pessoalmente. Ainda mais assim, na sala de espera de um psiquiatra. Nunca pensei em encontrar um escritor assim, na sala de um psiquiatra.

- Bem, eu não sou propriamente maluco.

- Eu sei, eu sei. São as neuras. Hoje em dia, ninguém escapa, a vida moderna é muito estressante. Mas eu pensava que o escritor dava vazão a isso em seus escritos, nunca imaginei... Eu achava que escritor, além de não trabalhar, também dava vazão as suas neuras escrevendo e botando tudo para fora. Para mim é uma surpresa.

- É, pode ser, mas eu estou aqui como o senhor está.

- O meu caso é a minha mulher. Você não imagina... Posso chamar o senhor de "você"? Obrigado. Pois é, você não imagina... Posso lhe fazer uma confidência?

- Bem, não sei, eu...

- Muito obrigado. Você já ouviu falar dessa mania que as mulheres estão agora, de posar peladas?

- Acho que li qualquer coisa.

- A minha agora entendeu de posar pelada, ela e umas amigas. Já vão contratar estúdio e fotógrafo, acho até que já contrataram.

- É para alguma revista?

- Não, não, é só porque elas acham que assim estão expressando sua liberdade, sem preconceitos, nem limitações, nem hipocrisia, nem falsos pudores e falsas vaidades. É o que ela diz.

- Mas ela está falando sério mesmo?

- Está, está!

- Ela não vai publicar essas fotos, vai?

- Acho que vai. Em revista, não sei. Mas ela já veio com uma conversa de calendário, junto com as amigas. E também um livro, se não conseguirem revista. Já têm até título para o livro. Vai se chamar "Mulheres de Verdade", todas elas peladonas, no máximo de lingerie incrementada. Bem produzidinhas, maquiladas, penteadas, mas sem retoques nas fotos e sem nada de fotoxópi, isso ela diz que é fundamental.

- Acho que entendi o projeto, não deixa de ser interessante.

- Interessante? Isso não é normal, claro que não é normal. É por isso que eu vim procurar um psiquiatra.

- Mas ele não pode tratar sua mulher através de você. Por que ela não veio com você?

- Claro que não veio, a consulta não é para ela, é para mim. Ele tem que me dar uma superbola para quando esse calendário ficar pronto e eu tiver que passar na frente da barbearia. De cara limpa eu não enfrento, essa vida moderna é muito estressante.

CLÓVIS ROSSI

Ladeira acima

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10



SÃO PAULO - A surpresa, pelo menos do meu ponto de vista, na pesquisa Datafolha que este jornal publica hoje não é o fato de Dilma Rousseff ter reduzido bastante a desvantagem em relação a José Serra, mas o fato de Serra ainda estar à frente, mesmo que no limite da margem de erro.
Explico: nestes últimos 50 anos em que as eleições brasileiras foram se massificando, jamais houve outro pleito em condições tão favoráveis para o governo como o deste ano. É verdade que a série histórica é magra. A de 2010 será a sétima eleição em meio século. É pouco, mas é o que temos para comparar.
Não se trata de que o público compre a numeralha que o governo despeja, parte dela maquiada. Ninguém vai à sessão eleitoral calculando que "Lula fez 4 casas, e FHC, apenas 2, logo, voto no Lula".
Não. Eleição para a esmagadora maioria é sentimento ou emoção. E o fator predominante é o que os ingleses chamam de "feel good". Quase dá para segurar com as mãos esse "sentir-se bem".
Daí a votar no governista de turno é um passo. O trabalho de Lula, portanto, é apenas o de gravar a fogo no sentimento do público que Dilma é a sua parceira no "feel good".
A pesquisa que hoje se publica é a primeira que demonstra que esse trabalho está dando certo. Dilma quase empata com Serra antes até do que calculavam alguns dos estrategistas de sua campanha.
Já o trabalho de Serra é infernal: não adianta querer convencer o eleitorado de que as coisas não estão nada "good", mas muito "bad", que é o que faz qualquer oposição em qualquer lugar do mundo. Terá que demonstrar que, com ele, Serra, o "good" será melhor ainda.
Claro que é sempre necessário guardar as formas e lembrar que pesquisa retrata apenas um momento, o de hoje. Mas que o PSDB terá que empurrar o carro Serra ladeira acima parece não haver dúvida.

DANUZA LEÃO

O melhor dos mundos

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10

Os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem

TUDO MUDA: as modas vão e voltam, e basta ter paciência e esperar para que várias coisas do passado voltem ou que novidades surjam -e uma novidade é sempre um acontecimento.
Vai ser manchete a notícia de que um grande sábio descobriu que exercícios físicos fazem mal à saúde; a ginástica passará a ser proibida e passível de castigo; talvez até, às duras penas da lei. E alguém vai decretar que o trabalho não enobrece, e que para uma vida feliz é fundamental o ócio total. De que as pessoas vão viver? Ah, estamos apenas divagando, não falando sério -aliás, nesse mundo vai ser proibido falar a sério.
Será capa das revistas que cuidam da saúde que o sol faz bem e que passar o dia inteiro na praia passando óleo no corpo é a melhor receita para uma pele bonita, sedosa e sem manchas. Além disso, todos serão obrigados a tomar uma caipirinha a cada hora e meia, para que a humanidade paire, permanentemente, 50 centímetros acima do nível do mar; o suco de açaí com cenoura e beterraba será terminantemente proibido, os padrões de beleza vão mudar, e quando você aparecer com oito quilos a mais, o comentário geral será: "Mas como está linda, com o rosto mais cheinho" (em Milão já é assim).
A praxe será acordar e ficar na cama até a hora que quiser -lendo os jornais, vendo desenho animado na televisão (sem som) e comendo chocolate. Mas não pense que tudo vai ser permitido, pois algumas coisas serão rigorosamente proibidas. Exemplo? Legumes em geral, brócolis e couve-flor em particular. As fibras serão consideradas veneno; em compensação, as gorduras estarão não só liberadas como serão aconselháveis, para melhorar o colesterol e evitar o infarto.
Será obrigatório namorar muito; os namorados vão passar o dia inteiro rindo e brincando, e esses namoros serão muito felizes, enquanto durarem. Existe também um pré-namoro que pode e deve acontecer sempre; é um tipo de sedução inocente que pode ser feita com homens, mulheres e crianças, sem compromisso algum, mas que pode ser exercida na hora de comprar o jornal, o pão, ou de perguntar que horas são.
Nesse admirável mundo novo não haverá ciúmes, nem ambição, nem competitividade, pois ninguém vai acreditar num absurdo desses: que só porque alguém tem uns papéis datilografados dentro de uns envelopes é dono de carros, casas, ilhas e empresas.
A moeda de todos os países será igual, para não se ter que fazer muita conta, e como a educação, a saúde e a velhice serão de responsabilidade do Estado, vamos poder viver sem essas preocupações, que são nossas maiores.
Os amigos não nos darão, jamais, o menor trabalho; nunca nos obrigarão a ir a seus aniversários, e nunca nos sentiremos culpados se não formos. O Natal será um momento de paz e sorrisos entre os homens, exatamente como dizem que é, só que será mesmo, e bastará uma grande travessa de rabanadas e um copo de vinho para inundar de alegria nossos corações.
Pequenas coisinhas: os cachorros serão proibidos de latir, os ônibus de turistas de circular, a temperatura nunca passará dos 22 graus, nunca mais vai ser preciso entrar em nenhuma fila, e quando você andar na rua vai sentir que todo mundo sorri, deixando claro que é um grande prazer e uma grande alegria sua aparição, pois todos gostam muito, muito de você.
Não vai ser bom?

