sábado, janeiro 30, 2010

ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA
Roberto Pompeu de Toledo

Crime, denúncia, surpresa

"O advogado Rodrigo Rosenberg é morto a tiros enquanto
passeava de bicicleta por um bairro rico da capital do país.
Era domingo, Dia das Mães. No dia seguinte…"

Tramas formidáveis sempre tiveram lugar em nuestra América. Bolívia, 21 de julho de 1946. Armada com fuzis roubados de um quartel, uma multidão invade o palácio presidencial e, sala por sala, segue no encalço do presidente Gualberto Villarroel López. Villarroel é morto, jogado de uma sacada para o populacho lá embaixo e pendurado num poste. Entrou para a história com o cognome de El Colgado, "O Pendurado". Panamá, 2 de janeiro de 1955. O advogado Rubén Miró, tendo perdido a fortuna numa mesa de jogo, não encontrou melhor ação para praticar em seguida do que matar o presidente da República. Abateu José Antonio Remón enquanto ele assistia a uma corrida de cavalos. Miró era amigo do vice-presidente e, segundo confessou, contava ser nomeado ministro para recompor as finanças pessoais.

São apenas dois casos, pinçados dentre um repertório, que, sendo nuestra América o que é, jamais se pode dizer esgotado. Prova-o uma história que, ocorrida na mesma vizinhança do Haiti do terremoto e da Honduras do inédito caso do presidente deposto que volta a seu país para exilar-se numa embaixada, passou meio despercebida. Segue-se um resumo, do início ao recente desfecho.

Guatemala, 10 de maio de 2009. O advogado Rodrigo Rosenberg é morto a tiros enquanto passeava de bicicleta por um bairro rico da capital do país. Era domingo, Dia das Mães. No dia seguinte, Rosenberg ergue-se da tumba para uma acusação que estremece o país. Vem a público um vídeo em que ele diz: "Se vocês estão vendo este vídeo, é porque fui assassinado pelo presidente Álvaro Colom". Rosenberg acusava Colom, eleito em 2007 com um discurso de esquerda, de envolvimento em roubalheira do dinheiro público e tráfico de drogas, além do assassinato do banqueiro Khalil Musa e de sua filha Marjorie, no mês anterior. Desencadeia-se uma onda de protesto contra o presidente. "Colom assassino", gritam manifestantes. Exige-se sua renúncia. Colom se diz inocente. Vai à TV e alega que o vídeo é uma armação de inimigos políticos. Mas como armação se é o morto, indiscutivelmente o morto, com sua própria voz, que o acusa, depois de comprovadamente ter ocorrido aquilo que previa? Colom pede a uma comissão da ONU, liderada pelo juiz espanhol Carlos Castresana, que investigue o caso.

Guatemala, 12 de janeiro último. Depois de oito meses, o juiz Castresana anuncia o resultado de sua investigação. O presidente Colom é inocente. Quem, então, seria o culpado pela morte de Rosenberg? Quem? Resposta: Rodrigo Rosenberg. Mais uma vez, agora com o merecido ponto de exclamação: Rodrigo Rosenberg! Ele próprio contratou os pistoleiros, descreveu-lhes a vítima e passou-lhes as informações de onde e quando encontrá-la. Como não poderia deixar de ser, considerando-se que a vítima era ele mesmo, as informações revelaram-se precisas. Um atentado armado contra a própria pessoa, e bem-sucedido, não um em que a pessoa escapa à última hora – isso, até onde a memória alcança, nem a crônica latino-americana ainda registrava.

Rosenberg pediu a parentes que contratassem os pistoleiros. Nem os parentes nem os pistoleiros imaginaram que a vítima seria ele próprio. Segundo o juiz Castresana, foi decisiva para a conclusão a descoberta de dois celulares adquiridos por Rosenberg por meio de um amigo. Um ele encaminhou aos pistoleiros. O outro usou para lhes dar instruções e para endereçar ameaças de morte a si mesmo, deixadas no celular em seu nome. Rosenberg gravou o vídeo com a acusação ao presidente três dias antes de deixar-se matar, e encarregou um amigo de divulgá-lo. Quanto à razão por que ele decidiu morrer, o juiz Castresana só pôde especular. Rosenberg acabara de se divorciar. E mostrava-se deprimido com o assassinato do banqueiro Musa, de quem era advogado, e de sua filha Marjorie, com quem mantinha laços afetivos. Como fazia parte da oposição ao presidente Colom, e oposição, na Guatemala como alhures, por aquelas redondezas, não é coisa que se exerça como os mariquinhas que se apegam a discursos e argumentos, decidiu conferir uma utilidade extra ao suicídio.

Hugo Chávez fechou a RCTV, a mais popular emissora de televisão da Venezuela, pela segunda vez, na semana passada (da primeira ele fechara suas transmissões abertas; agora fechou as por cabo), três dias antes do final da novela Libres Como el Viento, que ia ao ar às 21 horas. O Mussolini do Caribe brinca com fogo. Três dias antes do ansiado final da telenovela nuestra de cada dia!

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