terça-feira, janeiro 19, 2010

VINICIUS TORRES FREIRE

Risco de indigestão

FOLHA DE SÃO PAULO - 19/01/10


Previsão de alta de 6% do PIB em 2010 se torna comum, assim como a de desequilíbrio econômico maior até 2011

O BRASIL das decisões políticas e econômicas vive sua letargia de meio de verão, que este ano deve ser mais extensa, como ocorre habitualmente em anos de Carnaval precoce. A partir de julho, haverá quase apenas campanha eleitoral; no mínimo, a máquina de decretos e MPs do governo estará atada pela legislação. O governo Lula, pois, deve ter apenas mais três meses de ativismo. No resto do ano, na segunda metade de 2010, terá tempo apenas de aprovar o que terá colocado no Congresso no primeiro semestre, se tanto.
Há imensos restos a resolver de 2009. O projeto das leis do petróleo, do pré-sal, que causou tanto tumulto, está mal parado. Lula ainda quererá mandar ao Congresso sua "consolidação das leis sociais", "CLS", a tempo pelo menos de utilizar o mote na campanha, "saio do governo, mas entro na história". Algo do gênero "venha o governo que vier, ninguém mais neste país vai tirar os direitos do povo pobre".
Haverá projetos menos "pop", mas trabalhosos e importantes, como a criação de uma instituição garantidora de empréstimos para empresas. Trata-se do fundão avalista, majoritariamente estatal, com o qual o governo pretende baratear os financiamentos sem que precise exagerar na capitalização dos bancos estatais. Planos de desoneração de impostos ficam na prancheta.
De mais importante, de resto, o governo precisa arrumar dinheiro e resolver enroscos administrativos para fazer andar com mais rapidez o programa "Minha Casa, Minha Vida". Fora do radar de debates dos "formadores de opinião", o programa é um sucesso na boca do povo, embora não do povo mais pobre, o que precisa de subsídio quase integral para comprar uma casa e espera ansioso ver resultados concretos do programa. Até agora, o "Minha Casa, Minha Vida" funciona mais onde há mais mercado, onde há mais gente com renda para adquirir sua moradia, a classe "C+", digamos. O governo sabe disso e está preocupado em azeitar o programa para os sem-renda. Faltam terrenos ainda, faltam projetos e muita vez falta empresa disposta a fazer as casas nos preços estipulados no início do projeto.
No mais, a entidade governamental mais ativa no ano será o Banco Central. Pode ficar de fato ativa mais cedo do que se previa. Os melhores analistas de curto prazo da economia brasileira acreditam agora em crescimento de 6% do PIB neste ano. Menos que isso apenas em caso de tremores na economia mundial.
Quais? Problemas na China (crescer menos, ter bolhas). Na Europa, onde a recuperação balança de novo. Afora isso, o Brasil cresce bem. Cresce o deficit externo -as projeções para o saldo da balança comercial começam a se aproximar de zero. Duvida-se que o governo ponha suas contas em ordem. A inflação ainda é um mistério, pois ainda é preciso saber o que será do dólar, da suposta baixa da inércia (dada a deflação no atacado em 2009), dos salários etc. Mas já está num patamar que deixa o Banco Central inquieto. Vai ser difícil que se notem os problemas, pois, num ano de crescimento bom, de Copa e de tumulto eleitoral. Mas, dados alguns desequilíbrios crescentes, parece que a economia chegará com sinais de indigestão no final de 2010.

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