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Gol vai lançar voos para Europa e EUA

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10


A Gol parte para a Europa e a Flórida. Até junho ou julho, a companhia pretende voar para Roma (Itália), Madri (Espanha) e Orlando (EUA).
Serão voos fretados, com a bandeira Varig, e aviões de grande porte, os 767, que eram da companhia que foi comprada pela Gol e estavam parados há um ano e meio.
Falta acertar os últimos detalhes do fretamento, diz Constantino de Oliveira Junior, presidente da Gol Linhas Aéreas. As cidades foram negociadas com fretadores, que são grandes operadores de turismo.
Para fora do Brasil, atualmente, a Gol tem apenas alguns destinos na América Latina, para Aruba (Caribe); Bogotá (Colômbia); Caracas (Venezuela); Santa Cruz de la Sierra (Bolívia); Santiago (Chile); Montevidéu (Uruguai); Assunção (Paraguai). Para a Argentina, há 11 voos diários para Córdoba, Rosario e Buenos Aires.
Da capital argentina, veio uma surpresa que Constantino se prepara para correr atrás. As Aerolíneas Argentinas vão lançar voos do aeroporto "Congonhas" de Buenos Aires, para o Aeroparque, que sai do centro da capital. "Autoridades argentinas sinalizaram que vão dar isonomia e assim, como outras companhias brasileiras, pedimos autorização para realizar voos no Aeroparque", afirma o empresário.
Qual a saída para a necessidade de expansão de aeroportos?
Para Constantino, "uma possibilidade de solução seria as companhias construírem e administrarem temporariamente um novo terminal, a exemplo do que fizeram a British Airways, em Londres, e a American Airlines nos EUA. Não há conflito de interesses".
Sobre eventual aprovação no Congresso de participação acionária maior de estrangeiro em companhia aérea brasileira, o empresário diz que "seria bom para toda a indústria".

Frase

Uma possibilidade de solução seria as companhias construírem e administrarem temporariamente um novo terminal, como fez a British Airways, em Londres

INVESTIMENTO RELIGIOSO

RICA HISTÓRIA


Empresários brasileiros uniram-se para criar o Museu Judaico de SP, com investimento estimado em cerca de R$ 20 milhões. "Desde Pedro Álvares Cabral, os judeus estão no Brasil. Contar essa história para a comunidade judaica e para não judeus é enriquecedor", diz o médico oncologista Sérgio Simon, coordenador do projeto. As obras terão início em março e a inauguração é esperada para 2012. "Queremos mostrar que a convivência pacífica do Brasil é um exemplo para o mundo inteiro", diz. A sinagoga Beth-EL, no centro de SP, será reformada para se transformar no museu que terá três áreas expositoras. A primeira será a religiosa, sobre festas e rituais. A história dos judeus no país entrará na segunda área. Exposições de arte de outras instituições comporão a terceira área. O Museu Judaico de NY e o de Israel têm exposições que podem vir com patrocínio. Daniel Feffer, do grupo Suzano, um dos investidores, lembra que a área do museu vem sendo recuperada. "Um investimento público e privado que merece ser ampliado para outras regiões do centro."

EMPREENDIMENTO COM FÉ

O Santuário Nacional de Aparecida vai investir cerca de R$ 60 milhões na construção da "Cidade do Romeiro", que inclui hotéis, centro de convenções e área comercial. Cerca de 40% dos investimentos virão de recursos próprios. Os outros 60%, o reitor do santuário, padre Darci Nicioli, espera captar no BNDES, onde já pediu linhas de financiamento. O objetivo do reitor é fomentar o turismo religioso, receber peregrinos para convenções e sediar as assembleias anuais da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) a partir de 2011. "Aparecida recebe quase 10 milhões de romeiros por ano e não tem nenhum hotel de quatro ou cinco estrelas, mas tem público que demanda isso", diz. Para atrair investidores, o religioso já conta com a passagem do Trem de Alta Velocidade, que, se sair do papel, vai ligar Campinas, SP e Rio. O complexo será construído em uma área de 180 mil m2. Em junho, um hotel com 170 quartos, deverá ser entregue. Em três anos, será a vez de todo o complexo. "Não somos uma empresa que funciona como igreja. Somos uma igreja que funciona de modo profissional", afirma.

JANIO DE FREITAS

Cuba e seus amigos

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10


Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes, que colaborariam com menos conformismo

ALÉM de patéticos, inverdadeiros - estes foram os atributos que Lula e outros de sua comitiva preferiram para os seus comentários sobre a morte, por greve de fome, de um oposicionista ao regime cubano. E pior ainda, consideradas suas intenções, desceram ao grotesco convictos de que prestavam uma colaboração importante aos líderes e ao governo de Cuba.
A situação, é verdade, era difícil para a comitiva, que chegava a Havana na condição de convidada, para uma visita de cordialidades. E foi recebida, também, pela coincidente morte do oposicionista Orlando Zapata - por outra coincidência, não um intelectual ou acadêmico, mas um operário que decidira aderir à militância política na oposição e em nome de mais direitos civis.
A segunda dificuldade, muito maior, não era exclusiva dos visitantes. É generalizada. Trata-se do complicado problema dos direitos civis cubanos, dos quais deriva o tão questionado problema dos direitos humanos. Na mesma conjuntura em que a liberdade de imprensa convencional é inexistente, uma cubana faz grande sucesso no Ocidente com seu blog de oposição fortíssima feito em Havana (no dia da morte de Zapata, o blog transmitiu uma entrevista da mãe do oposicionista, com graves e não respondidas acusações ao governo).
O regime de partido único não admite, e pune com severidade, toda prática de política institucional fora do Partido Comunista. Mas comissões de iniciativa da população, de sentido oposicionista, são inúmeras. Inclusive comissões de direitos humanos, como a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, liderada por Elizardo Sánchez, alcançável sem maior embaraço por telefonema do exterior. E por aí vai, em uma composição de possíveis e proibidos só compreensível, se for, pelos próprios cubanos.
Para maior complicação, dos cerca de 200 presos políticos que indicam haver em Cuba, entidades especializadas qualificam pouco mais de 50 como presos de consciência. Em que sentido os outros são presos políticos, que espécie de crime político praticaram, digamos, sem envolver sua consciência política? Pode-se argumentar que isso não importa, bastando a existência de presos políticos para configurar o regime de repressão aos direitos civis. Ainda assim, a complexidade persiste, tanto mais que o governo cubano é muito parcimonioso, quando não é silencioso de todo, a respeito dos atos dos réus e de comprovações que eliminassem suspeitas de abusos repressivos.
Na própria condição de visitantes, porém, estava a resposta honesta, e diplomaticamente correta, de Lula e de sua comitiva. Algo fácil como "estamos aqui na condição de convidados, e não nos cabem considerações sobre eventos internos, nem temos informações sobre as peculiaridades desse fato". Em vez disso, Lula preferiu uma segunda condenação a Orlando Zapata: "Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome". Um estúpido, portanto.
E "morrer por uma greve de fome"? Não seria pelo acréscimo de 36 anos de cadeia uma vez cumprida a sua pena de 3 anos? E o porquê desse acréscimo tem muita importância: se não matou ninguém com meios bárbaros, e disso não foi acusado, o que pode ter feito esse preso dentro da cadeia para mais 36 anos de condenação, o restante de sua vida? Disseram que agrediu carcereiros e foi sempre agitador. Uma sentença de 36 anos, para o que o Orlando Zapata tenha feito na cadeia sem haver crime de morte, vale como demonstração da perda de senso e medida do regime cubano para assegurar-se sua sobrevivência.
Adendo de Lula a si mesmo, já em outras circunstâncias: "Eu aprendi que não se deve dar palpite sobre outros países, porque às vezes a gente mete o dedo onde não deve". Mas na véspera, quando ainda em Cuba: "Estou convencido de que o presidente Obama (...) deveria tomar essa decisão", de acabar com o bloqueio a Cuba. "Uma coisa que tenho dito (...) é que ele não tem que fazer nada mais do que fez o povo americano, que teve a ousadia de votar no Obama. É essa ousadia do povo americano que permite que ele seja ousado e resolva o problema do embargo".
E, não por acaso, logo tínhamos a notícia de que "Lula vai conversar sobre direitos humanos no Irã". O que tem coerência com o comunicado do seu governo em plena ONU, assim como a atitude do seu ministro do Exterior na Espanha, de que o Brasil intercedeu junto a Ahmadinejad para que "o governo iraniano dialogue de modo respeitoso com os dissidentes e minorias" sob repressão no Irã.
Como complemento, o assessor especial Marco Aurélio Garcia, em negação à sua capacidade, bastou-se em dizer, sobre o assunto Zapata, que "em todos os países há desrespeito a direitos humanos". E o que isso justifica ou, vá lá, explica? Há de tudo pelo mundo afora, e por isso tudo está bem, e é aceitável ao menos pelo indignado Marco Aurélio Garcia?
Um dos problemas de Cuba são os seus simpatizantes. Muito mais colaborariam com menos conformismo e com visões mais abertas e íntegras, para juntar às vistas isoladas e cansadas dos cubanos.

SUELY CALDAS

Estatais? Para que?

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10


O socorro financeiro de governos de países ricos a grandes bancos afetados pela crise animou integrantes do PT e do governo Lula a tirarem do baú convicções que foram forçados a esconder por 20 anos com a derrota do velho socialismo e a queda do Muro de Berlim. Com a euforia de quem passou esse tempo na retranca e agora vai à forra, a ministra Dilma Rousseff e o assessor especial de Lula Marco Aurélio Garcia condenaram a economia de mercado e aproveitaram para defender e justificar a presença forte do Estado na economia. Dilma chegou a afirmar que a ideia de livre mercado está fora de moda.

No afã de partir para o ataque, os dois esqueceram de criticar o que merece ser criticado e corrigido e se destrambelharam em análises apressadas e inadequadas. Onde o socorro financeiro ocorreu - EUA, Europa e Japão - não se cogita abrir mão da economia de mercado, e propostas na direção de estatizar os bancos que receberam socorro foram rejeitadas pelos governantes.

Nessa crise, erraram os bancos centrais, o BIS, que os supervisiona, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de risco - que não regularam, não fiscalizaram, não anteviram nem preveniram a crise. Essa cadeia de omissões, aliada à ganância por lucro elevado e rápido, incentivou executivos financeiros a fazerem apostas erradas e milionárias, num jogo especulativo e irresponsável com dinheiro alheio, que acabaram por criar uma situação de quebradeiras em série, em que os governos tiveram de intervir para evitar o pior.

Menos do que o tamanho da crise recomenda, governos e bancos centrais buscam agora corrigir seus erros submetendo o mercado a regras de regulação e fiscalização. Isso, sim, merece ser duramente criticado e corrigido e os especuladores, julgados. Não ensejar o ingênuo e ultrapassado desejo de recuperar para o Estado o papel de empresário - modelo derrotado nos países da União Soviética e do Leste Europeu e que só sobreviveu com a população silenciada, sem liberdade, sem direito a votar nem opinar. Modelo que atrofiou a economia, não produziu riquezas nem novas tecnologias. Nele, a população estava condenada à pobreza, os salários eram baixíssimos, não havia previdência para os idosos nem direitos trabalhistas para os trabalhadores.

Quando Nikita Kruchev e depois Mikhail Gorbachev começaram a destampar e remexer seu conteúdo, dessa panela transbordou o que ficou escondido por décadas: milhares de opositores assassinados, corrupção disseminada entre governantes e burocratas, gestões medíocres e incompetentes, empresas paralisadas e acomodadas, tecnologia primitiva, pobreza espalhada pela população e um gigante e rico poderio bélico-militar a sustentar a guerra fria.

No Brasil, empresas estatais foram criadas em dois momentos. Por Getúlio Vargas, a partir da década de 40, com Vale, Petrobrás e CSN. Foi o que deu impulso à industrialização - o que, na época, seria quase impossível fazer sem a participação do Estado. Juscelino Kubitschek acelerou a industrialização atraindo empresas privadas estrangeiras. Hoje reverenciado à esquerda e à direita, na época foi xingado de entreguista.

Num segundo momento, as estatais ganharam espaço e musculatura com a ditadura militar de 1964. Telebrás, Siderbrás, subsidiárias da Petrobrás, Eletrobrás vitaminada, bancos estaduais, enfim, centenas de estatais criadas pelos generais ditadores, num modelo típico de capitalismo de Estado, uma vez que defensores do socialismo eram reprimidos, presos e torturados.

A quem serviram as estatais? Hoje, com o distanciamento do tempo e centenas de casos conhecidos de corrupção, escândalos financeiros e uso político, é possível dizer que as estatais serviram muito mais a presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores e seus amigos do que aos brasileiros.

As distribuidoras de energia elétrica e os bancos estaduais eram descaradamente usados como caixa de governadores para financiar campanhas eleitorais. O setor elétrico (Eletrobrás e subsidiárias) foi por anos feudo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, transferido depois para o senador José Sarney. A Telebrás e as telefônicas estaduais eram inchadas de apadrinhados, prestavam favores aos políticos, enquanto a população mendigava uma linha telefônica, que custava R$ 5 mil.

Pois agora, com todo esse lamentável histórico, em vez de um programa de governo para a banda larga, Lula e Dilma querem ressuscitar a Telebrás e criar uma nova estatal de fertilizantes. Para quê?

*
Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio (sucaldas@terra.com.br)

UM PUTEIRO CHAMADO BRASIL

ELIANE CANTANHÊDE

Ou vai ou racha

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10



BRASÍLIA - O Datafolha de hoje confirma a previsão do Planalto e não deixa alternativa para os tucanos: agora, ou vai ou racha.
Significa que o tempo de hibernação de José Serra se esgotou e que ele tem de se lançar já à Presidência, antes que seja tarde. Como significa que a eleição atingiu o ponto ideal para a definição de Aécio Neves: sempre se soube, mas nunca tinha ficado tão evidente o quanto sua candidatura a vice é fundamental para a oposição.
Quanto mais Dilma é identificada como candidata de Lula, mais ela cresce, e estava escrito nas estrelas do PT que aquele aguaceiro em São Paulo, os dissabores de Gilberto Kassab na prefeitura e a debacle do DEM no DF iriam afetar Serra.
Ainda não tecnicamente, mas na prática a pesquisa registra um empate, com duas más notícias para Serra: Dilma Rousseff sobe consistentemente, e ele, que se mantinha sólida e estavelmente no topo, passou a cair. O cruzamento desses dois movimentos é fatal para o tucano, a não ser que seja contido. Como? Só ele, seus aliados e estrategistas podem saber, mas Aécio já era importante e passou a ser vital.
Em todos cenários -com ou sem Ciro, no primeiro ou segundo turno-, Dilma ganhou pontos, Serra perdeu. E em igual proporção, como os 5 a mais de uma e os 5 a menos do outro com Ciro na disputa.
O dado mais poderoso, porém, é a perda de três pontos de Serra no Sudeste, que tem 42% do eleitorado. Para subir a rampa, Serra tem não só de ganhar bem nessa região como compensar aí o que certamente Lula dará a mais para Dilma no Norte e no Nordeste. Com Aécio é possível. Sem ele...
No discurso serrista, tudo isso é porque "a campanha nem começou". Só que, quando começar, Dilma vai continuar como hoje, com muito mais tempo de exposição positiva na TV, sem contestação.
Voltando à vaca fria, a oposição ou vai de Serra e Aécio ou racha.
Na política, rachar é sinônimo de perder.

SERGIO FAUSTO

Basta ter olhos para ver

O ESTADO DE SÃO PAULO - 28/02/10


Estive em Caracas antes do carnaval. Respira-se um clima pesado na Venezuela. A responsabilidade não é do El Niño, mas de Hugo Chávez. Seu governo se torna mais repressivo à medida que cresce a insatisfação social em consequência da inflação em alta, da desarticulação do sistema produtivo, do desmantelamento dos serviços públicos de saúde, do aumento da criminalidade, do racionamento de água e energia. Resultado não de fenômenos climáticos ou das maquinações do "império", mas da ineficiência, do voluntarismo e da arbitrariedade que caracterizam, cada vez mais, os dez anos de sua permanência no poder.

Chávez surgiu invocando a figura de Simon Bolívar. Hoje, para fins práticos, quem lhe serve de referência é Cuba. A construção do "socialismo do século 21" passou a orientar o projeto chavista a partir das eleições parlamentares de 2005, quando as oposições desistiram da disputa e os partidos governistas conquistaram 100% das cadeiras da Assembleia Nacional, e do pleito presidencial de 2006, que deu a Chávez seu segundo mandato. Até então, apesar de tudo, o chavismo havia-se movido dentro dos limites da Constituição de 1999, que inovava, mas não rompia com a matriz federativa e liberal da Constituição de 1961. Em desrespeito à Constituição vigente havia-se comportado, isso sim, a direita golpista, quando tentou apear Chávez do poder à força, em abril de 2002. O golpe fracassou, em boa medida, graças à pronta condenação latino-americana orquestrada pelo Brasil, na época presidido por Fernando Henrique Cardoso.

Em 2005-2006, com o controle quase total da situação política, o coronel-presidente engatou a segunda marcha do movimento chavista, agora sob a bandeira do socialismo do século 21, mescla rara e confusa de ideias marxistas, cristãs e "bolivarianas". Nessa etapa, a reforma da Constituição tornou-se seu maior objetivo político. Reformar para concentrar o poder no Executivo federal e na Presidência da República, para permitir a reeleição indefinida, para criar os tentáculos que, por cima de governadores e prefeitos, permitiriam o controle direto do poder local pelo centro do poder, personalizado em Chávez. Reformar para mudar o regime de propriedade e estabelecer as bases de um novo modo de produção. Junto com as reformas, derrotadas em plebiscito no final de 2007, mas mesmo assim implementadas por meio de decretos nos anos subsequentes, vieram a formação de uma milícia popular subordinada à presidência e a criação de um partido, o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), sob a liderança de Chávez. Um projeto de tendência totalitária, com um viés personalista, um componente de militarização da vida política e uma vocação a estender sua influência para além das fronteiras nacionais venezuelanas.

O regime vem sofrendo seguidas defecções após abraçar o "socialismo do século 21", várias de peso, como as do general Raúl Baduel, do ex-vice presidente José Vicente Rangel e, semanas atrás, do então ministro da Defesa e vice-presidente Ramón Carrizález. São três, aparentemente, as principais razões para a perda de aliados: a exacerbação do caráter personalista do regime ("eu sou o povo", disse o coronel-presidente há poucas semanas), a acentuação dos seus traços totalitários e o peso cada vez maior de oficiais cubanos no esquema militar e repressivo do governo. Além disso, a subordinação estrita dos conselhos comunais à direção do PSUV tem levado intelectuais e militantes adeptos da participação popular direta à desilusão e ao afastamento. Às defecções se soma a erosão do apoio social ao governo, hoje reduzido, segundo as pesquisas mais recentes, a pouco menos da metade da população.

Nada disso, porém, faz prognosticar o recuo de Chávez. Ao contrário, conquistado o direito à reeleição indefinida no referendo de 2009, o coronel-presidente dobra a aposta até aqui vitoriosa: a polarização maniqueísta entre "o povo" (liderado por ele) e "a oligarquia" (representada pela oposição) e a manipulação das regras do jogo, como a recente reforma eleitoral, que tende a favorecer o PSUV nas eleições de setembro. A estratégia e a retórica do confronto não são novidade. Pela primeira vez, no entanto, os benefícios ao povo estão posto em xeque, pelas razões apontadas no primeiro parágrafo. Com seu apoio social ameaçado, com ex-aliados em fuga, com uma economia débil e serviços sociais e de infraestrutura comprometidos, Chávez age de modo a fortalecer os mecanismos repressivos e aumentar o medo de se opor ao governo: nos últimos meses, uma juíza foi encarcerada por liberar um empresário que se encontrava detido há muito tempo sem processo, a polícia e bandos armados arremetem contra manifestações estudantis, atos e ameaças de expropriação de empresas e imóveis comerciais tornam-se ainda mais arbitrários e intempestivos, etc.

A radicalização chavista aponta perigosamente na direção de uma escalada de violência. Estima-se que haja entre 3 milhões e 6 milhões de armas ilegais no país. Também armada está a milícia popular sob o comando de Chávez. Circulam rumores de toda sorte, incluindo a reedição do "Caracazo", violentos e generalizados protestos de rua ocorridos em meio à crise econômica do final dos anos 80. Teme-se, sobretudo, um autogolpe de Chávez, ao estilo Fujimori, pretextando a necessidade de garantir a ordem em face de "circunstâncias excepcionais".

Do Brasil, até aqui, até onde nos é dado saber, nem sequer uma nota de preocupação. Lula faria bem se deixasse claro a Chávez que complacência tem limites. Que os valores (a democracia) e os interesses do Brasil (a estabilidade política na região) não se subordinam a eventuais afinidades ideológicas e alianças políticas que possam existir entre setores de seu partido e o castro-chavismo. Se não o fizer, assumirá, por omissão, responsabilidade pelas imprevisíveis consequências da escalada repressiva em curso na Venezuela.

Sergio Fausto, diretor executivo do iFHC, é membro do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP. E-mail: sfausto40@hotmail.com

PAINEL DA FOLHA

Pesquisa: modos de usar

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/002/10

O Datafolha que aponta estreitamento da diferença, já na vizinhança da margem de erro, entre José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) fatalmente aumentará a especulação sobre a perspectiva de desistência do governador paulista. Sua porta de saída, porém, tornou-se minúscula. Crescerá também a pressão tucana para que Aécio Neves aceite ser vice de Serra. Longe de microfones, até os petistas reconhecem que essa possibilidade é real, mas, numa direção ou em outra, não é assunto que vá se resolver agora.
Por fim, o resultado irá acelerar a retirada do oxigênio de Ciro Gomes (PSB). Os números desautorizam o discurso de que sua presença seria necessária para garantir a passagem de Dilma ao segundo turno.



Estratosfera. Previsão de um cardeal petista: "O mais provável hoje é que Ciro não seja candidato nem a presidente nem a governador".

Dúvida cruel. Ao mesmo tempo em que caiu a intenção de voto espontânea em Lula e subiu a de Dilma, cresceu o percentual de eleitores indecisos na pergunta não estimulada: eles são hoje 58%, contra 47% no Datafolha anterior.

Noivo neurótico. A maioria dos eleitores que declaram preferência partidária pelo PMDB, que negocia aliança com o PT em torno da candidatura de Dilma, opta por Serra (46%). A petista arrebata 20% nesse segmento.

Pedreiras. Apesar do afunilamento da diferença entre Serra e Dilma no populoso Sudeste, é nessa região que a candidata de Lula atinge seu pico de rejeição: 27%. O recorde do tucano se dá no Norte e no Centro-Oeste: 29%.

Sombra. Observação do círculo próximo da ministra: Dilma se solta mais nos compromissos de campanha quando não acompanhada por Lula. A presença do presidente no palanque, não obstante outros benefícios, ainda a intimida.

Direto e reto. Aprendiz de candidato, o vice-governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), vem demonstrando em seguidos eventos pelo interior do Estado uma característica que o público aplaude: faz discursos curtos.

O mundo gira. Do então deputado e presidente do PT José Dirceu, em agosto de 1999, defendendo investigação parlamentar sobre a privatização da Telebrás: "O Brasil precisa desta CPI".

Off. O encontro de Dilma Rousseff com executivos da Oi, em novembro passado, para discutir o interesse da empresa em comprar a Eletronet, que contratou os serviços de consultoria de Dirceu, não foi registrado na agenda da ministra da Casa Civil.

Deixa estar 1. O novo governador interino do DF, Wilson Lima (PR), ganhou apoio de entidades do comércio e do empresariado de Brasília, que lançaram manifesto contra a possibilidade de intervenção federal. Temem a "paralisação da atividade econômica".

Deixa estar 2. Diz o texto: "Não há necessidade de intervenção. Acreditamos que os dispositivos legais e constitucionais e o respeito à linha sucessória legal são instrumentos suficientes para a busca de soluções para a crise política".

Ponte. O contrato da Serveng Civilsan para a construção do metrô de Brasília vem sendo prorrogado há 13 anos sem licitação. A empresa, que no governo Arruda recebeu R$ 176,4 milhões, destinou R$ R$ 1,2 milhão à campanha de Gilberto Kassab em 2008.

Por escrito. A PF achou no computador de José Geraldo Maciel, ex-chefe da Casa Civil do DF, bilhete da deputada Eurides Brito (PMDB), aquela flagrada literalmente embolsando dinheiro: "O nosso espaço no governo" tem causado ciúme, diz ela, mas "Arruda é inteligente e não deixará ninguém desprestigiado."

com SILVIO NAVARRO e ANDREZA MATAIS

Tiroteio

"Lula defende sim os direitos humanos, desde que isso não atrapalhe os negócios dos amigos."

Do deputado EDUARDO SCIARRA (DEM-PR), sobre a complacência do presidente e de seus auxiliares diante da morte, após greve de fome, do preso político cubano Orlando Zapata, que coincidiu com visita oficial do brasileiro a Havana.

Contraponto

Vantagem comparativa Vanildo Oliveira, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco, entrevistava recentemente uma catadora de mariscos no município de Itapeçuma como parte de um trabalho sobre os pescadores locais:
-A senhora sobrevive de quê? Quantos filhos tem?
Ele foi percorrendo as perguntas do questionário até que, depois de verificar que a mulher era casada, indagou:
-E como é o nome do seu marido?
Ela não teve dúvida:
-Meu marido é o Lula, porque aquele traste que eu tinha lá em casa não me dava um centavo e ainda me largou com cinco filhos. O Lula me dá dinheiro todo mês.

MERVAL PEREIRA

Palpite infeliz

O GLOBO - 28/02/10


O presidente Lula deve estar convencido de que sua popularidade lhe permite fazer o que quiser, dizer o que lhe vem à cabeça, sem necessidade de ter a mínima coerência. Só assim se explica a série de despautérios que andou distribuindo em seu mais recente périplo internacional nos últimos dias.

Apanhado em flagrante pela comunidade internacional em contradição fundamental ao não criticar a ditadura de Cuba pela repressão política que, para seu azar, culminou desta vez com a morte de um dissidente que fez greve de fome exatamente no dia em que chegou à ilha de seu amigo Fidel Castro, Lula disse ter aprendido “a não dar palpite no governo dos outros”.

Uma desculpa frouxa e sem base na realidade. Se o ditador de plantão, Raul Castro, foi grotesco ao culpar os Estados Unidos pela morte, Lula foi quase cruel ao criticar a greve de fome como instrumento político. E exigir uma carta protocolada na embaixada para receber os dissidentes cubanos.

Uma formalidade que um presidente realmente democrata não exigiria de uma oposição sabidamente perseguida numa ditadura.

Mas analisemos a desculpa de Lula para não fazer comentários sobre a ditadura cubana. Para começar, é através dele mesmo que sabemos que ele se mete no governo dos outros, até mesmo dos Estados Unidos.

Lembram daquele dia em que ele disse que acordou invocado e ligou para o Bush? Em outro momento, no auge da crise financeira, Lula contou que ligou duas vezes para o presidente Bush.

“Eu liguei para ele para falar: ‘Bush, o problema é o seguinte, meu filho: nós ficamos 26 anos sem crescer, agora que a gente está crescendo você vem atrapalhar? Resolve a sua crise’. E depois, o Brasil tem knowhow para salvar banco, é só criar um Proer”, disse durante discurso no Fórum Empresarial Brasil-México, em Recife.

Pode ser apenas uma bravata, mas está registrado.

Quando é para defender Cuba, Lula também não se incomoda de se meter no governo dos outros.

Já contou que disse ao presidente Barack Obama que ele deveria ter a mesma audácia dos eleitores que o colocaram na Casa Branca, e acabar com o bloqueio econômico a Cuba.

No caso de Honduras, chegou a ser escandalosa a intromissão do governo brasileiro nos assuntos internos daquele país, a ponto de ter tentado, com a cumplicidade de Hugo Chávez, criar um fato consumado com o retorno de Manuel Zelaya ao país, abrigando-o na embaixada brasileira.

E pedia sanções internacionais a Honduras, as mesmas que quer levantar em Cuba, enquanto Zelaya não voltasse ao governo. Queria porque queria que a ONU e a OEA interviessem em Honduras, ao mesmo tempo em que defende o retorno de Cuba à OEA sem nenhum compromisso com a democracia.

Da mesma forma, o Brasil foi dos países mais ativos, ao lado da Venezuela de Chávez, na condenação das bases militares dos Estados Unidos na Colômbia, mas nunca fez um comentário sobre os acordos militares que o mesmo Chávez andou assinando com a Rússia e o Irã.

Recentemente, intrometeuse na disputa da Argentina com a Inglaterra sobre as Malvinas (ou Falklands), cobrando da ONU uma posição.

O presidente Lula também andou mandando recados para o governo dos Estados Unidos, que aumenta as pressões para que o país não proteja o programa nuclear iraniano, que está sendo tocado sem a fiscalização dos organismos internacionais, especialmente a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Disse que não deve exp licações a ninguém, “apenas ao povo brasileiro ”, numa referência à próxima presença da secretária de Estado Hillary Clinton no Brasil. Retórica vazia e populista, pois o país que eventualmente dirige não é um pária na sociedade internacional, e tem que se submeter aos organismos internacionais.

Se o governo do Irã insiste em realizar um programa nuclear fora do sistema de fiscalização que existe sob os auspícios da ONU, o Brasil não deveria dar-lhe apoio.

Ao contrário, o apoio do governo brasileiro à ditadura teocrática de Mahmoud Ahmadinejad se dá em vários níveis.

Quando ele foi eleito sob suspeita de fraudes, provocando protestos internos e uma onda internacional de repúdio, Lula foi dos primeiros a vir em seu socorro, minimizando os protestos como sendo comparáveis à disputa de torcidas de futebol, com o perdedor reclamando.

As muitas mortes que se seguiram aos protestos não foram suficientes para o governo brasileiro recuar.

O chanceler Celso Amorim não teve nem o cuidado de mudar o dia da reunião com o chanceler do Irã no recente Fórum Econômico Mundial, em Davos.

Recebeu-o no mesmo dia em que três dissidentes “da torcida rival” eram fuzilados em Teerã ainda devido aos protestos contra a eleição de Ahmadinejad.

Depois, disse que o Brasil não se nega a ter relações com países apenas porque eles têm pena de morte.

Como se os fuzilamentos da oposição iraniana pudessem ser comparados com os criminosos quesão condenados à morte em alguns estados nos Estados Unidos.

Os interesses econômicos e políticos têm precedência sobre os direitos humanos no pragmatismo de nossa política externa.

Presos por opinião política no Irã ou em Cuba não contam com a solidariedade do governo brasileiro, que se arroga o título de grande defensor dos direitos humanos, mas não liga muito quando “países amigos” os transgridem .

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Arruda tá no SPANETONE!

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10


O Kassab não pode ser cassado, tem que ser pescado; Sampa continua na Aquaresma!


BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta! Terra do "Rebolation" e do "Big Brother"! "Padre que oferecia serviços sexuais na internet foi expulso." Por quem? Pelo arcebispo BRAULIO! E em São Paulo tem uma família chamada QUERIDO PINTO! Adorei! Quero entrar pra essa família. Porque, sem um querido pinto, não há família.
E o Arruda emagreceu cinco quilos na cadeia. É o famoso SPANETONE! E ele se queixa do isolamento. Então joga ele na baldeação da estação Sé do Metrô, às 18h. Nunca mais vai se queixar de isolamento. Rarará!
E o "BBB"? As Big Bibas do Bial! Fora, Dourado. Você acredita num machão homofóbico chamado DOURADO? Tem que trocar o Dourado pelo Freddie Mercury Prateado. Rarará! Avisa o Boninho! Troca o Machão Dourado pelo Freddie Mercury Prateado! E a dlag de língua plesa foi falar um palavrão e acabou falando dois: cagalho! Rarará.
E a sapinha de bigode? Foi eliminada. Já tava parecendo a neta do Sarney. E aí a sapatinha fez um ensaio sensual pro Paparazzo: Saparazzo! E aquela PM (cover da Ivete Sangalo depois de uma trombada de trio elétrico) foi exonerada da PM. Só que ela não devia ser exonerada, devia ser exorcizada!
E olha a faixa que eu vi na marginal: ""ULTILIZE a ponte da Casa Verde". Por isso que queriam cassar o Kassab. Só que o Kassab não pode ser cassado, tem que ser pescado. Sampa continua na Aquaresma!
E quem é o novo governador do Detrito Federal HOJE?! Eu! Qualquer um! Quem passar em frente ao palácio de cueca e meia, vira governador! Três governadores em 12 dias. Rodízio de governador. O novo governador tem que assumir com carta-renúncia no bolso. E este novo governador que ninguém sabe o nome tem um suplente envolvido no escândalo: Pedro do Ovo. Tão fritando o Pedro do Ovo. Vai acabar em omelete. Rarará! E todos do partido DEM. Deu Em Merda. Deram Elza no Mandato! DEMolido! E o PT apresenta programa radical para Dilma RouCHEFE! Programa radical? Já sei, vão mandar ela pular da Pedra da Gávea SEM asa-delta!
Mais uma da Lucianta Gimenez: "Avião com Luciana Gimenez pega fogo". My God! O avião saiu de Nova York e começou a sair fumaça e voltou pro aeroporto. Três hipóteses: 1) ela ligou a chapinha no 220; 2) ela ligou o barbeador no 220; 3) ela ligou o vibrador no 220. Ou então ela ligou TODOS num benjamim! Ou então ela resolveu pensar em pleno voo. E o Tico e o Teco pegaram fogo. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

ELIO GASPARI

A privataria petista é diferente, e pior

FOLHA DE SÃO PAULO - 28/02/10



O tucanato vendeu patrimônio da Viúva e o comissariado produz riqueza vendendo intenções do Planalto


QUEM ACOMPANHA o noticiário do mundo da informática tem um pé na felicidade. Na semana passada, por exemplo, apareceram três boas notícias.
1) A editora MacMillan trabalha num projeto para lançar livros didáticos on-line que poderão ser adaptados pelos professores, de acordo com a conveniência dos alunos.
2) Aproxima-se o dia em que os celulares terão um pequeno projetor de vídeo. Apareceram três modelos, caros e ruins, mas é assim que as novidades chegam ao mercado.
3) A Apple poderá baixar para US$ 0,99 o preço dos episódios de seriados de TV.
Isso pelo mundo afora. Em Pindorama, só notícias ruins.
1) O comissário José Dirceu recebeu R$ 620 mil por serviços de consultoria prestados ao empresário que comprou por R$ 1 parte da empresa falida Eletronet, que foi dona de uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas.
2) Diante das notícias de que o governo reanimaria a Telebrás para implantar um projeto federal de universalização da banda larga utilizando a rede da Eletronet, um lote de mil ações da estatal, que valia R$ 0,04, chegou a R$ 2,61. A primeira alta escandalosa de ações da Telebrás ocorreu no final de 2007 (200% num só dia), portanto o governo sempre soube que havia gente ganhando dinheiro com os ventos do Planalto.
3) A União Internacional de Telecomunicações informa que o brasileiro gasta 4,1% de sua renda em comunicações, dez vezes mais que o europeu e o canadense. A internet de banda larga custa, na média, US$ 34 mensais (em paridade do poder de compra, a PPC), contra US$ 20 nos Estados Unidos. O índice de acesso dos brasileiros à banda larga fixa é de seis por cem habitantes, para uma média mundial de 7,1.
Aquilo que num pedaço do mundo é progresso, no Brasil tornou-se uma avenida de inépcia e da ação de atravessadores. Boa parte das roubalheiras do governo de José Roberto Arruda passava pela contratação de serviços de informática.
A Infraero anunciou que ofereceria internet gratuita aos usuários de seus aeroportos, voltou atrás e meteu a faca. No Ministério da Saúde, torraram perto de R$ 400 milhões com serviços terceirizados para a montagem da rede do cartão SUS. Felizmente, servidores que foram mantidos longe das transações desenvolveram e aperfeiçoaram os programas que mantêm de pé uma parte do projeto.
Um pedaço da malandragem que se nutria vendendo serviços de segurança, manutenção e logística migrou para a informática. Nela ainda é fácil maquiar preços, aditivos e contratos de assistência. Se um magano contrata a reforma de um prédio, bem ou mal, pode-se ter uma ideia da qualidade e do custo do serviço. Na informática, já houve caso de preço dez vezes superior, manutenção saindo mais cara que o equipamento, isso para não falar em venda de material obsoleto.
Em 1998, Larry Page e Sergey Brin fundaram o Google numa garagem alugada de San Francisco e seis anos depois abriram o capital da empresa. Suas ações foram oferecidas a US$ 85 e hoje estão a US$ 526. Quem botou US$ 100 mil no Google em 2004 tem agora US$ 620 mil.
O Google revolucionou o acesso ao conhecimento, emprega 20 mil pessoas, atende a 1 bilhão de pedidos por dia e é considerado a marca mais poderosa do mundo. É um perfeito exemplo da força renovadora do capitalismo.
A Telebrás, ressuscitada pelo comissariado do Planalto, é o anti-Google, exemplo da voracidade destruidora da privataria petista. Quem comprou US$ 100 mil de ações da Telebrás no dia em que Page e Bryn ofereceram seus papéis, tem hoje US$ 6,5 milhões. Isso sem produzir um só emprego ou serviço.
Tomando-se os R$ 20 mil da remuneração mensal do comissário José Dirceu na empresa do homem da Eletronet como uma unidade de medida da privataria petista resulta o seguinte: quem usou um José Dirceu em 1994 para comprar ações do Google, tem hoje R$ 124 mil. Se tivesse comprado papéis da Telebrás, teria R$ 1,3 milhão.
A privataria tucana produziu escândalos, bens e serviços. A petista ficou nas operações escandalosas.

ERRO
Estava errada a informação publicada aqui na semana passada, no texto intitulado "Teologia da urucubaca vicia o tucanato", segundo a qual o noticiário do PSDB informou em janeiro que "os especialistas alertam que o aumento do desemprego no país pode levar a uma onda de calotes" e o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas advertiu para o perigo da inadimplência dos consumidores.
O noticiário do PSDB e o deputado não trataram desse assunto em janeiro passado, mas em janeiro de 2009, o que faz enorme diferença. Como Vellozo Lucas argumenta, com razão, "o cenário há 13 meses era completamente diferente do atual. Vivíamos o auge da crise financeira internacional, quando a retração global exigia uma revisão dos agentes econômicos e de seus planos de gastos e investimentos".

CERTEZA
Um velho companheiro de Lula, habituado aos seus silêncios, dissimulações e otimismos empostados, assegura:
"Ele está absolutamente convencido de que elege a Dilma".

GRANDE MESTRE
Em 2005, o chanceler Celso Amorim deu a Lula o qualificativo de "Nosso Guia". Dilma Rousseff acaba de conceder-lhe o título de "Grande Mestre".

FACA AÉREA
O serviço de atendimento aos passageiros da TAM criou uma dispendiosa novidade. Tendo cobrado R$ 300 para transportar uma criança de dez anos desacompanhada de São Paulo para o Rio, pediu mais R$ 100 pelo trabalho de embarcá-la e de entregá-la aos seus responsáveis no desembarque. A rentabilidade desse serviço é certamente maior que a da empresa aérea.

AUTOENGANO
A candidatura da senadora Marina Silva à Presidência da República ganhou a colaboração do professor de economia Eduardo Gianetti da Fonseca, autor do memorável livro "Auto-Engano", uma reflexão sobre a capacidade dos seres humanos de se enganarem. (Para evitar esse risco, Charles Darwin tinha o hábito de anotar tudo o que pudesse contrariar suas teorias, pois não queria esquecer o que não convinha lembrar.)
Em 2006, quando morreu o general chileno Augusto Pinochet, o professor disse o seguinte: "Pinochet foi um déspota esclarecido". Gianetti ressalvou que o qualificativo se referia à gestão econômica durante a ditadura do general, de 1973 a 1990. Nada a ver com a banda política (200 mil exilados, 3.200 mortos).
Gianetti não está sozinho nesse julgamento do general. Mesmo assim, no aspecto da clarividência econômica de Pinochet, o encontro do professor com a senadora indica que um dos dois está cultivando um autoengano. Ou autoenganaram-se aqueles que acompanharam as duas biografias.

BOA NOTÍCIA
A causa das cotas para negros em universidades públicas ganhou um defensor. O advogado Márcio Thomaz Bastos aceitou defender o caso no
Supremo Tribunal Federal.
O julgamento demora pelo menos um ano e deverá ser antecedido por audiências públicas. É provável que entre para a história da corte.
Em tempo: como nos velhos tempos, quando Thomaz Bastos tirava presos das cadeias da ditadura, nada cobrará pelos seus serviços.